Um amigo uma vez me perguntou o que seria pior, nada de vontade ou vontade de nada? Em outras palavras, é pior estar sem vontade, ou ter vontade de não ter vontade?
Isso tinha a ver com dois filósofos que ele estuda, e que faz muito bem, por sinal.
Mas eu não sei.
Estar sem vontade é algo comum, com preguiça não estar afim. Não significa que acabou a vontade, é mais uma pausa técnica.
Vontade de nada é é querer nada. É desejar o nada, desejar não querer. É quando ter vontade ter desejo, torna-se um empecilho, um incômodo.
Hoje, pela primeira vez em meses, acordei sem dor de cabeça. Sou uma pessoa somática: se me incomodo, me estresso, essas coisas, isso acaba me dando dor de cabeça (dor de barriga, insônia também, mas dor de cabeça é o top 10). E fico com dor de cabeça por preocupação, porque ontem foi um dia ruim, porque hoje tenho ansiedade.
Mas hoje a ansiedade parece ter ido embora (provavelmente com a chuva). Nada de ansiedade. X não apareceu, espero que apareça, mas não vou procurar. Não para evitar a dor de cabeça. Mas porque não tenho vontade. Não é que tenha perdido a graça, ou eu tenha desistido. Mas pareço ter ficado indiferente. Não a X, mas a não estar com X. Dificilmente X virá aqui em um sábado. Já veio várias vezes, mas X tem mais gente com quem conviver, com quem aproveitar seu sábado, eu imagino.
É como se, de repente, eu retomasse o controle da situação. Desapareceu a necessidade. Acho que é isso. Não indiferença, ou retomada de controle. Desapareceu a necessidade. Tudo está calmo. Os sons todos estão baixos, ou, pelo menos, o barulho do rádio e da TV não incomodam mais tanto. A luz do sol não está muito forte, e quando as nuvens destapam o sol, ele brilha de maneira menos violenta. Não que X tenha se tornado desnecessária. Mas não tem mais pressão, eu não tenho mais pressão (nada a ver com a pressão do sangue eu espero).
As pessoas falam em equilíbrio. Deve ser isso. Meu coração vai sorrir se X aparecer. E se não aparecer, vou dormir. Acordar. Depois eu vejo o que faço: tirar um filme, ler um livro, caminhar um pouco. Parece fim de filme, daqueles filmes com muitas explosões, tiros, helicópteros barulhantos, correria, pulos, aí corta para uma loira alta de maiô, uma camisa masculina aberta por cima, e um chapéu, caminhando sem pressa na praia, sem preocupação, é manhça bem cedo e não tem mais ninguém por ali. Calma. Sem dor de cabeça. Será que alcancei a maturidade? Que coisa idiota de se pensar.
Agora, estou sem vontade, ou com vontade de nada? Vontade de nada é querer o nada, deixar de querer. Sempre ouvi que o problema todo da vida é desejar. Mas desejar sempre foi, para mim, o mais divertido. Estar correndo atrás de algo, sempre alerta, os ouvidos em alerta, em pé. Querer. Andar longas distâncias a pé, passar muito tempo dentro de ônibus, ir adiante e não se deter porque é longe, difícil ou improvável. Sempre desejando. Sempre muito emocionante, mesmo que não desse para notar.
Não sei, mas parece que isso é bom, logo eu que sempre tive medo de não querer mais nada. De me acomodar. “Desdesejo” eu nunca tinha conhecido. É diferente, acho que eu já disse, de desistir. Não se trata de ter desistido, se trata de isso não ser mais um incômodo. “Incômodo” não. Se trata de não ter mais pólvora para me tirar do lugar, para não me deixar dormir, para estar sempre por conseguir algo, por ir em algum lugar, para voltar depois, ou voltar mas querer sair logo, para me movimentar. Agora, essa calma sem vontade. Sem o temor de estar perdendo algo.
Posso estar me precipitando, e acordar a mesma pessoa de sempre, novamente.
Mas estar assim, flutuando em nada, é realmente estranho.