São Domingos

 

 (Photo by sydney Rae on Unsplash)

A crença em uma heresia é ruim, muito ruim, pois ela distorce uma realidade cuja verdade se expressa na Igreja pela Palavra de Deus, a Tradição (que é diferente do tradicionalismo conservador atualmente em moda) e o Magistério.

Mas as heresias dariam ótimos roteiros de filmes, o que me leva a pensar que os hereges só foram hereges, afinal, porque não tinham cinema – se bem que naquele tempo teria sido possível escrever romances ao invés de heresias doutrinárias.

São Domingos surgiu como santo no combate à heresia do catarismo (que vem do grrego “katharós” e significa “puro”).

Segundo esta heresia (e é aqui que entra o roteiro, que na verdade é uma sinopse mas tudo bem porque não sou roteirista nem escritor), nós somos o resultado de um combate cósmico entre as forças do bem e do mal. 

 O deus bom, que é o do Novo Testamento, criou-nos todos anjos puros e bons, mas o deus mau engangou alguns destes anjos e aprisionou-os em corpos no maléfico mundo material criado por este deus mau.

O Antigo Testamento, um texto do deus mau, reaparece no NT (que é obra do deus bom) como João Batista, um demoníaco antagonista de Cristo, que é o protótipo da alma purificada que retorna ao mundo puro e celestial do deus bom. Há variações sobre a percepção de Cristo que, no fim, seria mau também como o deus que criou o mundo material, Elias reencarnado em João Batista e sabe-se lá quem mais. Esse Cristo mau é diferente do Cristo bom encarnado em Paulo, mas neste caso não seria um espírito decaído e posteriormente iluminado, mas sim um anjo que se deu ao trabalho de descer do paraíso para salvar-nos a nós, presos na matéria maléfica.

Mas tudo bem, porque basta pertencer ao catarismo para passar por um ritual de purificação que simboliza o desejo de reascender à pureza do mundo espiritual criado pelo deus bom. Tudo isto antagonizando a Igreja Católica que já era mal-falada muito antes de ser considerada um arcaísmo medieval. Fim. Emocionante (ou seria na pena de alguém com talento).

Este tipo de ideia, outrora combatida pela Igreja, se repete em partes, isoladamente ou recombinadas a outras ideias, mas infelizmente não em filmes ou romances e sim em visões de mundo que muitas vezes motivam as atitudes das pessoas em geral – não exclusivamente das pessoas cristãs: a dissociação da espiritualidade com o caos do dia-a-dia; a criação de grupos de pessoas autoproclamadas puras e superiores aos não-iluminados; o desprezo pelo sofrimento alheio (afinal qualquer um alheio ao grupo de iluminados é um impuro que por isto mesmo sofre); às vezes essas ideias não assumem contornos espirituais e o grupo dos puros e iluminados pode determinar-se pela riqueza, pela cor branca da pele, pela região em que nasceu, pelo emprego ou pelo grau de instrução, etc.

Por isto a importância de São Domingos (além do necessário culto aos santos no que este culto implica na presença de Deus atestada na santidade deles): enquanto Roma enviava pregadores para contraporem à heresia a doutrina correta, eles iam com a pompa principesca que, se por um lado não invalidava o que pregavam, por outro afastava a maioria das pessoas deles (pois ninguém dá muita bola para um engomadinho arrogante falando de humildade); já são Domingos decidiu adotar um estilo simples e mendicante, que deu origem à ordem dos dominicanos.