Verdades ditas ao mentir

Logo na primeira estrofe da Balada da Arrasada, de Ângela Ro Ro, descobrimos que a arrasada desconhecia que o destino diz verdades ao mentir. quando se ofereceu inteira e dócil ao fácil seduzir.
E acredito que o que Ângela Ro Ro revela sobre o destino, Jeremias diz do coração – este sem a voz e a poesia daquela, é claro.
O coração, segundo Jeremias (que o diz em nome de Deus), é enganador e isto é incurável. E o que engana no coração não é o que ele diz, mas sua incapacidade de distinguir realidade e ilusão, verdade e mentira, aquilo que é ele próprio e aquilo que é o outro. Por isto que ele é enganador (porque não reconhece nada além daquilo que manifesta), por isto que é incurável (porque ele não tem a obrigação de reconhecer nada além daquilo que ele manifesta) e por isto que, como o destino na letra da Balada, diz verdades ao mentir (pois o coração nunca mente, só que o seu ponto de referência pode ser uma ilusão tomada por uma realidade, ou, ainda, uma realidade tomada por uma ilusão).
Isto deixa o coração confuso: é necessário confiar nele, e desconfiar também. Aquilo que ele manifesta é real, mas a causa da manifestação pode ser e pode não ser – possivelmente até ao mesmo tempo, para o desespero de Aristóteles (sob certos aspectos, diga-se).
Não que o coração reconheça esta confusão, mas quem tem o coração é que sabe dela.
No versículo imediatamente posterior, Jeremias ainda diz que Deus esquadrinha o coração e sabe o que se passa lá. E é somente esta ação de Deus em nossos corações que nos leva, e aos nossos corações, a ser origem do bem e do amor, que nos fim das contas era o que nossos corações queriam desde o começo, inclusive o da arrasada da balada.