Paulo vive insistindo em suas cartas que é um apóstolo pela vontade Deus e não pela vontade de qualquer outra pessoa. De perseguidor do cristianismo passou a ser o mais fervoroso cristão (um ex-cristofóbico, portanto) depois de ter sido escolhido por Cristo em pessoa!
Eu lembro de ter lido há anos atrás que o bispo Edir Macedo evocou a conversão de São Paulo para legitimar a própria vocação de bispo: aparentemente, na reportagem foi questionado que era a hierarquia católica que deveria dar o aval a um bispo, e aí, se não me falha a memória, ele levantou este precedente paulino. Se São Paulo pode, porque eu também não?
Não tenho a certeza de que Edir Macedo tenha dado esta declaração, pois faz muito tempo que li isto, e não saí procurando pelo Google a reportagem, mas quer ele tenha dito isto, quer não, este precedente paulino costuma ser invocado, não necessariamente fazendo-se uma relação explícita a Paulo, mas ao longo da história houve um considerável número de pessoas que, assim como o apóstolo, foram chamadas diretamente por Cristo à revelia da Igreja. Nenhuma delas lembra, porém, que mais tarde Paulo encontrou-se com Pedro, e o próprio São Pedro deu o seu aval (que não deve ter sido solicitado por Paulo) em uma de suas cartas, sem contar que este aval já havia sido dado no Concílio de Jerusalém pelos próprios apóstolos, incluindo Pedro.
Não é que Cristo não chame as pessoas, muito pelo contrário. Mas o caso de São Paulo não é um precedente legítimo para nenhum outro caso, ou, pelo menos, não serve como desculpa para ninguém arrogar-se autoridade alguma.
Na carta aos Gálatas, logo no versículo 8 do primeiro capítulo, o próprio Paulo, depois de reafirmar sua eleição por Deus, nega qualquer possibilidade de haver uma outra revelação de Deus diferente da própria revelação do Evangelho, mesmo que um anjo do céu venha fazê-la.
Isto serve, ou deveria servir, para qualquer maluco que pensar ter recebido alguma ordem de Deus, conferir na Bíblia e nos escritos da Igreja se esta ordem está em conformidade com o Evangelho. Mas serve também para eventuais discípulos destes malucos conferirem se o seu mestre não está chamando suas próprias ilusões de Deus e explorando a boa-vontade tanto dos discípulos quanto do próprio Deus. Se estas revelações divinas incluírem qualquer coisa sexual, então, nem precisa ler nada, venham estas revelações de quem vierem.
Se, por um lado, a Bíblia precisa ser interpretada, por outro lado, já dá para descartar, de antemão, qualquer interpretação que revele que o discípulo deva agradar o mestre, seja sexual ou materialmente. Mesmo a lembrança de 1Tm 5,18 (“o operário merece o seu salário”) ou de qualquer outra passagem do Novo Testamento que ampare o sustento de quem trabalha na obra de Deus, não deve deixar de lado de que isto é responsabilidade de uma comunidade, e não uma cobrança que possa ser feita a um indivíduo específico, muito menos pelo próprio beneficiário.
Aliás, qualquer tipo de exploração, seja ela amparada em uma distorção da Bíblia ou não, já se pode saber de antemão que pode vir de qualquer um, mas não de Deus.