Convertei-vos

O Porta dos Fundos tem um vídeo chamado Jerusalém Alerta* que, parodiando o sensacionalismo de programas como o Cidade Alerta, “denuncia” aos cidadãos o surgimento do cristianismo. O apresentador contrapõe os novos costumes que a nova religião representa aos costumes tradicionais da sociedade de então, como o monoteísmo diante do tradicional politeísmo, a pouco hollywoodiana concepção de Cristo (se fosse Zeus tinha engravidado Maria até na coxa, quisesse ela ou não) e por aí vai.

No evangelho de hoje o apresentador poderia encontrar outro sinal de que a nova religião, o cristianismo, não era boa coisa: o ponto de partida da pregação do evangelho que Cristo fez começou a partir da prisão de João Batista.

O evangelho não começou a ser pregado porque Cristo viu os céus se abrirem em sua glória ou porque ele viu a beleza de Deus no sorriso de uma criança, nem motivado por uma visão do inferno repleta de efeitos especiais, mas porque um profeta foi preso.

A Boa Notícia começou a ser divulgada depois de uma má notícia.

É claro que Deus não é uma espécie de urubu que fica esperando as desgraças para fazer alguma coisa (como se Cristo ficasse marcando os dias em um calendário entitulado “João já foi preso?” para começar a pregação), mas de fato Cristo não ficou esperando manifestações transcendentais para agir, e sim o fez depois de algo tão terreno, e também infeliz, como uma prisão injusta.

Apesar de todos os milagres, tanto ao longo dos quatro evangelhos quanto ao longo da história da Igreja, o cristianismo acontece, mesmo, no feijão-com-arroz dos tempos comuns (e tantas vezes difíceis) em que vivemos (se bem que o preço do feijão e do arroz já não permitem mais associá-los ao cotidiano das coisas simples e comuns; enquanto Cristo multiplica os pães e os peixes, o “governo cristão” multiplica os preços dos alimentos).

As manifestações religiosas cheias de pompa e circunstância são indispensáveis e necessárias (tipo as missas solenes com o evangelho incensado), mas isto só tem sentido a partir daquilo que se vive no dia a dia: o evangelho vivido dentro dos ônibus lotados, do trabalho explorado, dos malabarismos para suprir as necessidades com um salário que não paga nem a metade, e da luta para que todos possamos desfrutar de condições melhores que as que nos oferecem – como sistemas de transporte público mais dignos (ao invés de condições facilitadas para comprar carros), condições dignas de trabalho (ao invés de precarizações que nos transformem em “empreendedores”), salários justos, etc.

Cristo não começou a pregar o evangelho a partir da ocorrência de uma prisão injusta porque dependia de um evento funesto para arregaçar as mangas, mas sim porque o evangelho é libertação. Esta libertação, que deve ser primeiramente espiritual em cada indivíduo, leva necessariamente e dentro dos termos evangélicos à libertação mais terrena das condições opressivas às quais somos submetidos diariamente, como um sinal.

A pregação de Cristo não libertou João Batista da prisão, o que demonstra que não é o resultado que é o objetivo (como se Deus fosse um gerente cobrando uma melhora nos gráficos), e sim a luta, que deve ser a manifestação concreta da libertação da pregação do evangelho que Cristo faz, todos os dias, aos nossos corações.

*Na verdade nome do vídeo é “Zeus Castiga”.