Uma canção desnaturada – Chico Buarque

Por que creceste, curuminha
Assim depressa, e estabanada
Saíste maquilada
Dentro do meu vestido
Se fosse permitido
Eu revertia o tempo
Pra reviver a tempo
De poder

Te ver as pernas bambas, curuminha
Batendo com a moleira
Te emporcalhando inteira
E eu te negar meu colo
Recuperar as noites, curuminha
Que atravessei em claro
Ignorar teu choro
E cuidar só de mim

Deixar-te arder em febre, curuminha
Cinquenta graus, tossir, bater o queixo
Vestir-te com desleixo
Tratar uma ama-seca
Quebrar tua boneca, curuminha
Raspar os teus cabelos
E ir te exibindo pelos
Botequins

Tornar azeite o leite
Do peito que mirraste
No chão que engatinhaste, salpicar
Mil cacos de vidro
Pelo cordão perdido
Te recolher pra sempre
À escuridão do ventre, curuminha
De onde não deverias
Nunca ter saído.

Gosto da letra desta música. Na falta de assunto, vamos comentá-la (“vamos comentá-la” é plural majestático, coisa de gente arrogante; eu devo ser arrogante, consequentemente; porque o plural majestático é coisa de gente arrogante? Eu não sei. Devo estar com sono).
A letra parece ser a de uma mãe ou pai desnaturados. Todas as maldades que eles se arrependem de não ter feito à filha. Mas parece mais um lamento, pelos rumos que a menina está tomando (essa música faz parte da Ópera do Malandro, que tem toda uma história complicada, e a Curiminha em questão – que tem um outro nome na verdade – está, pelo que entendi, afim do inimigo do pai dela). Guardadas as devidas proporções e sem entrar em questões sociais, é mais ou menos como pais de drogaditos com a vida muito complicada quando dão graças a deus que o filho morreu e dizem “pelo menos agora sei onde está”, quer dizer que acabou a preocupação. Sei lá, parece que os pais da Curuminha estão decepcionados, coisa assim.
Mas, deslocando a letra do contexto (personagens, etc), parece o lamento de muitos pais quando vêem seus filhos tomando rumos que não desejavam (não necessariamente rumos “maus”, apenas rumos diferentes daqueles que os pais esperavam que os filhos tomassem). Enfim, é o típico lamento de pais superprotetores: “Se fosse permitido/Eu revertia o tempo/Pra reviver a tempo/De poder/ … / Pelo cordão perdido/Te recolher pra sempre/À escuridão do ventre,/curuminha/De onde não deverias/Nunca ter saído.” O sonho de qualquer pessoa superprotetora.

Que comentários mais despropositados… Devo estar mesmo com MUITO sono.