A riqueza do vocabulário hebraico ao trazer à luz as múltiplas possibilidades de vítimas e as ações violentas que recaíam sobre elas impressiona. São pessoas e/ou grupos de pessoas destinados à periferia da vida. A existências deles é eclipsada por aqueles que possuindo poder, criam periferias e, para lá, exilam todas as vítimas. Vítimas da violência que se apresentam como seres “sobrantes” e que não possuem mais lugar na sociedade. Na periferia, tomados pela dor da violência imposta, elas clamam.
Por isso a literatura bíblica não pode ser reduzida à violência. Na literatura profética, por exemplo, encontramos visões da sociedade sem as marcas da injustiça. Pois não haverá mais tirano, e aquele que zombava de todos desaparecerá. E todos os que tramam o mal serão eliminados: os que acusam alguém no processo, os que no tribunal fazem armadilha para o juiz e, por um nada, reprimem o justo (Is 29.20-21). Jeremias elogia o rei Josias porque ele fezjustiça e direito e julgou a causa dos pobres e necessitados (Jr 22.15-16). Em vez de explorar o pobre, Josias usou seu poder para protegê-los de serem explorados por outras pessoas poderosas. A noção do rei justo se torna uma visão do futuro em Is 11.1-9: com justiça ele julgará os pobres – significando que ele lhes dará seus direitos quando eles apelarem a ele. Toda essa ganância implacável terá um fim: porque a terra estará cheia do conhecimento do Senhor. Pois conhecer a Deus é fazer justiça e dar aos pobres seus direitos (Jr 22.16).
E, mais tarde, encontraremos Jesus frequentemente criticando as injustiças perpetradas contra os pobres pela elite rica preocupada com sua própria segurança e desejo de lucro. Ele repreende aqueles que exploram os recursos das viúvas (Mc 12.38-40; Lc 3.10-14; Is 10.1-2; Zc 7.10; Ml 3.5) e condena os líderes religiosos que roubam o povo (Mc 11.15-17; cf. Jr 7.8-11). Da mesma forma, ele expressa indignação com aqueles que ignoram suas obrigações com aqueles que precisam (Mc 3.1-6; 7.9-13; Lc 11.37-42; 14.1-6; cf. Lc 16.4,19-31). Na mesma tradição dos profetas, ele critica tanto aqueles que estão ansiosos demais com suas riquezas (Mc 4.18-19; Mt 6.24,27,33) como aqueles que con fiam demais em sua segurança financeira (Lc 6.24; 12.13-21). Em uma das parábolas de Jesus, o homem rico vai para o inferno por ignorar o pobre mendigo em seu portão (Lc 16.19-31). Ele não escutou a Moisés e aos profetas (Lc 16.31). E as palavras de Tiago contra os ricos poderiam ter saído diretamente dos profetas (Tg 5.1-6).
A conclusão parece óbvia, ou seja, o Antigo Testamento – assim como o Novo Testamento – condena absolutamente a violência (cf. Sl 11.5; Is 53.9b; Pv 3.31).
Luiz Alexandre Solano Rossi. Catálogo de violência e a desumanização dos pobres do Antigo Testamento.