Jó 9,8-10

 

A natureza dispensa apresentações no que diz respeito à sua encantadora beleza exuberante que, ainda por cima, é acompanhada de todos os outros benefícios que nos dá além desta beleza. Quem crê em Deus vê em toda esta beleza e neste socorro que a natureza nos proporciona a manifestação de Deus, o que certamente dá um sentido renovado à natureza, à beleza e ao socorro que ela nos presta.

Ocasionalmente o crente procura utilizar-se disto, a beleza da natureza, como um argumento em prol da existência de Deus, especialmente quando tenta convencer algum cético. E pode até ser que aqui e ali ele funcione. No livro Cérebro e Crença o autor, um cético, aliás, narra o testemunho de um cientista, outrora também um cético, que foi forçado a aceitar a existência de Deus diante da visão maravilhosa de uma cachoeira congelada.

Mas, no geral, o crente não percebe que esta associação entre a gloriosa beleza divina e sua manifestação na natureza quase sempre só funciona porque, a princípio, ele já acreditava em Deus e, se esta beleza reforça a sua fé, não foi o que o levou a ela.

A beleza da natureza é só um dos aspectos magníficos dela, e todos eles remetem a Deus justamente para quem crê nele: a proteção, a beleza, o socorro, a força e o poder que chegam até nós pela natureza são reflexos da proteção, da beleza, etc., de Deus, e quem crê nele deveria observá-la mais em prol da própria fé do que em prol da conversão alheia.

Há uma prece, rezada pela Igreja a cada quatro domingos pela manhã, que pede a Deus “mostrai-nos vossa bondade, refletida em todas as criaturas, para contemplarmos em todas elas a vossa  glória.” Esta prece resume o olhar cristão sobre a natureza, cuja própria glória é reflexo da glória de Deus, e se não é só isto que nos coloca sob o dever de protegê-la, é a partir disto que se coloca este dever.

Mas a prece se estende a todas as criaturas, o que inclui os seres humanos, seja por também serem parte da natureza (ainda que alguns a destruam), seja por também serem, afinal, criaturas de Deus.

Como nós também somos reflexos desta glória de Deus, o amor-próprio fundamentado nela fica mais bem assentado do que fundamentado em qualquer outra coisa. Você não é reflexo da glória de Deus pelo que faz, e sim pelo que Deus fez (ou seja, você), mas também pode fazer-se reflexo desta glória de Deus em si, e é nisto que consiste o sentido de reencontrar-se.

Além disto, assim como você, o outro, independente de crença ou de qualquer outra condição, também é reflexo desta glória de Deus, e é nisto que consiste amar o próximo – inclusive aos inimigos, e Cristo deixou isto bem claro porque o infeliz o desgraçado o inimigo também é uma criatura de Deus e, pelo menos por isto, digno de ser amado.

Se dependemos da proximidade com Cristo para podermos amar – seja a si, seja aos outros, ver em todos o reflexo da glória de Deus (mesmo em quem tenta escondê-la o quanto for possível) assegura ao olhar que inclua também a dignidade alheia, pois às vezes o que é feito em nome de amar o próximo é justamente o contrário. Todo o amor e o respeito que se tem para com Deus leva, necessariamente, ao amor e ao respeito para com o outro, e se não for assim, a própria religiosidade se transforma em uma obra de ficção de péssima qualidade.

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