Cansaço

Escrever sem ter vontade. Quem quer?
Na verdade se trata de escrever sem ter assunto. Melhor: ter vontade de escrever, ter o que escrever – mas o cansaço é forte.
De novo, a força. No caso, agora, forças externas. O cansaço não é falta de força, mas sim uma força que impede outras forças. Não que estar cansado seja ago horrível. Uma pessoa tem um limite. Mas o cansaço não é não-ser.
Somente é preocupante o cansaço quando ele é a força dominante, predominante. O cansaço avisa: “olha, é hora de dar uma pausa, relaxar o corpitcho, distrair-se um pouco, dormir mais cedo e acordar mais tarde.”
Quem assistiu Blossom, um seriado sobre uma menina filha de um músico e irmã de um viciado e de um idiota, conheceu o Joey, o irmão idiota. Era um personagem engraçado, ao estilo Magda – outro seriado, desta vez brasileiro, chamado Sai de Baixo, mas mais recente – se você não conheceu, basta pensar que todas as piadas de loira poderiam ser protagonizadas por ele (isso não é o mesmo que ter visto e rido do Joey na TV, mas serve para sentir o teor da coisa). Joey, como todo idiota de TV, possuía clarões de lucidez, sem perder a graça. Uma de suas pérolas de sabedoria consistia em um sistema para esvaziar a mente, quando estaba com a cabeça cheia: basta a pessoa deixar a cabeça pender para o lado, deixar o queixo cair naturalmente (quer dizer, não escancará-la nem mantê-la fechada, apenas relaxar o maxilar), e mirar o infinito. Não é necessário deitar, sentar-se, concentrar-se, meditar, preparar-se ou entrar em contato com o que quer que seja. Basta fazer.
É isso que, às vezes, é necessário: ficar em stand by, deixar ligado somente o necessário para a sobrevivência. Muitas outras coisas são também necessárias, mas elas não vem ao caso aqui.
Mas quando o cansaço domina, aí têm-se um problema. Quer dizer… Uma pessoa tem todo o direito do mundo de render-se ao cansaço, de entregar-se a ele. É como diz o poeta: “Se eu quero me matar, me mato muito bem; se eu quero me estragar, me estrago, o que é que tem?” Mas o problema que gera é que tais pessoas afetam outras, que não querem cansar-se. Mas conviver com alguém movido pelo cansaço, obriga a pessoa a lutar contra esta força em si e emanante do outro, também. Por isso, é muito melhor que essa pessoa possa espantar seu cansaço para longe de si – e, consequentemente, para longe de mim – do que eu me ver na obrigação de espantar essa pessoa para longe de mim. É verdade que nem sempre precisamos conviver com quem não queremos, mas estou pensando naquelas situações em que tão cedo não será possível distanciar-se da pessoa.
Este era o problema.
Talvez seja, mesmo, um problema social. Um cansaço disseminando-se entre as pessoas todas, tornando toda uma sociedade apática e rengue. As pessoas que surfam predominantemente nas ondas do cansaço espraiam suas águas por todo o tecido social. Imagine o perigo!
Nem sempre é o momento de vencer o cansaço. De um passo pra frente e dois para trás em outro passo pra frente e mais dois pra trás, olha aí o Aldo Rebelo: foi presidente do Brasil. Mas, mais do que nessa situação, o cansaço serve de aviso, de que a pessoa está precisando fazer uma pausa técnica. “Pausa” e não “Stop”, que sempre é um passo para o “Rewind” (dos idos tempos do VHS) eterno. Pausa estratégica. Pausa da respiração entre uma aspiração e uma expiração, e não pausa sem fim da respiração.
Cansei. ||