“O que se comunica nos escritos bíblicos não é somente o que talvez se passou, mas a importância ou significação daquilo que se comunica”
Meio e mensagem na Bíblia
«Toda comunicação se realiza dentro de um contexto ou conjunto de condições e circunstâncias, tanto de origem pessoal como ambiental.»
A Bíblia, testemunha da vida
«são escritos nascidos da vida e para a vida. Vida em chave religiosa, mas vida vivida.»
Folheto da missa da Epifania
«A voracidade do poder dá tréguas, até suaviza seus métodos. Mas, lá na frente, o Menino não vai escapar.»
O espaço da fé no deserto
«Seria possível alargar o sentido do “deserto” e entendê-lo como sendo todos os sistemas que opõem um dique ao avanço do mal, tais como as grandes religiões e também as instituições e movimentos sociais que defendem os direitos humanos»
A Era Axial e a nossa (citação)
Em todos os tempos e em todas as tradições sempre houve gente que combateu a modernidade de sua época. Entretanto o fundamentalismo que vamos analisar é um movimento do século XX por excelência. É uma reação contra a cultura científica e secular que nasceu no Ocidente e depois se arraigou em outras partes do mundo. O Ocidente criou um tipo distinto de civilizado, totalmente inédito, que desencadeou uma reação religiosa sem precedentes. Os movimentos fundamentalistas contemporâneos têm uma relação simbiôntica com a modernidade. Podem rejeitar o racionalismo científico do Ocidente, mas não têm como fugir dele. A civilização ocidental mudou o mundo. Nada – nem a religião – serão como antes. Em todo o planeta há pessoas lutando contra essas novas condições e vendo-se obrigadas a reafirmar suas tradições religiosas, que foram concebidas para um tipo de sociedade inteiramente diverso.
No mundo antigo houve um período de transição semelhante, que se estende aproximadamente de 700 a 200 a.C. e que os historiadores chamam de Era Axial, porque foi crucial para o desenvolvimento espiritual da humanidade. Esse período resultou de uma evolução econômica – e, portanto, social e cultural – de milhares de anos que se iniciou na Suméria, onde hoje é o Iraque, e no antigo Egito. Nos quarto e terceiro milênios antes de Cristo os homens já não se limitavam a plantar o suficiente para satisfazer suas necessidades imediatas, mas produziam excedentes agrícolas que podiam comercializar e converter em ganhos extras. Assim conseguiram construir as primeiras civilizações, desenvolver as artes e organizar comunidades cada vez mais fortes: cidades, CIDADES-ESTADOS e, por fim, impérios. Na sociedade agrária o poder não se restringia ao rei ou ao sacerdote; ao menos em parte seu foco se deslocou para o mercado, fonte da riqueza de cada cultura. Começou-se a pensar que o velho paganismo, adequado aos ancestrais, já não convinha às novas circunstâncias.
Nas cidades e nos impérios da Era Axial os cidadãos adquiriam perspectivas mais amplas e horizontes mais extensos, diante dos quais os velhos cultos locais pareciam limitados e provincianos. Em vez de ver o divino incorporado em diferentes deidades, passaram cada vez mais a venerar uma única transcendência universal, fonte do sagrado. Dispondo de maior tempo livre, podiam cultivar uma vida interior mais rica; desejavam uma espiritualidade que não dependesse inteiramente de formas externas. Os mais sensíveis se afligiam com a injustiça social que parecia incrustada nessa sociedade agrária, dependente do trabalho de camponeses excluídos da alta cultura. Conseqüentemente surgiram profetas e reformadores, dizendo que a virtude da compaixão era crucial para a vida espiritual: a verdadeira devoção se revelava na capacidade de ver o sagrado cm todo individuo e na disposição para cuidar dos membros mais vulneráveis da sociedade. Assim brotaram no mundo civilizado da Era Axial as grandes religiões confessionais que continuaram guiando a humanidade: o budismo e o hinduísmo na índia; o confucionismo e o taoísmo no Extremo Oriente; o monoteísmo no Oriente Médio; o racionalismo na Europa. Apesar de suas grandes diferenças, essas religiões da Era Axial tinham muito em comum: todas partiram de velhas tradições para desenvolver a idéia de uma única transcendência universal; todas cultivavam uma espiritualidade interiorizada e enfatizavam a importância da prática da compaixão.
Hoje estamos vivendo um período de transição semelhante, como já dissemos.
Karen Armstrong. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo
Fé e política
Aparentemente, os concílios que esclareceram tantos marcos fundamentais da fé católica não foram muito diferentes de uma assembleia sindical ou partidária. Ao menos o primeiro concílio de Éfeso, que compreendeu a maternidade de Maria a Deus, foi uma disputa entre duas perspectivas que não invocavam um beneplácito divino para se sustentarem, mas sim as habilidades políticas dos seus defensores.
Enquanto Nestório conciliava a divindade e a humanidade de Cristo em uma espécie de dualidade habitando o mesmo corpo, fazendo de Maria mãe do “fator humano” da dualidade, Cirilo via em Cristo uma unidade humano-divina, fazendo de todo e qualquer aspecto de Cristo um aspecto tanto humano quanto divino, incluindo a maternidade de Maria, mãe do ser humano, e também mãe de Deus indistintamente.
É claro que tanto Nestório quanto Cirilo representavam escolas de pensamento teológico ancoradas respectivamente em Constantinopla e Alexandria, que no fim das contas eram as verdadeiras protagonistas do enfrentamento. Enquanto hoje em dia há cristãos que se opõem a “sociologizar” a religião, tornando-a praticamente intangível em uma redoma de isenção (e neste ponto dão as mãos aos que querem eliminar quaisquer sinais de presença religiosa na esfera civil), a maternidade divina de Maria foi reconhecida em meio a um processo teológico-político, sujeito ao envio de delegações simbólicas, recuos estratégicos e artimanhas políticas (incluindo a manobra de Cirilo para abrir o concílio antes da chegada dos partidários antioquenos de Nestório, o que levou alguns bispos a participarem sob protesto, por condenarem a manobra).
O caos em que estas decisões foram tomadas pode até dar margem para que se diga que foram meras decisões humanas que nada tinham dos desígnios de Deus, mas seria uma postura semelhante a quem renega o mesmo caos, acrescido de crueldade, que mancha de sangue várias páginas do Antigo Testamento: assim como a crueldade sanguinária humana não impediu Deus de agir em meio ao banho de sangue em certas passagens do AT, não seria a malandragem política que o impediria (não que Deus endossasse a crueldade, isto está muito claro no NT, mas só Deus sabe o que ele pensa das ardilosas manobras políticas). Quero dizer que, se nem mesmo a inexistência prévia da criação não impediu que Deus criasse o que não existia, como é que o caos humano, sanguinário ou não, poderia amarrar as mãos de Deus a ponto de impedi-lo de agir? Acredito que não é por apreciar a ordem que Deus vá se negar a agir no meio da bagunça: se não fosse assim, teria criado robôs e não seres humanos confusos e caóticos.
Fé e política são suficientemente independentes entre si para não determinarem uma à outra, mas nenhuma das duas dá conta de lidar com as questões humanas isentando-se, seja a fé da política, seja a política da fé, ou qualquer uma delas das outras áreas humanas, como a ciência, a arte, etc. A Idade Média conseguiu funcionar muito bem enquanto a fé e a política mantiveram a independência e a complementariedade, e só acabou quando elas começaram a medir forças uma com a outra.
Esta dissociação serve apenas para aprofundar a exploração sobre nós, pois enquanto levamos a fé e a política a agirem como o poeta municipal e o poeta estadual, debatendo qual é capaz de bater o poeta federal, “o poeta federal tira ouro do nariz“.
Feliz 2022
Que o ano seja novo, de fato: iluminemos de justiça, solidariedade e teimosa esperança, cada ato. (Dom Helder Câmara)
Alemanha desativa mais três usinas nucleares
“Globalmente, cerca de 440 reatores nucleares ainda estão em operação, fornecendo cerca de 10% da energia mundial.”
Gente sensível ponto com
No meu mundo ideal a sensibilidade seria um habilidade reconhecida muito mais do que uma simples característica pessoal, e tão celebrado quanto a inteligência, o conhecimento ou o raciocínio (talvez houvesse até um Nobel da sensibilidade). Mas no mundo em que vivemos, a sensibilidade não apenas pode ser, como quase sempre é tratada como uma fraqueza, Não só por uma questão de perspectiva por ser vista como tal.
Insensíveis (não confundir com “fortes”, apesar de eles acharem que isso é ser forte) podem desprezar a sensibilidade por ser uma fraqueza, o que é muito ruim, mas não é pior do que os que exploram a sensibilidade alheia, porque apesar de mais cedo ou mais tarde ferirem a sensibilidade explorada, não a desprezam: afinal, se não houvessem pessoas sensíveis, quem eles explorariam? Pode ser que julguem a sensibilidade uma coisa desprezível, como os insensíveis, mas precisam dela, pelo menos nos outros.
Serpentes
Por isto convém nunca deixar de lado a desconfiança de muitos elogios à sensibilidade, que afinal de contas não é um animalzinho de estimação para ser alimentada com elogios como se fossem a sua ração. Esta desconfiança é um modo de proteger a sensibilidade, especialmente para sua própria preservação. O que é pior é que às vezes se perde a sensibilidade justamente por causa do processo de protegê-la – quer dizer, no fim das contas tornar-se insensível não serve para protegê-la, o que não impede de este ser um recurso largamente utilizado.
Cristo enviou seus discípulos como ovelhas em meio a lobos orientando-os a serem astutos como as serpentes e sensíveis como as pombas por isto. Apesar de serem orientações práticas para a evangelização (e de que naquele tempo as pombas tivessem um pouco mais de dignidade que as atuais, que precisaram se tornar “ratos com asas” para sobreviver em meio ao lixo humano), acrescentar astúcia à sensibilidade serve também como uma orientação extra-religiosa.
Se bem que até esta orientação pode descambar em uma maldade: tanto o golpista precisa combinar astúcia e sensibilidade (estou tomando o do velho golpe do bilhete premiado como modelo de golpista), quanto o religioso que envereda pelos caminhos de usar sua condição religiosa para se satisfazer nos outros (seja sexual ou financeiramente).
Licença poética
Além da percepção de fraqueza, a sensibilidade pode se confundir com uma fonte de dor da qual é melhor se desvencilhar, ou à qual é melhor sucumbir qual um martírio heroico idealista, que pode até apresentar alguma beleza se for possível recortá-la da dor que a causou. Em qualquer caso, já passamos há muito do tempo em que honra e martírio se identificam um com outro. Até nos tempos dos primeiros cristãos o que os mártires faziam de bom era não ceder: a morte deles foi uma imposição alheia injustificável como sempre é a morte de qualquer pessoa (e a maioria das imposições também, mas este é outro assunto).
Como de uma forma ou de outra a sensibilidade acaba se tornando uma cruz, Cristo acaba entrando no assunto por motivos religiosos desta vez, já que há três parágrafos atrás tinha entrado só pela boa ideia. Neste caso, é sobre como tornar possível carregar a cruz da sensibilidade sem morrer por causa dela, afinal Cristo disse “toma a tua cruz e segue-me”, mas não “toma a tua cruz e morra pregado nela”, pois a parte de Deus foi transformar a morte indesejada em causa de salvação, enquanto os que mataram Cristo queriam apenas que ele morresse, já que não podiam calá-lo.
A ideia de que a cruz significa necessariamente uma morte é bem disseminada, mas não é o significado que eu quero dar a ela neste texto – não é porque talvez signfique isto que não possa significar também outra coisa. Eu estou pensando em Mt 11,30 (“o meu jugo é suave e meu peso é leve”): logo mais adiante (12,14-15) Jesus fica sabendo que os fariseus discutiram meios de o matar e sa dali, o que eu espero que sirva de argumento para dizer que nada que leve à morte é bom, a não ser como uma licença literária.
Cristo e Hermione Granger
Quem sou eu para dizer que só em Cristo é que é possível manter a sensibilidade sem matar ou morrer no processo? Talvez hajam outras alternativas, mas eu preciso levar em conta o seguinte:
1) se eu não posso afirmar categoricamente que só Cristo funciona para isto, por outro lado posso ao menos afirmar que funciona (talvez não tanto pela experiência bem-sucedida, mas mais pela fé), apesar de cogitar haverem outras possibilidades;
2) se for viável manter a sensibilidade nestes termos por outros caminhos que não sejam os de Cristo, aí há uma situação parecida com a da Hermione Granger quando estava explicando para o sr. Lovegood que não dá para testar pedra por pedra do mundo para poder dizer que não existe uma Pedra da Ressurreição (o que no livro deu num empate, já que a pedra existia, mas não era exatamente da ressurreição), mas em relação à possibilidade de manter a sensibilidade por outros caminhos que não sejam os de Cristo, eu não tenho porque testar outras possibilidades quando já tenho uma que funciona (e se tivesse um porquê, também não teria tempo e nem disposição para me tornar uma espécie de pesquisador das alternativas a Cristo).
O canivete suíço do cristianismo
Aepsar de o cristianismo poder servir como uma ferramenta de exploração e opressão, a sua finalidade original é o oposto: cooperação e libertação. Ainda que isto esteja aquém do melhor que o cristianismo pode oferecer, que é a salvação de Cristo, na verdade quem salva é Cristo e não o cristianismo que, como sabemos, é uma espécie de canivete suíço que pode servir tanto a um projeto hediondo de poder (como o bolsonarista, por exemplo) e outras vilezas mais ou menos afins, quanto pode servir para fomentar a luta por justiça e liberdade das pessoas – e também da sensibilidade, sem a qual até mesmo os enviados de Cristo seriam apenas serpentes, assim como também a justiça e a liberdade.
Enfim, incluir Cristo no páreo da auto-preservação da sensibilidade é uma medida que funciona para esta auto-preservação, mas excluí-lo a deixa exposta a se tornar ou refém da própria couraça que precisa criar para se proteger, ou uma insustentável leveza que ameaça constantemente partir ao meio quem se aventura a carregá-la.
Cristofacismo como discurso de proteção aos fundamentalismos
“Quando qualquer grupo religioso, inclusive cristão, desclassifica, ironiza, diminui, formas diversas de fé e busca impor uma única forma religiosa, como verdadeira, o direito humano de crer e de não crer está sendo violado.”
Antropologia semita
«O ser humano é corpo; não “tem” um corpo. Por isso, Jesus disse “tomai e comei meu corpo”»
Francisco denuncia a los nuevos Herodes que desgarran la inocencia de los niños
“la Navidad, mal que nos pese, viene acompañada también del llanto”
Como nossa busca por padrões pode explicar crenças e teorias da conspiração
“A tendência de ver conexões significativas entre coisas completamente desconectadas é o que psicólogos chamam de apofenia.”