Eu lembro que há anos atrás a reciclagem de materiais era assunto ou de quem estava sem dinheiro para comprar uma coisa nova e improvisava com o que tinha e economizar dinheiro com isto, seja para comprar a versão industrializada do que improvisou, seja para ficar com o improvisado e gastar o dinheiro com outra coisa.
Tempos depois, a reciclagem se transformou em um ato de consciência ecológica, para reduzir o disperdício de materiais cuja fonte não é renovável, para não produzir lixo que não se decompõe na natureza, ou pelo menos para fugir do consumismo que, de modo geral, contribui significativamente para a degradação do meio ambiente, tanto por causa do lixo quanto por causa da exploração nociva dos recursos naturais.
E embora hoje essa preocupação esteja em evidência nos debates, objetivos e programas das organizações oficiais e das organizações coletivas, ainda fazemos pouco pela reutilização e reciclagem das coisas que usamos, mesmo que já o façamos muito mais do que antigamente.
Mas esta preocupação revela também uma perversidade, que não está na preocupação ecológica em si, e nem na reciclagem, mas na incapacidade que nós temos de fazer o mesmo com as pessoas, que descartamos muito mais facilmente do que qualquer pote de margarina usado depois que ela acabou.
As empresas normalmente demitem funcionários sem a menor consideração, mesmo quando respeitam todas as leis trabalhistas que, depois das reformas nos governos Temer e Bolsonaro, legalizaram a desvalorização dos trabalhadores. As pessoas, nas suas relações particulares, também descartam umas às outras com menos dó do que a uma roupa velha. Existem exceções, e muitas, mas elas apenas confirmam a regra.
A maior expressão desta atitude são os presídios, que formalmente servem para a reinserção de pessoas na sociedade, mas que hoje são o mais próximo que podemos chegar a uma pena de morte que, felizmente ainda proibida pelas leis, acaba sendo executada nas prisões. Não que todos morram dentro dos presídios, mas lá dentro já não são mais tratados com a dignidade devida às pessoas que ainda são. Na maioria das vezes eles não estão presos para pagarem pelos seus crimes, e sim para ficar a vida inteira marcados por eles, quer saiam da vida criminosa, quer não.
Esta poderia ser a atitude de Deus, que não é obrigado por nada nem por ninguém a nos aguentar (tomando por base eu mesmo, com quem Deus tem a mais infinita paciência, mais até do que a paciência que eu tenho comigo mesmo), e não só aguenta como quer “reciclar”, que nem o oleiro de Jeremias, ao preferir refazer o vaso a jogar tudo fora.
Deus nos moldou e nós nos deixamos deteriorar (uma deterioração que se manifesta especialmente na degradação das relações entre as pessoas), mas Deus se prontifica, gratuitamente, a nos remoldar e, mais do que isto, em vez de remoldar-nos ao “projeto original”, remoldar-nos a uma condição inimaginavelmente plena – que se por um lado não tem como concretizar-se aqui neste mundo e nesta vida, por outro lado, também não tem como realizar-se se não começar a acontecer hoje.