Primeiro domingo do Advento de 2019

Nem toda a gambiarra é pecado, mas todo pecado é uma gambiarra. Adão e Eva, que não conheciam a morte, arriscaram facilmente a vida eterna em troca de uma fake news – a serpente disse a verdade sobre o conhecimento que daria comer o tal fruto proibido, e diante desta expectativa, radiosa como como a visão do fruto, foi fácil ignorar a parte do  “oh, não morreireis” (Gn 3,4), pois Deus disse a verdade, e a serpente, a mentira seguida de uma constatação verdadeira e inegável. A acusação mais ou menos frequente contra Deus, de que sonegou um conhecimento e por isso foi bem-feito que a serpente corrigiu esta sonegação é deste tipo de meia-verdade, aliás; pois Deus não sonegou o conhecimento quando permitiu que eles comessem tudo o que houvesse no Jardim do Éden nem escondeu a existência da árvore-do-conhecimento-do-bem-e-do-mal, mas só pediu que ninguém comesse do seu fruto. A gambiarra foi Adão e Eva julgarem que a serpente deveria ter razão sobre a morte, pois tinha razão sobre a expectativa de conhecimento contida no tal fruto.
A polarização política atual é apontada como um problema sério etc., mas é outra meia verdade do tipo “oh, não morrereis”, pois encobre sistematicamente o ódio vivido como “ódio verdadeiro justificado” direcionado contra o outro polo, seja qual for este polo. O surto de histeria coletiva atual é fruto apenas do ódio, e não da polarização – embora o problema não seja o ódio pura e simplesmente, mas um ódio sistemático, explorado na divulgação de ideias que certamente farão o outro lado sentir muito ódio (seja o elogio ao AI-5, seja o empoderamento das minorias, por exemplo).
O retorno de Cristo, imprevisível como um assalto, é negado de duas maneiras: uma é não contar com a possibilidade deste retorno ou, igualmente, colocá-la muito no futuro, e a outra, colocando-a no presente.
Se Cristo não voltará ou se voltará daqui a 200 anos, então não há problema em ignorá-lo; e se Cristo voltará amanhã ou dentro de cinco minutos, também não há problema em ignorá-lo, pois não adianta fazer mais nada.
A verdade é que “na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24, 44) e, portanto, o conhecimento do futuro, negado por Deus, é transformado em previsões de inovadoras ditaduras das minorias ou de reedições de velhas ditaduras.
Se Cristo estivesse a caminho, a uma distância indeterminada, seria mais lógico promover o bem que ele traz consigo. Mas como Cristo não vem ou já chegou  e a maioria ainda não viu – uma gambiarra em forma de crença – todo o ódio aparenta a leveza de uma inconsequência inócua: já que afinal conhecemos o bem e o mal, podemos impor o primeiro e combater o segundo, seja porque Cristo vai demorar, seja porque já não há amanhã.
Entre o imprevisto retorno e o improviso do ódio, ceder ao medo é tomar partido da serpente das meias-verdades reeditadas como as fake news “de que tanto tem se ocupado a imprensa” (O Circo Místico).