Quem é o Cristo?

São João Batista, o profeta, a voz que clama do deserto, o precursor, o homem sacrificado por dizer a verdade, o batista, se define, antes de mais nada, pelo que ele não é: “eu não sou o Cristo” (Jo 1,20). Mais do que um modelo, um exemplo ou uma inspiração, esta definição primária que ele faz de si, pela negativa, é uma essência – e ela sim assume esta função de modelo, exemplo, etc.

Aqueles que seguem Cristo o representam diante dos outros, e esta representação deveria servir apenas para conduzir quem está diante do representante ao representado, ou seja, representar Cristo significa exclusivamente conduzir o outro a Cristo. Por um lado, só é possível fazer isto, conduzir a Cristo, a partir da Igreja; por outro lado, os apóstolos, os pastores, o rebanho, o fiel, não são apóstolos, pastores, fiéis, etc., da Igreja, mas de Cristo.

Se é necessário levar Cristo ao outro, e igualmente necessário fazer isto a partir da Igreja, não é a Igreja que deve ser levada ao outro. Talvez, como estratégia, funcione em alguns casos, mas esta não é a única, nem a melhor – nem deveria ser a principal, até porque o anúncio de Cristo não precisa de estratégias (embora elas sejam muito convenientes, pois mesmo com estratégias é fácil se perder nisto tudo, sem estratégias, então, fica mais fácil ainda). A questão é que a Igreja é uma necessidade indispensável que não pode ser relativizada nem muito menos posta de lado, mas – assim como São João Batista – não é o Cristo.

A Igreja sabe muito bem disto, mas cada pessoa que a integra pode facilmente se confundir. Pois, assim como São João Batista e a Igreja, aquele que representa Cristo não é o Cristo, e assim como o Batista, esta deveria ser a primeira apresentação de si.

Somos Cristo quando buscamos primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, somos Cristo quando praticamos obras de piedade, somos Cristo quando não respondemos às injustiças com outras injustiças nem com violência, somos Cristo quando não perdemos a cabeça quando a única coisa que resta é a fé… podemos ser Cristo de muitas maneiras e em muitos sentidos, mas não somos o Cristo.

Assim como é necessário sabermos que não somos o Cristo, é necessário sabermos que quem se apresenta como tal também não é (exceto, é claro, o próprio Cristo). São estes, que mesmo se declaram com muita humildade a superioridade de Deus sobre si próprios, se colocam como a melhor via de acesso a Cristo, ou como dignos de confiança irrestrita, ou então como quem deve ser obedecido em nome de Deus (pois a pessoa que pede ou exige obediência distorce profundamente o sentido de obediência que o Evangelho apresenta).

São João Batista ainda repete, até hoje, que não é o Cristo, para que nos lembremos que identificar-se com Cristo é diametralmente oposto a identificar-se, seja pelo que se fala, seja pelo que se faz, como Cristo.