Todo o texto do Evangelho de hoje, Mc 1,29-39, gira em torno do que é público, comunitário, coletivo: a sogra de Pedro passa a servi-los depois de ser curada, a cidade inteira se ajuntou na porta da casa de Pedro, e depois de rezar, Cristo foi a outras aldeias na redondeza para proclamar o Evangelho por lá também.
A única cena que destoa de tudo isto é a oração de Jesus, solitária (quando ainda estava bem escuro e num lugar deserto), antes da hora de acordar, como se fosse uma culminância de todo o trabalho do dia anterior e também a abertura dos trabalhos do dia.
Em uma outra passagem, que eu não vou ir pesquisar agora qual é, Jesus deixa clara a importância da oração coletiva (“quando dois ou mais se reunirem no meu nome…” etc.), e a Bíblia como um todo, também. Mas aparentemente isto serve como manifestação pública da fé e para fazer pedidos – o que talvez demonstre o quanto é mais importante pedirmos coletivamente, mais do que individualmente.
Mas agora Jesus vai rezar sozinho, e se a oração coletiva é necessária, a oração individual é indispensável. É urgente, por exemplo, que venham logo as condições sanitárias para podermos nos reunir em oração, seja em missas (e em cultos, etc.), procissões, reuniões informais de oração e por aí vai, mas o cuidado para com a vida é uma prioridade anterior em uma situação temporária (apesar de ser longa, muito longa) como é a situação nesta pandemia.
Porém, não há pandemia que impeça a oração individual, e ela pressupõe, antes dos pedidos para que Deus resolva os nossos problemas individuais, a reinserção da coletividade neste ato solitário. Pelo menos é a oração que se deduz desta passagem do Evangelho de hoje. Toda ela é perpassada pela multidão: uma multidão que vai até Jesus antes dele ir rezar no deserto, e outra multidão que vai ser procurada depois dele ir rezar no deserto.
Logo depois de ser curada a sogra de Pedro vai servir os outros, que por sua vez, vão servir a mais outros (dá para supor que uma aglomeração na frente da porta de alguém, cheia de gente aguardando “atendimento”, fragilizada inclusive por doenças, tenha dado bastante trabalho para os auxiliares de Jesus organizarem a bagunça), e toda a logística de ir às aldeias vizinhas ainda mais.
A oração de Jesus, solitária em um deserto, se dá no meio disto. Ele não disse “pára tudo!!” no meio do fervo, mas foi rezar, entre uma rodada e outra de trabalho, pelo trabalho em prol da multidão.
Parece, assim, que a oração é, antes de ser o momento de pedir por si, de interceder pelos outros, de restaurar as energias esgotadas, parece ser antes o momento de reunir, espiritualmente, a coletividade na própria individualidade, um momento de união com Deus que, justamente por causa de Deus, nos põe em união com todas as pessoas.