A mais recente descentralização administrativa do Papa Francisco, que dispensou a aprovação de Roma à intervenção de bispos e conferências episcopais na gestão dos seminários, na formação sacerdotal e na elaboração do catecismo, e substituiu-a por uma simples confirmação, demonstra o alinhamento do papa com a opção pelos pobres, na medida em que este alargamento da descentralização diminui o seu próprio poder sobre estes aspectos – uma diminuição já realizada também em outros aspectos anteriormente.
Este movimento dirige a Igreja ao mesmo rumo de Cristo, que “não se apegou à condição de ser igual em natureza a Deus Pai ao esvaziar-se de sua glória e tornar-se semelhante ao ser humano” (cf. fl 2,6-11), embora não signifique, obviamente, um caminho de renúncia ao poder, como se o Vaticano estivesse a caminho de se tornar uma espécie de ordem mendicante (apesar de ter um esmoleiro).
O problema com o poder não é possuí-lo, e nem mesmo buscá-lo ou mantê-lo, mas apegar-se a ele a ponto de fazer estas coisas às custas de outras coisas mais importantes do que ele, seja esta importância circunstancial ou absoluta. Como no caso do dinheiro, do sexo ou (um item que pode parecer estranho na lista) do chocolate, o problema do poder é para o que ele serve, e às custas do que se mantém ou se obtém.
Seria ingênuo, e talvez até perigoso, sugerir que a Igreja, e também que às pessoas em particular simplesmente renunciem ao poder, não o busquem, rejeitem-no ou deixem-no de lado, porque se é verdade que no fim das contas ele pertence apenas a Deus, também é verdade que quase tudo o que pertence a Deus ele nos encarregou de administrar – e distanciar-se dele é agir como o personagem da parábola (cuja localização no Evangelho eu não tenho tempo de ir atrás agora) que enterrou a tal moeda que o rei lhe deu para cuidar e foi castigado por sua omissão. Até mesmo Cristo, ao aniquilar-se a ponto de deixar-se levar até a humilhação na Cruz, apenas absteve-se de usar o poder para livrar-se da humilhação, pois mesmo pregado na cruz não deixou de exercê-lo para admitir o “bom ladrão” nos céus.
A opção pelos pobres que o papa abraça ao imitar Cristo na descentralização de seus próprios poderes não significa fazer da injustiça contra os pobres a manifestação da vontade divina, e a renúncia que Cristo pede também não é abandonar-se ao acaso e deixar Deus na obrigação de resolver aquilo que ele dá condições de normalmente ser resolvido pela própria pessoa. Mas significa saber usar e saber se abster do poder que se tem, seja ele pouco ou muito, tendo em vista que ele pertence a Deus que espera que o poder seja um serviço aos outros, e não uma ferramenta de dominação.
Imagem original: Alexis Fauvet on Unsplash