“Converter-se” sempre foi uma palavra que, tanto ela quanto suas variações, me causou repugnância. Sempre que a ideia de conversão aparecia, lendo um trecho da Bíblia ou ouvindo alguma freira da minha adolescência, o meu cérebro a encaminhava para o setor dos meus demônios interiores, que por sua vez a reencaminhava para o meu escritório das atitudes a serem tomadas em um relatório que oferecia duas alternativas: ou adotar, na marra e à força, ainda que voluntariamente, um conjunto de regras facilmente resumido em moralismo (embora eu não soubesse o nome na época); ou quebrar tudo (metaforicamente) e proclamar a liberdade contra tudo isso.
As minhas conversões ao longo da vida não dizem respeito somente ao cristianismo, mas também a ideias, pessoas e, em caso de paixão, às garotas por quem eu me apaixonei. Particularmente, nas vezes em que eu me apaixonei, o que era (e ainda é) uma garota, eu transformava em deusa, templo e bíblia, o que pode até parecer romântico, mas é, pelo menos eu acho, uma espécie de passivo-machismo, e toda a dor (quer fosse a da rejeição, quer a do fim do relacionamento) era a de me sentir traído pelo abandono (ou pela indiferença) de quem deveria me salvar.
Tanto as minhas conversões a ideias quanto a pessoas em geral adotavam mais ou menos este mesmo padrão, mas sem a paixão e a entrega total por que, na verdade, me apaixonar sempre implicou em tentar transferir todo o peso da responsabilidade sobre a minha vida à garota que eu amasse (e isto dependia de bem menos do que um relacionamento: a maioria nem sabe que fui apaixonado por ela); ou seja, daria para associar conversão e paixão em um diagrama de Euler, com o círculo da conversão abrigando círculos menores representando as minhas conversões a ideias e pessoas, e, ainda dentro deste círculo da conversão, um maior, o da paixão, aplicável exclusivamente às garotas por quem eu me apaixonei.
Isto, é claro, pode ser um dos motivos de uma vida amorosa em que os sucessos se parecem com uma gota d’água indistinta em um oceano de fracassos; mas também é, no que diz respeito à questão religiosa, um dos motivos das minhas idas e vindas em relação ao cristianismo: ou converter-se em detrimento da liberdade, ou libertar-se em detrimento da conversão. Esta oposição irreconciliável, que em todo caso se trata de uma idiossincrasia minha e não de um tratado teológico-romântico, veio à tona das minhas lembranças lendo este texto sobre a carta aos Gálatas no site do IHU.
No que se diz respeito a Cristo, conversão não se opõe a liberdade, nem significa converter-se ao tradicionalismo, um péssimo cacoete disfarçado de fé, nem ao catecismo. Quanto à liberdade, converter-se não implica em adotar nem aceitar este ou aquele costume; o que não significa desprezar nem o catecismo nem o Magistério da Igreja, mas sim em aprender a diferenciar entre tornar-se catecismos vivos e tornar-se evangelhos vivos (e sabemos que Cristo pregou um Evangelho e não um catecismo, pois o catecismo é justamente o suporte proposto pela Igreja para que se consiga não viver o Evangelho, mas tornar-se evangellhos vivos, mais ou menos à moda de São João Calábria).
Quanto à conversão, a única conversão que liberta é converter-se a Cristo, o resto é “começar pelo Espírito e terminar pela carne” (cf Gl 3,3), isto quando ao menos começa pelo Espírito.