Santa Marta

Os mártires da Igreja podem parecer meio suicidas às vezes, tamanha a sua disposição para morrer. Na verdade, em um contexto de perseguição, eles mantiveram a fé mesmo diante da morte, e o que se celebra no seu martírio é a fidelidade que mantiveram ante a opressão extrema de quem lhes exigiu escolher entre a fé e a vida.

Esta divisão entre fé e vida não existe, mas foi forjada pelos seus perseguidores para forçar aqueles mártires a abandonar a fé em troca de manter a vida. Se às vezes as declarações de alguns deles ou os relatos sobre eles sugerem um desejo pelo martírio, é porque nem sempre as ideias de uma pessoa são muito claras, e nem sempre quem fez um relato consegue evitar um certo sadismo, porque nem os mártires nem quem fez os relatos são perfeitos.

Portanto, descontando os arroubos emocionais do santo e os de quem relatou o martírio dele, o que estes sacrfícios demonstram é justamente o apego à vida – pois a morte injustamente imposta pelo perseguidor não pode vencer a vida, que é mantida por Deus e recebida pela fé depositada Nele.

E é a fé em Deus e na vida que esta fé em Deus torna eterna que Marta afirma quando eleva, com todo o esforço que isto supõe, a fé acima da dor pela morte do irmão. A fé em si, por mais indispensável que seja agora, é passageira – pois junto a Deus no céu não será mais fé e sim realidade plena; a fé se orienta a Deus e, por causa disto, à vida. E é por isto que tanto os mártires quanto Marta fazem o mesmo movimento: submersos na dor, no medo e no desespero, elevam as mãos acima da superfície das águas do sofrimento segurando nelas a fé em Deus. E o fazem não porque isto impeça o sofrimento, mas permitem que Deus em seu coração segure esta onda, ou seja, deixam-se amparar por Deus, enquanto sofrem.

Se por um lado o sofrimento não pode ser evitado, também não deve ser procurado. O que se deve tentar evitar são as situações que levam ao sofrimento, dentro de um contexto razoável, é claro.

Mas como na alegria podemos manter a fé em Deus, no sofrimento também podemos. Não que isto seja tão fácil de fazer quanto é fácil de escrever. Mas os momentos de alegria são um bom espaço de treinamento para manter a fé não por causa da alegria, mas ao mesmo tempo e apesar dela. Por que é do mesmo jeito que é necessário manter a fé nos momentos de sofrimento: ao mesmo tempo que ele, e apesar dele. Porque a alegria se mantém sustentada por causa da fé, e o sofrimento, pelo contrário, só se dissolve pela mesma fé que pode manter a alegria.

As maldades de Deus

Quando Jesus Cristo, que é a segunda pessoa da Santíssma Trindade, assumiu as culpas da humanidade pagando por todas elas na Cruz, ele fez algo novo mas não muito diferente do que Deus vinha fazendo ao longo de todo o Antigo Testamento.

Deus, que não é mau, passou o Antigo Testamento inteiro sendo apontado como o responsável por não sei quantos males, chagas e doenças, seja do seu próprio povo, seja dos inimigos de seu povo. Esta atribuição é característica do pensamento religioso daqueles tempos, e embora até o próprio Deus tenha assumido o personagem do Deus malvadão, o fato é que as manifestações de misericórdia e bondade divina são muito mais significativas do que a sua “maldade” (mesmo que às vezes esta misericórdia venha acompanhada da irritação de Deus, que muitas vezes diz que vai salvar, voltar atrás da promessa de castigo, perdoar, etc., apesar de o povo merecer a maldade evitada).

Tudo isto, o retrato do Deus muito malvado, às vezes é o reconhecimento, por parte do profeta, do povo, de quem esceveu o texto bíblico, do poder de Deus (que não vai dizimar a humanidade, mas só porque não quer e não porque não pode).

Este olhar do profeta Jeremias, que chora lágrimas sem fim lamentando o sofrimento alheio, é mais próximo do olhar de Deus que, mesmo irritado (não sem razão), sofre o sofrimento das pessoas, de cada uma delas. Tanto é que Cristo, no fim das contas, não lançou fogo e enxofre sobre quem o matou, mas deixou-se crucificar e ainda perdoou todo mundo enquanto pagava pelos pecados que não tinha cometido.

Deus, que é santo, sem pecados, puro e inocente (sem deixar de ser poderoso e inigualável), oferece a paz e o amor a nós, que somos pecadores, impuros e culpados (além de nada poderosos, mas muito comuns); mas nós apontamos o dedo para os outros quase mais rápido que o diabo fugindo da cruz: pedimos segurança e nos contentamos que ela seja às custas de gente sofrendo dentro de presídios, pedimos paz e nos contentamos que ela seja às custas de policiais que não sabem se vão voltar para casa no fim do turno, pedimos amor e nos contentamos que ele seja às custas de quem não consegue receber amor; pedimos justoça e nos contentamos que ela seja às custas da injustiça alheia, pedimos pão e nos contentamos que ele seja às custas da fome dos outros (etc.).

Aí não é que Deus não queira dar o que pedimos, mas enquanto nós mesmos promovemos a maldade para nos beneficiarmos disto, porque Deus iria impedir a maldade alheia quando não impede a nossa própria maldade? Enquanto os outros sofrem com os nossos pecados, Deus, que é Pai de todos vai isentar apenas meia dúzia de sofrerem dos pecados alheios?

Em várias passagens do Novo Testamento está escrito que o importante é crer em Cristo e isto basta para ir para o céu. Mas toda a longa e complexa rede de conselhos, exortações, proibições e obrigações serve para não ir para o céus às custas do sofrimento alheio. Não que eu saiba quem vai ou não e nem determine as condições de um ou outro resultado, mas, seja no céu ou no inferno, todos corremos o risco de passar a eternidade tendo que encarar – eternamente – as pessoas que desprezamos, odiamos matamos ou deixamos morrer. Se for no céu, melhor passar a eternidade de bem com todo mundo que estiver lá.

Crise do governo na Somália (notícia do L’osservatore Romano)

(Traduzida abaixo pelo tradutor do Google)
Crise do governo na Somália
 27 de julho de 2020
 Crise do governo na Somália.  O parlamento do país do Chifre da África prometeu ontem o primeiro-ministro Hassan Ali Khaire com 170 votos em 178.  Decisão aprovada pelo Presidente da República, Mohamed Abdullahi Farmajo.
 Khaire, 52, nomeado em 2017 por Farmajo, levando em consideração o equilíbrio entre os principais grupos étnicos do país, foi retirado com uma decisão decidida de surpresa, depois que os parlamentares descobriram que as planejadas eleições diretas de sufrágio universal não haviam sido organizadas  para o próximo ano, os primeiros democratas desde 1969. “Quando soube que o governo não havia prometido traçar um caminho claro para as eleições de 2021, nas quais o voto de cada pessoa vale um”, disse o presidente do parlamento a repórteres,  Mohamad Mursal – a Assembléia Nacional escolheu o caminho do voto sem confiança contra o governo e seu primeiro ministro “.  O cargo de Khaire foi ocupado provisoriamente pelo deputado Mahdi Mohamed Guled, enquanto Farmajo escolherá um novo primeiro ministro.
 O atual sistema eleitoral prevê a nomeação de deputados de confiança pelos delegados;  e os deputados elegem posteriormente o presidente.  O governo federal e seu presidente Farmajo, apoiados pela comunidade internacional, mal controlam a capital Mogadíscio e menos da metade do território nacional, onde desde 2008 a guerra de guerrilha dos terroristas islâmicos da Al Shabaab, ligada à Al Qaeda, continua.
 Deve-se dizer que a Somália está atualmente enfrentando uma emergência humanitária muito séria devido às inundações que atingiram os estados do sul: mais de 150.000 crianças, dizem as ONGs, foram forçadas a fugir junto com suas famílias.

Justiça divina

Há muito tempo atrás uma professora do Magistério explicou à turma que o problema em castigar crianças nunca foi o castigo em si, mas a motivação: um castigo “pedagógico”, que ensine alguma coisa à criança, não só é válido como é necessário (desconsiderando o “aprendizado” de castigos dolorosos ou violentos); já descarregar raiva de quem castiga é a pior motivação para um castigo, e geralmente castigos dolorosos ou violentos servem apenas para isto: um adulto descontar sua raiva em uma criança.

Esta ideia se aplica também à esta passagem de Tiago: vemos maldades e pecados correrem livres e soltos diariamente diante dos nossos olhos e se encolerizar diante disto é fácil, muito fácil. É quase necessário, pelo menos do ponto de vista que a indiferença apenas piora.

Mas esta raiva, esta cólera, não resolve, e reagir com raiva diante da maldade serve apenas ao mesmo propósito descarregar a raiva que fundamenta muitas vezes os castigos dados às crianças (embora estas maldade e pecados aos quais me refiro sejam feitas por adultos). Descarregar a raiva serve exclusivamente para isto: descarregar a raiva. Mas há quem descarregue esta raiva em nome de Deus, até porque há quem sinta raiva até do que não deveria ser objeto de raiva. Justa ou não, a raiva de ninguém vai fazer bem algum que seja (se Deus consegue extrair disto um bem, é porque ele é Deus, e não porque este possível bem justifique a raiva e a cólera).

Nem o mais santo entre nós tem permissão para ser o justiceiro de Deus, seja com uma espada, seja com uma caneta em suas mãos.

Festa de São Tiago

Os santos são santos e merecem a veneração que lhes dedicamos. Mas é mais fácil para nós, agora, venerá-los, do que no tempo que lhes foi contemporâneo. Há uma certa relação entre santidade e perseguição, que não implica na atribuição de santidade ao que quer que seja apenas por sofrer a perseguição, mas não existe santo que não a tenha sofrido.

Hoje podemos ver São Francisco, São Bento, São Benedito, Santa Joana D’Arc, etc., já consagrados pela história depois de o terem sido por Deus, mas em seu próprio tempo, e sabe-se lá por quanto tempo depois, é mais provável que eles tenham sido vistos como São João Paulo II, Santa Madre Teresa de Calcutá ou São Josémaria Escrivá, canonizados mas, ainda assim, suspeitos.

O fato é que os santos não nasceram santos, e o seu caminho rumo à santidade dificilmente terá sido um caminho reto e plano. Justamente pelo contrário, quem caminha, mesmo rumo à santidade, dificilmente evitará se sujar na poeira da estrada. Isto não justifica qualquer pecado que seja, mas dentro de uma redoma de cristal totalmente esterilizada dificilmente se encontrará a santidade, a não ser no caso de relíquias e estátuas de santos que já estão com Deus no céu.

São Tiago, o Maior (de quem celebramos a festa hoje), por exemplo, ficou mal-visto pelos outros apóstolos, junto com seu irmão São João, graças ao pedido da mãe deles para que os filhos ficassem um à direita e o outro à esquerda no Reino de Deus, que os queria destacados entre os apóstolos como o eram para ela. Além disto, ele e o irmão foram repreendidos por Jesus, que lhes explicou que não veio para perder, e sim para salvar almas, depois que eles sugeriram a Jesus queimar com o fogo do céu aos samaritanos que haviam recebido mal o Senhor (o que rendeu aos dois o apelido de Boanerges, que significa Filhos do Trovão, por causa do seu temperamento). Depois da ressurreição de Cristo, a crença popular sugere que passou por Portugal e Espanha (onde termina o famoso caminho de Santiago de Compostela), mas por fim, morre martirizado por Herodes em Jerusalém mesmo, e se torna o único apóstolo cuja morte foi narrada na Bíblia (em At 12).

Talvez São Tiago possa ter sido visto como um “filinho da mamãe”, na melhor das hipóteses, ou como um homicida em potencial, depois de querer queimar os samaritanos, mas não estamos mais nos primórdios da Era Cristã para saber o que poderiam ter pensado dele, além do relato bíblico de que os outros apóstolos não gostaram do pedido da mãe dos Boanerges.

Seja como for, o santo não foi um santinho bonitinho e este é o ponto sobre 2Cor 4,7: nós somos estes vasos de barro, tais como qualquer santo, nos quais está contido o tesouro que é o esplendor da luz de Deus. Quando este esplendor se confunde com o barro no qual está contido, surgem os triunfalismos e as teologias da prosperidade que levam tanta gente a julgar que pode se apropriar do esplendor de Deus. Isto é uma lástima, mas ao menos serve para identificar de onde a santidade passa longe: destes vasos que se julgam pura luz.

Na dúvida, sempre é melhor desconfiar de qualquer santo que não tenha sido canonizado e que ainda não tenha ido para o céu junto de Deus. Incluindo cada um de nós, também. Mas é igualmente bom e conveniente não descartar os meio suspeitos, que pode ser que não valham nada mesmo, já que não é o serem suspeitos que os faz santos – mas não existe santo que não tenha sido meio suspeito (a começar por Cristo, que além de suspeito, foi julgado, condenado e executado ante de ressuscitar gloriosamente).

Crescei e multiplicai-vos

Jeremias repete a expressão “crescei e multiplicai-vos”, ordem dada por Deus à humanidade no Gênesis (mas não como coelhos, complementou o Papa Francisco em 2015).

Aqui esta expressão aparece reafirmando aquela ordem, e também parece o marco de uma promessa: “quando vos tiverdes multiplicado e crescido na terra…”.
Para além da reprodução humana, isto também deve significar o quão distantes estamos disto, seja como uma ordem, seja como meta. Pois crescemos em número, mas ao invés de nos multiplicarmos, nos dividimos cada vez mais.
Esta divisão constante é o contrário do que o que Deus promove entre nós, a união que resulta do amor.

Não podemos apenas pensar em “crescei e multiplicai-vos” numérica e biologicamente. Se gerar filhos é uma graça dada por Deus, é uma graça para nós, porque Deus mesmo não depende das nossas relações sexuais para nos criar.

“Crescer” é muito diferente de engrandecer-se, mas estamos cumprindo a ordem de Deus apenas neste sentido, como se ela fosse “engrandecei e proliferai-vos”. Precisamos de pessoas, de mais pessoas neste mundo, e precisamos tratá-las como tal, assim como precisamos tratar a Terra como outra graça de Deus, e não tratar ambos – as pessoas e a Terra – como algo a ser explorado.

Enquanto tratarmos e permitirmos tratarem as pessoas como números, como coisas e como recursos, estaremos reforçando os ódios e as divisões que são obstáculos ao projeto de Deus. Sendo o projeto de Deus, ele vai se cumprir, sejam quais forem os obstáculos – é apenas para nós que estes obstáculos dificultam tudo.

Desejos artificiais

Nós dependemos uns dos outros para sobreviver. A coletividade humana que assume um rosto nas pessoas com quem cruzamos no dia a dia é interdependente, por isto até mesmo quem recebe ajuda está contribuindo tanto quanto quem dá esta ajuda.
Esta união coletiva não substitui Deus, e sim depende dele para que possa existir – inclusive por ser desejada por ele. Mas se a tentação de substituir Deus pela união entre as pessoas é proporcionalmente mais nefasta, o perigo de se aproveitar desta interdependência é mais iminente.
Isto porque o capitalismo é regido pelo acúmulo de bens e quem possui este acúmulo faz dos outros reféns na maioria das vezes. Os donos do dinheiro, os donos do poder, os donos dos meios de produção, os donos do conhecimento, todos eles acumulam alguma coisa e quase sempre exploram os que não possuem estas coisas ao invés de compartilhá-las com justiça.
Eles se aproveitam assim da interdependência coletiva para impor aos outros as condições de acesso ao que possuem, negando por princípio este acesso a quem não lhes satisfazer – exigindo quase sempre dinheiro, sexo ou humilhação para se sentirem satisfeitos.
É verdade que os explorados podem ser também exploradores dos outros, reafirmando assim esta estrutura injusta. Mas eles apenas reafirmam a ação dos grandes exploradores que não dependem destas reafirmações para explorarem os outros – estas são uma ajuda valiosa, mas dispensável.
Os bens acumulados, que de outra forma seriam apenas coisas necessárias a serem usadas, são trabalhados por estes exploradores para se tornarem objetos de desejo e é principalmente pelo estímulo à satisfação destes desejos artificiais que eles exploram a maioria que tem pouco ou nada. E estes desejos artificiais são como as cisternas que não podem reter água, mencionadas pelo profeta Jeremias.
Aproximar-se de Deus, que é a fonte de água viva, compensa e recompensa a falta dos bens negados por quem os acumulou, mas não apaga a injustiça deste acúmulo e o preço da exploração que cobram pelo que possuem.
O distanciamento de Deus nos expõe ao risco de enxergar nestas cisternas uma água viva que não está lá, mas também nos expõe ao risco de acreditar que o acúmulo reterá esta água viva, ou pior, acreditar que este acúmulo é a própria água viva (e a maioria destes grandes exploradores talvez acredite nisto mesmo).
Não é só por isto, mas é também por isto que Deus nos chama de volta a ele: para não perdermos a vida buscando a morte disfarçada de água viva nas cisternas dos exploradores, deixando assim de beber desta água diretamente da única fonte dela que é Deus.

Festa de Maria Madalena

Maria Madalena não ficou esperando sentada para ver no que ia dar a morte de Cristo: no dia seguinte estava lá no túmulo, vigiando contra toda esperança.
Nem tudo é digno de ser vigiado, e nem tudo aquilo digno de ser vigiado é da conta de um ou outro em particular. Mas Maria Madalena foi, como uma sentinela, vigiar o que o Senhor vigiava, e por isto sua vigília não foi em vão.
Fazer as coisas como se Deus não fizesse nada é inútil, e entre isto e deixar de fazer as coisas esperando que Deus o faça, está Maria Madalena, vigiando junto com o Senhor. Nem sozinha, nem sem fazer nada.
Qualquer coisa que construamos só não será vã se for feita junto com Deus.

Intocáveis

O sentimento de revolta diante disto me leva a pensar, primeiro, no caminho mais fácil: correm os salários deles, acabem com os privilégios, etc. Mas isto também não seria certo. 
Mais abaixo tem outra nota dizendo que o STF proibiu o governo de cortar salários do legislativo e do judiciário durante a pandemia, e isto sim está certo. Mas deveria valer para todos nós e não só para o legislativo e o judiciário, que – ambos – aqui e ali aprovam um benefício ou decidem a favor de um trabalhador, enquanto na maioria das outras vezes tomam decisões que prejudicam a maioria das pessoas dizendo que são em benefício delas.
A maioria de nós não é paga pelo executivo e isso deixa os dois casos diferentes, e aí é que as coisas poderiam ser um pouco mais justas. O legislativo e o judiciário não deveriam ter salários cortados nem nada disto, mas deveriam poder receber o tanto a mais que recebem na medida em que a população recebesse mais. São eles que decidem, no fim das contas, se o salário mínimo vai aumentar e quanto, se um funcionário foi demitido por justa causa ou não em casos controversos, etc., e por isto a sorte da população deveria ser também a sorte deles – mas do jeito que está somos uma casta diferente e inferior, mesmo que ninguém chame isto de casta.

Aquilo que surpreenderá a todos pelo fato de poder ter estado oculto quando terá sido o óbvio*

Os mandamentos de Deus parecem difíceis, e pelo visto são mesmo – mas não são difíceis demais.
Eles são palavras ao nosso alcance, em nossas bocas e em nossos corações. Aqui já descobrimos que não é necessário aprender latim, aramaico, grego, sânscrito para aprender estes mandamentos. Se são palavras que já estão em nossas bocas, elas não estão ocultas em textos místicos mais ou menos secretos escritos em uma língua antiga, nem correm o risco de terem se perdido em traduções mal-feitas. 
Que palavras podem ser estas que estão em nossas bocas? Amor, justiça, verdade, bem, liberdade. Tudo isto está nestes mandamentos. E em nossas bocas.
Mas também estão em nossos corações. O que nos falta não é encontrar as palavras (Deus já nos deu), mas sim encontrá-las em nossos corações, porque já estão lá.
Estão em um lugar reservado em nossos corações com os sentidos que Deus quer dar a elas, que não é necessariamente o sentido que nós damos. O que nós procuramos nas análises linguísticas somente encontraremos em Deus – em Deus habitando nossos corações.
Por isto o amor, a verdade, a justiça, a liberdade, etc., parecem às vezes apenas palavras: retiramos elas de algum lugar secreto dos nossos corações e depositamos nelas os sentidos que bem entendemos e depois não entendemos porque elas não “funcionam” e parecem vazias. Parecem vazias porque resta nelas apenas o sentido de Deus, que só pode ser encontrado junto dele, neste lugar secreto habitado por Deus em nossos corações.
Depois de reveladas aos nossos corações, talvez possamos descobrir que eram muito difíceis por causa dos empecilhos que colocamos, e assim reveladas, talvez nem difíceis sejam.
*Citação truncada da última estrofe da letra de Um Índio.

Oração e poesia

Quando eu era poeta, a poesia brotava incessantemente dentro de mim. Ela esbarrava na falta de talento dos meus poemas, é verdade, mas era ela que mantinha eles, mesmo que fragilmente, de pé.
A fonte não secou, mas não sobrou muito mais poesia para brotar. Ela é um recurso valioso só que não renovável, e o que  pinga de poesia hoje em mim levaria um ano para encher uma xícara, ou dez para um poema.

Este sintoma em si é menos dramático do que os dramas passados (mais ou menos resolvidos) para os quais ele aponta – dos quais o maior é estes dramas beirarem o patético.

Depois que o pior passou tudo piorou mais um pouco, mas se tornou suportável (ou menos insuportável) pela oração. Bem, na verdade não se tornou nem mais suportável nem menos insuportável, mas a oração criou condições de para que fosse possível continuar, mesmo insuportavelmente.

Isto desde que eu retomei a oração da Liturgia das Horas, que a princípio não me interessou tanto como oração mas como poesia, e afinal ela não é menos poética por ser antes disto uma oração.

Quando a Samaritana questiona como Cristo vai lhe dar a água viva prometida nos versículos anteriores sem um balde para tirá-la do poço, ele explica que a água que ele vai dar se tornará uma fonte que jorra para a vida eterna – ou seja: quem beber dela terá dentro de si a fonte de água.

Eu encontrei esta relação entre a oração e a passagem da Samaritana no Catecismo (2560-2561) e enquanto eu lia ficou difícil, a princípio, saber se o texto falava sobre oração ou poesia. E aí eu percebi que, rezando, esta água viva que Cristo nos prometeu também é poesia – pena que não vem com talento junto.

Gente insuportável

A humanidade, em termos gerais, é insuportável.

Nós fazemos guerras, destruímos o planeta fazendo de conta que não, excluímos uns aos outros e ainda damos desculpas sexistas, racistas, homofóbicas, religiosas, e se elas não bastarem, o problema é a pobreza.
Além destes males coletivos, as pessoas entre si às vezes não se suportam.
Isto tudo sem contar que muitos de nós não suportam nem a si mesmos.
De tão insuportáveis que somos, nem Deus aguentou e já condenou a humanidade por vezes sem conta.
Mas Deus é Deus, afinal de contas, e não é insuportável como nós. É dele a palavra final sobre a humanidade, e mesmo depois de condenada, ele reconciliou-se com ela por Cristo.
Se até Deus reconciliou-se conosco, ele que não tem a menor necessidade disto, nós também podemos nos reconciliar conosco e entre nós – mas isto só é possível com Cristo. Claro, também é necessário boa vontade, paciência, estas coisas todas que se lê na Bíblia. Mas muito mais do que tudo, Cristo.

A força de Deus

São Paulo não está sugerindo que permaneçamos na fraqueza, mas sim que nossa força seja a de Cristo. Enquanto nossas próprias forças prevalecem não percebemos o quanto elas são insuficientes – e às vezes até o percebemos, mas ainda assim insistimos nelas.
Mas é em nossas fraquezas que damos a oportunidade para que Cristo nos mostre a sua força, que não é como imaginamos, mas como Deus ama.

Códigos religiosos

A frase é uma citação da oração sugeria após a reflexão do Evangelho de hoje (Mt 12,1-8), que fala sobre as críticas dos fariseus aos discípulos que colhiam espigas em um sábado, dia de repouso obrigatório pelas leis vigentes, para comer (tanto o texto do Evangelho quanto a reflexão do padre  Luiz Miguel Duarte estão aqui).

E se fala sobre as leis religiosas, também serve para as leis civis. Mas são assuntos que eu não domino – as leis civis e as religiosas. Mas fico pensando nas “leis” que uma pessoa impõe a outra, quando informa que é pecado ir na missa do sábado à tarde quando tem o domingo livre, chegar atrasado ou sair antes do fim da missa, comer antes da missa, usar saia por causa da modéstia, etc.

Nada disso está errado, apesar de tudo. Se a missa começa em tal hora não tem porque chegar quase na hora do “Graças a Deus”, a modéstia é uma virtude santa e por aí vai. Mas os experts em doutrina (e devem ser mesmo, pelo menos os que leio pela internet) respondem mecanicamente, citam título, capítulo e parágrafo exatos, dizem o que pode e o que não pode e quem perguntou que se vire!

Não tem problema – pelo contrário, é ótimo – que tenha gente disposta a compartilhar o seu conhecimento de pormenores que a maioria das pessoas não sabe com pessoas que tem a disposição de saber. Mas falta um cuidado, há uma negligência imensa destes respondedores em ir além tanto da pergunta quanto da resposta.

Sem duvidar da boa vontade de quem fica respondendo estas perguntas, responder o que está escrito é uma coisa que até um robô poderia fazer, e até com mais precisão – mas o robô não vai salvar a alma que não tem por instruir tão bem os fiéis em dúvida, a mesma ausência de alma que têm os “sim”, “não”, “pode” e “não pode” dos respondedores da internet.

Seria melhor pedir o endereço da pessoa e mandar uma cópia do catecismo, ou – melhor ainda – perguntar àquela pessoa quais são as condições dela dentro das quais ela quer fazer ou deixar de fazer isto ou aquilo. Às vezes pode ser só preguiça ou desorganização mesmo, mas quem sabe em que condições vive quem está procurando se informar? Quem poderia saber não se interessa a não ser em responder, quando poderia encontrar alguém com quem compartilhar (nem que seja o pouco que é possível pela internet) um pouco da vida.

As leis eclesiásticas não são um código mais ou menos aleatório de regras e proibições como um jogo de xadrez (ia escrever “jogo de futebol”, mas xadrez fica melhor porque também tem bispos); são, como na citação do padre, balizas que devem servir à vida, mas lançadas assim, como respostas de uma faq, servem ao que quer que seja mas não à vida com Deus, que é ao que deveriam servir quando foram escritas.