Punhal de prata

Geralmente, escrevo por ter vontade, quase necessidade de escrever. Claro que a escrita possui muitas vantagens, como seu efeito terapêutico, o exercício da escrita, o exercício da articulação das idéias… Mas todas estas vantagens são secundárias comparadas à vontade que sinto de escrever. Se escrever não trouxesse vantagens, ou, mesmo, trouxesse desvantagens, eu seria uma pessoa doente, se acabando por causa da escrita, como qualquer dependente químico.

Assuntos surgem: alguns eu considero importantes, se não escrevesse sobre eles, falaria, faria música, desenharia, qualquer coisa; outros são apenas ocasiões para se escrever; e existem aqueles que não precisariam ser escritos, mas escrevo na falta de outros assuntos. Certas coisas, porém, eu não gostaria de escrever. Simplesmente porque nõ gostaria de ter acesso a essas coisas. Quer dizer, por mais inútil que seja um assunto, se eu escrevo sobre ele é porque tenho acesso a ele. Você somente escreve sobre algo que, de alguma maneira, aconteceu com você. O tipo de experiência que você teve pouco importa para a escrita. Talvez importe para a sua credibilidade, ou para a maneira como você escreva. Mas não para a escrita – se não fosse assim, não teríamos A Terra das Mulheres ou Admirável Mundo Novo.

Bom, quero apenas dizer que desta vez não sei se escrevo devido a minha necessidade de escrever, se tendo em vista os fins terapêuticos da escrita, ou se escrevo apenas porque, no momento, é o que me resta. Ainda por cima tenho que escrever sem citar nomes de pessoas ou de instituições, nem de cidades, nem de nada, porque esse blog é para ser anônimo (se bem que as pessoas envolvidas naquilo que já escrevi aqui, se lerem, dificilmente não saberão quem eu sou, mas, enfim, não sirvo muito para viver em esconderijos – se bem que este aqui está durando).

A questão é que trabalho com funcionários públicos. Ganho mal e trabalho muito, embora eu ganhe mais e trabalhe menos do que alguém que exerça a mesma função em uma empresa privada.
No funcionalismo público você encontra gente de todos os tipos: desde gente muito boa até gente muito ruim. Mas mesmo as pessoas ruins são, não sei como dizer, aproveitáveis: conheci gente desgraçada, mas de quem eu pude aprender alguma coisa. E tem as pessoas doentes. Gente invejosa.
Se uma pessoa me disser que sente inveja da Gisele Bündchen, ou do Bill Gates, por exemplo, eu acharia idiota, mas compreensível: se o seu sonho é o dinheiro do Bill Gates, ou, em caso de maior ambição, a beleze e o dinheiro como o que tem a Gisele, terá inveja. Não atenua a paspalhice d inveja, mas compreende-se. Agora, ter inveja de gente ralé como você, ter inveja de um colega que ganha praticamente o mesmo, é sinal de que você é uma pessoa muito podre e medíocre. Mais podre do que medíocre, se é que é possível. Pessoas assim são frieiras, cheiram como carne podre mas ainda viva, pois carne podre e morta, mais cedo ou mais tarde, pára de cheirar mal; se o mau cheiro vem da sujeira, basta lavar. Mas uma carne podre ainda viva, cheira mal enquanto o sangue correr por aquela podridão toda, e não há como lavar, o cheiro, a podridão é inerente àquela carne.
Uma das pessoas que trabalham comigo é assim. A outra é quase, mas sabe aquele tipo de vilão do qual você tem pena, afinal de contas? Como o cangaceiro do Auto da Compadecida: gente desgraçada por força das circunstâncias.

Mas não é dessas pessoas que quero falar. É de gente limpinha, bonita, simpática, que nunca lhe prejudicou, e o que está fazendo, você sabe que está fazendo honestamente com o coração na mão.

O que mais me incomoda são várias pessoas sorrindo para você, sendo simpáticas, amáveis, fazendo você até pensar “puxa, estou sendo agradável”.
Eu às vezes acho muito pesada a minha lucidez. Mas não a troco pela ilusão de pensar que sou agradável quando não sou. Prefiro que uma pessoa aponte o dedo para mim e diga que não gosta de mim do que… enfim.
Não gosto que as pessoas armem para cima de mim pelas minhas costas. Prefiro que me chutem diretamente. Não gosto de armadilhas. Não gosto de, de repente, ver levantarem a cortina e dizerem “tchãrãããn!!”. Não gosto de surpresas premeditadas pelas outras pessoas. Evito a paranóia, e não gosto quando a estimulam.
Sinto que talvez essa seja a única maneira de me estimular a ser filha-da-puta. E eu odeio filhadaputice – ainda mais quando me obrigam a agir assim.

Acho que estou escrevendo demais sobre nada.

Mas eu só queria deixar registrado que, cada vez mais, minha tendência a não confiar nas pessoas, em ninguém, ou talvez somente um pouco em pouquíssimas pessoas, cada vez mais essa tendência se reforça. Cada vez mais eu sinto que eu devo evitar ao máximo ter uma relação de proximidade, ou de convivência, com quem quer que seja, porque quanto mais você conhece uma pessoa, mais você descobre algo nocivo. Cada vez mais me convencem que essa conversa de ter uma relação saudável com os outros é papo-furado, e você deve ser como o príncipe de Maquiavel: dissimular ternura, e disseminar seu poder sobre as pessoas, dominá-las, para que ninguém venha lhe derrubar. Cada vez mais eu percebo que ficar no meu canto não basta, e que eu preciso realmente começar a atacar, viver em estado de guerra permanente, não baixar a guarda nunca. Já vivi assim e é difícil, cansativo e muito solitário. As pessoas não têm a obrigação de serem legais só porque eu acho que as pessoas têm de ser legais. Mas eu também não tenho a obrigação de esperar sempre que me ataquem, e cada dia mais eu vejo que eu é quem devo começar a atacar antes que me façam qualquer coisa, como se qualquer pessoa na rua fosse minha arqui-inimiga.
Me parece, cada dia mais, que a frase “o homem é lobo do homem” não é uma triste constatação, mas um aviso, um dos melhores avisos que alguém pode ouvir.