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Jesus Cristo sofreu por nós para que este sacrifício saldasse nossas dívidas e ofensas a Deus, então a partir disto, temos o nome limpo diante Dele. Também a partir disto, todo o sofrimento que vivemos é o sofrimento de Cristo, que vivido apenas em nós seria somente um sofrimento inútil e sem sentido, mas atrelado a Cristo (por ele mesmo), este sofrimento passa a ter algum sentido – qual seja, a salvação do mundo. Eu não sei se os sofrimentos de uma determinada pessoa valem pela salvação dela ou se funcionam mais ou menos como uma vaquinha em que todos contribuem com o seu sofrimento e Deus os redistribui convertidos em graças para quem precisa – ou, ainda, se são as duas coisas; no fim pode ser talvez não seja nada disto e baste saber que nossos sofrimentos estão atrelados ao de Cristo e pronto. Se existem santos que procuraram ocasiões para sofrer voluntariamente (como aqueles que pediam a Deus para serem mártires, indo pregar em locais de conflito ou simplesmente indo fazer qualquer coisa em locais onde era arriscado declarar-se cristão), esse exemplo deles, em particular, eu não sigo. Primeiro porque declarar uma covardia requer outro tipo de coragem (lições de poesia aprendidas no Poema em Linha Reta, aqui) e tomara que Deus leve em conta esta coragem em declarar a covardia; mas também eu tenho a impressão de que hoje em dia não é necessário sair correndo atrás do sofrimento, porque ele está a nossa espreita em todos os cantos. Certamente há os sofrimentos menores, quase patéticos de tão ridículos (como a chave que quebrou na fechadura, e pelo lado de fora; a mistura que roubaram da marmita na geladeira da firma; a água que faltou bem na hora do banho, e ainda por cima religaram depois que a pessoa deu um jeito e já estava saindo de casa; coisas assim sem gravidade ) que, no entanto, podem acumular-se no coração de alguém propenso a guardar nele os sofrimentos, ou até mesmo no de alguém que, sem esta propensão, está numa fase assim. E há também os maiores sofrimentos, e nem todos dão boas manchetes no noticiário. Qualquer um destes sofrimento está à espreita de qualquer um, e se é verdade que para cada um ele vai ter um peso diferente, também é verdade que no fim é inevitável passar por sofrimentos. Então, por isto, acho que não é necessário sair correndo atrás de problemas, porque eles já estão por aí nos rondando. Mas entre todos estes problemas, há aqueles causados por conta das condições sociais estabelecidas em nosso meio: o trabalho precarizado, a violência que os governantes condenam (e às vezes nem isto) ao mesmo tempo em que se omitem em coibir, a seletividade da violência que coíbem quando o fazem, a omissão quanto às mazelas na estrutura da educação e da saúde pública, aliás, a omissão do governo em geral, que agora deixou de ser vergonha mas virou um projeto político para ser implantado, em nome do combate ao comunismo e da eficiência do governo, a extorsão, legalizada ou não, dos preços e dos juros quando os preços caem, a conivência da população com tudo isto, etc. Quem padece destes sofrimentos, está sofrendo com Cristo e este é o único sentido que é possível dar a eles. Mas sofrer com Cristo não significa deixar que estas condições sociais permaneçam assim, opressoras e homicidas. Quem sofre com a precariedade está se santificando, mas quem promove esta precariedade não está santificando nem aos outros e nem a si mesmo, nem que estivesse fazendo isto na melhor das intenções de santificar os outros (mas muito raramente a perversidade de quem oprime é acidental). Se fosse assim, o príncipe dos apóstolos seria Judas e não Pedro, e os maiores santos seriam os carrascos de Cristo. Por isto que combater estas estruturas opressivas, e também se policiar para não dar-se licenças pontuais de reproduzi-las nas próprias ações cotidianas, é, como o é viver os próprios sofrimentos juntamente com Cristo, unir os próprios esforços aos de Deus para salvar e redimir a humanidade. |