Oração e poesia

Quando eu era poeta, a poesia brotava incessantemente dentro de mim. Ela esbarrava na falta de talento dos meus poemas, é verdade, mas era ela que mantinha eles, mesmo que fragilmente, de pé.
A fonte não secou, mas não sobrou muito mais poesia para brotar. Ela é um recurso valioso só que não renovável, e o que  pinga de poesia hoje em mim levaria um ano para encher uma xícara, ou dez para um poema.

Este sintoma em si é menos dramático do que os dramas passados (mais ou menos resolvidos) para os quais ele aponta – dos quais o maior é estes dramas beirarem o patético.

Depois que o pior passou tudo piorou mais um pouco, mas se tornou suportável (ou menos insuportável) pela oração. Bem, na verdade não se tornou nem mais suportável nem menos insuportável, mas a oração criou condições de para que fosse possível continuar, mesmo insuportavelmente.

Isto desde que eu retomei a oração da Liturgia das Horas, que a princípio não me interessou tanto como oração mas como poesia, e afinal ela não é menos poética por ser antes disto uma oração.

Quando a Samaritana questiona como Cristo vai lhe dar a água viva prometida nos versículos anteriores sem um balde para tirá-la do poço, ele explica que a água que ele vai dar se tornará uma fonte que jorra para a vida eterna – ou seja: quem beber dela terá dentro de si a fonte de água.

Eu encontrei esta relação entre a oração e a passagem da Samaritana no Catecismo (2560-2561) e enquanto eu lia ficou difícil, a princípio, saber se o texto falava sobre oração ou poesia. E aí eu percebi que, rezando, esta água viva que Cristo nos prometeu também é poesia – pena que não vem com talento junto.