A ressurreição antes da morte

“A Páscoa de Jesus de Nazaré e dos cristãos celebra as possibilidades escondidas na vida de cada pessoa e da humanidade. Afirma que a última palavra não é o discurso frio daqueles que impõem sua injusta ordem, lincham midiaticamente os líderes populares e mandam calar os profetas. Proclama que a ação realmente eficaz e grávida de futuro é aquela que estabelece a absoluta superioridade das vítimas. Evidencia que a direção certa e o sentido da vida está no cuidado da terra, no fazer-se semente de um mundo outro e de uma vida outra, tão possível quanto urgente.

Ademais, a ressurreição não é algo que acontece apenas depois da morte. Paulo nos surpreende afirmando que já ressuscitamos. Ele se refere ao dinamismo pascal do nosso batismo, que possibilita e pede a passagem de uma vida individualista a uma vida plena e solidária. “Procurem as coisas do alto”. E isso significa assumir um estilo de vida centrado no amor, no serviço e na partilha, na busca de uma segurança que tenha a justiça como mãe. O pecado ainda não perdeu totalmente sua influência, mas está mortalmente ferido, e não domina mais sobre nós.

É verdade que a ressurreição de Jesus não é algo que se impõe com força de evidência. O dia já havia amanhecido, mas, na cabeça de Maria Madalena e dos apóstolos, a experiência do fracasso pairava como escuridão. Só muito lentamente eles foram percebendo que os lençóis estendidos não estavam lá para cobrir um morto mas para acolher as núpcias de uma nova aliança de Deus com a humanidade. O sudário sim, depois de ter coberto a cabeça de Jesus, agora estava à parte e envolvia totalmente o templo, o lugar onde a morte fora tramada e decretada.

A Páscoa de Jesus de Nazaré inaugura uma Nova Criação. Ressuscitando e trazendo no corpo as feridas dos pregos e da lança, ele é o Homem Novo, o Novo Adão, o Irmão primogênito e solidário de todos os homens e mulheres. Os discípulos e discípulas se reúnem em torno da sua memória e organizam comunidades que continuam seu sonho e seu caminho. E as pessoas acolhidas nestas comunidades estabelecem vínculos que formam um Novo Povo de Deus, a comunhão dos grupos e movimentos de cuidadores e servidores, de gente que luta por vida abundante para todos.”

A ressurreição de Jesus inaugura uma nova criação

Imagem: Bruno van der Kraan on Unsplash

Salvação pela morte e ressurreição de Cristo

«Jesus não morreu por acaso, nem por doença, nem por acidente. Embora a comunidade cristã vá dizer que sua cruz se explica pelos desígnios da presciência de Deus (At 2,23; 4,28), é preciso, contudo, considerar os fatores históricos. Jesus foi levado à morte por causa do anúncio do Reino de Deus, o que implicava também o anúncio de outra imagem de Deus. Seja o anúncio do Reino de inclusão e igualdade, de perdão e liberdade, seja o anúncio de Deus como Pai de ternura, compaixão e misericórdia, isso incomodou os chefes religiosos.

Desde o início de seu ministério público e no decorrer de sua missão de anunciar o Reino e denunciar as práticas idolátricas do antirreino propagadas pelos chefes religiosos, Jesus foi perseguido. Foi ficando cada vez mais clara, para Jesus, a percepção de que a realização da vontade do Pai teria que passar pela entrega de sua vida. Mesmo que os evangelhos reflitam a interpretação das comunidades cristãs, há sólidas evidências de que o Jesus terreno revelou ter consciência do significado salvífico de sua morte (RYAN, 2020, p. 60-64). É o que se pode notar na indicação de que não veio para ser servido mas para servir (Mc 10,45), nos anúncios da paixão (Mc 8,31; 9,31; 10,32-34), nos relatos da instituição da eucaristia, em que ele manifesta a confiança de que sua morte servirá para a restauração de Israel e a renovação da aliança divina (Mt 26,26-30; Mc 14,22-26; Lc 22,14-20), e na oração no Getsêmani, na qual ele entrega sua vida àquele a quem chamava de Abbá (Mt 26,36-45; Mc 14,32-42; Lc 22,39-46). O próprio Jesus – e não apenas a comunidade cristã – deve ter lido sua morte à luz de textos proféticos: o martírio de um judeu fiel poderia expiar os pecados do povo (2Mc 7,37-38), o suplício do servo sofredor exerce o papel de sofrimento vicário no plano de Deus (Is 52,13–53,12). A confissão de fé dos primeiros cristãos de que a morte de Jesus tem poder salvífico (1Ts 5,10; Rm 4,25; 1Cor 15,3) certamente se fundamenta em atitudes e palavras do próprio Jesus.

A morte como oferta sacrificial

Ligada à morte, a ideia de sacrifício foi bastante útil para os Santos Padres explicarem o modo como se dá a salvação do gênero humano por Jesus Cristo (RYAN, 2020, p. 97-100). Clemente de Roma ensinava que o sangue de Cristo foi precioso para o Pai, já que foi derramado para a expiação do pecado humano e trouxe a graça do arrependimento. Atanásio ensinava que Jesus, oferecendo-se a si mesmo como sacrifício sem mancha, entregou-se à morte no lugar de todos os seres humanos, para acertar as contas com a morte e libertá-los das consequências da primeira transgressão. Segundo Ambrósio, por sua auto-oferenda, Jesus redimiu a carne humana, que era sujeita ao pecado. João Crisóstomo, nas homilias sobre a Carta aos Hebreus, se refere à morte de Cristo como sacrifício de propiciação para comprar o fim da raiva de Deus. De modo diverso, Agostinho afirma que o sacrifício de Cristo não foi para aplacar a ira de um Deus furioso, mas consequência de sua encarnação, que implicava a manifestação de sua solidariedade plena, até a morte na cruz, com a humanidade ferida e perdida.

Como o sacrifício de Cristo, também a comunidade cristã se oferece em sacrifício na eucaristia, por meio do sumo sacerdote Jesus Cristo, que se ofereceu a Deus em sua paixão por nós, na forma de servo, para que pudéssemos participar de sua cabeça gloriosa e, assim, praticar as boas obras que são o verdadeiro sacrifício a ser oferecido a Deus.

A morte como expiação dos pecados

Como único, verdadeiro, sumo e eterno sacerdote, Cristo oferece-se a si mesmo como vítima pascal. Assim, ele supera a instituição cultual do Antigo Testamento, ligada ao Templo e aos sacrifícios, indicando que, como a Lei, tampouco o culto salva. O único ato salvador a assegurar, de uma vez por todas (Hb 7,27; 9,12.26.28; 10,10), o perdão dos pecados e a comunhão com Deus é a morte sacrificial de Jesus, que veio para servir e dar a sua vida por nós (Mt 20,28), para derramar o seu sangue e nos purificar do pecado (1Jo 1,7), para nos resgatar a todos do poder do mal (1Tm 2,6). Em lugar de uma ação sagrada realizada no recinto do Templo e com rituais precisos (Lv 1-15) que mediassem o desejo humano de expiação (Hb 9,1-10), o sacrifício de Jesus acontece fora do Templo e da cidade santa, como assassinato de um malfeitor (Hb 13,12). Este é o verdadeiro culto a Deus, que responde plenamente aos anseios de expiação, pois abre o caminho para o repouso divino e a herança eterna. O grande ritual de expiação, que visava libertar Israel de seus pecados e restabelecer a aliança do povo com Deus (Lv 16), realiza-se definitivamente em Jesus Cristo, que carregou o pecado do mundo e o expiou com seu próprio sangue (Hb 9,6-14). Substitui-se a prática sacrificial de animais pela oferta de um único mediador entre Deus e os seres humanos (Hb 9,1-15), o único santuário, o único sacerdote, o único sacrifício realmente agradável a Deus, não o sacrifício simbólico celebrado com ritos religiosos, mas o sacrifício real da vida inteira doada em favor dos irmãos. Com sua morte sacrificial na cruz, Cristo supera todos os ritos e sacrifícios da antiga aliança (Hb 10,1-10). “Assim, ele suprime o primeiro para estabelecer o segundo” (Hb 10,9). Por isso, a cidade nova – a Igreja, o céu – não precisa de santuário, “pois o seu santuário é o próprio Senhor, o Deus todo-poderoso, e o Cordeiro” (Ap 21,22).

Daí o convite a que os cristãos superem a negligência (Hb 2,1), a incredulidade (Hb 3,12-13), a imaturidade espiritual (Hb 5,11-12) e saiam do recinto sagrado (Hb 13,13) para entrar em contato com o mundo onde se encontra o Cristo humilhado, que não se envergonha de ser nosso irmão (Hb 2,11) e continua a carregar a sua cruz no meio dos pobres. Assim, os fiéis alcançam a salvação em assemelhar-se a Jesus, em sua prática de amor ao próximo, no amar até o fim, até a doação da própria vida.

A morte como pagamento do resgate do cativeiro

Além da ideia de sacrifício, também a noção de resgate serviu para os Santos Padres apresentarem sua explicação soteriológica. Servindo-se da passagem de Mc 10,45 (“o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos”), alguns Padres da Igreja ensinam que, com sua morte e ressurreição, Jesus triunfa sobre o mal e resgata a humanidade que estava cativa, sob o poder do diabo. Gregório de Nissa afirma que a humanidade, com o pecado, havia se vendido a Satanás, o qual passou a ter direito sobre nós. Por questão de justiça, portanto, Deus precisava dar ao diabo, senhor da humanidade, a oportunidade de pedir o que quisesse como preço pelo resgate do ser humano. O diabo pediu o que era mais valioso do que a raça humana: o sangue do Nazareno, nascido de uma virgem e realizador de tantos milagres. Mas enganou-se porque não enxergara a divindade escondida dentro da humanidade do Senhor. Ao ressuscitar dos mortos, Jesus engana o diabo e o vence, e, unindo ao seu corpo toda a raça humana, a resgata do cativeiro diabólico. Para Agostinho, o diabo adquiriu direitos sobre a humanidade com o pecado dos primeiros pais. Por um ato de justiça e não de poder, Deus liberta a raça humana com a humildade de Cristo na encarnação, quando este não só se torna semelhante a nós, mas, embora inocente, assume também nosso sofrimento. Por ter matado um homem inocente, o diabo perdeu os direitos sobre a humanidade.

Todavia, essa ideia do resgate não foi assimilada por todos. Gregório Nazianzeno considera um ultraje chocante imaginar que o sangue de Cristo fosse o pagamento dado ao diabo pela libertação do ser humano; de modo diverso, ele entendia que o Pai aceitou a oferenda livre de Cristo não por exigência do diabo, mas porque, na economia da salvação, a humanidade deveria ser santificada pela humanidade de Deus, para que pudesse nos libertar vencendo o poder do tirano e nos conduzindo a si pela mediação do Filho.

A morte como prestação de satisfação a Deus

Com Anselmo da Cantuária, temos a passagem do uso de imagens ou metáforas para a elaboração de uma teoria soteriológica da satisfação (RYAN, 2020, p. 109-121). Ele quer oferecer uma elucidação racional dos mistérios da fé e responder a pensadores judeus que julgavam ofensiva à dignidade e à impassibilidade de Deus a ideia de encarnação. Daí o título de sua obra principal: Cur Deus homo? (Por que Deus se fez homem?). Seu argumento soteriológico se contextualiza na época feudal, em que a submissão à vontade da autoridade superior era essencial para a manutenção da ordem social e, portanto, em caso de ofensa à autoridade era exigida satisfação correspondente ao status social do ofendido. Situa-se ainda no contexto do sistema penitencial, em que havia penitências prescritas para pecados específicos em vista da satisfação para a reparação dos pecados. A satisfação oferecida pelo ofensor à autoridade e pelo pecador a Deus passou a ser uma analogia natural para explicar o sacrifício de Cristo em favor da redenção da humanidade.

Anselmo pressupõe a crença cristã de que Deus criou a humanidade para a felicidade eterna, o que requer a submissão completa da vontade humana aos planos divinos. Ao pecar, todos recusaram essa submissão, desonrando Deus e, em consequência, perturbando a ordem do universo. A superação do pecado envolve, portanto, a restauração da honra divina e o restabelecimento da harmonia do universo. Para isso há dois caminhos, o castigo divino ou a prestação de satisfação a Deus. O castigo é uma ideia inconcebível, pois contraria o desejo divino de que todos alcancem a bem-aventurança eterna. A prestação de satisfação por parte do ser humano é impossível, pois sendo infinita a dignidade de Deus é também infinita a ofensa contra ele e, portanto, a humanidade é incapaz de cobrir a distância entre o pecado cometido e a honra ofendida.

Por questão de justiça e por respeito à liberdade e à responsabilidade humanas, Deus não pode desconsiderar a ofensa e, portanto, a exigência de satisfação. Por misericórdia, Deus quer levar adiante o seu plano de ter todos consigo na felicidade eterna. A saída do impasse encontra-se na encarnação de Deus. A prestação da satisfação será feita por alguém que é ao mesmo tempo Deus perfeito e homem perfeito. A dívida é paga por alguém da raça humana, que sendo Deus apresenta-se como oferenda correspondente ao status divino daquele cuja honra foi ofendida. Como a morte é efeito do pecado, o Filho eterno de Deus não precisava morrer, mas livremente quis entregar-se à morte para satisfazer a honra divina; por este ato extremo de liberdade pessoal e de obediência ao Pai, sua auto-oferenda tem valor infinito, maior do que todo o pecado da humanidade. Sua morte presta satisfação apropriada para Deus e produz a redenção de toda a raça humana.

Com leves nuances de diferença, Tomás de Aquino acolhe a teoria de satisfação, enquanto considera que

sofrendo por amor e por obediência, Cristo ofereceu a Deus mais do que exigia a compensação de todas as ofensas do gênero humano. (…) Portanto, a paixão de Cristo foi uma satisfação pelos pecados humanos não só suficiente, mas superabundante. (TOMÁS DE AQUINO, 2002, p. 693)

Essas explicações da salvação pela morte – sacrifício, expiação, resgate, satisfação – sempre se correlacionam com a ressurreição. Se Cristo não tivesse ressuscitado, sua morte não teria poder salvífico. O primeiro efeito salvífico da morte e ressurreição do Senhor manifestou-se nos discípulos. A experiência pascal do encontro com o Cristo ressuscitado fez os discípulos vivenciarem, também eles, sua Páscoa particular: de medrosos e trancados em casa tornaram-se corajosos e ousados no anúncio da ressurreição do Senhor. Passaram a professar a inauguração, ainda que provisória, do Reino de Deus pregado por Jesus. A morte do mestre foi aceita pelo Pai, que se vingou dos mandantes e assassinos libertando a vítima do poder da morte e dando-lhe um novo modo de viver. Assim, a ressurreição de Jesus revela o significado universal da pessoa, da mensagem e da obra salvadora de Jesus.

Como não é possível entender o ministério público do anúncio do Reino sem o destino de morte, também não dá para separar a morte e a ressurreição. Surgiu muito cedo na comunidade uma interpretação soteriológica da morte e da ressurreição de Jesus, como dois eventos que se explicam mutuamente: em Jesus não há morte sem ressurreição, não há ressurreição sem morte. Sua morte não é vista apenas como acontecimento histórico, mas como evento salvífico: ele morreu por nossos pecados, como parte integrante da vontade salvadora de Deus. Sua ressureição, em conexão com a morte, é vista como intrínseca à revelação do desígnio salvador de Deus.»

Enciclopédia digital Theologica Latinoamericana. A salvação em Jesus Cristo, 5

Imagem: Kelly Sikkema on Unsplash

A meritocracia cristã

“Com efeito, o poder que os gnósticos atribuíam à inteligência, alguns começaram a atribuí-lo à vontade humana, ao esforço pessoal. Surgiram, assim, os pelagianos e os semipelagianos. Já não era a inteligência que ocupava o lugar do mistério e da graça, mas a vontade. Esquecia-se que «isto não depende daquele que quer nem daquele que se esfoça por alcançá-lo, mas de Deus que é misericordioso» (Rm 9, 16) e que Ele «nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19).

Ainda há cristãos que insistem em seguir outro caminho: o da justificação pelas suas próprias forças, o da adoração da vontade humana e da própria capacidade, que se traduz numa autocomplacência egocêntrica e elitista, desprovida do verdadeiro amor. Manifesta-se em muitas atitudes aparentemente diferentes entre si: a obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e realização autorreferencial. É nisto que alguns cristãos gastam as suas energias e o seu tempo, em vez de se deixarem guiar pelo Espírito no caminho do amor, apaixonarem-se por comunicar a beleza e a alegria do Evangelho e procurarem os afastados nessas imensas multidões sedentas de Cristo.

Muitas vezes, contra o impulso do Espírito, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa propriedade de poucos. Verifica-se isto quando alguns grupos cristãos dão excessiva importância à observância de certas normas próprias, costumes ou estilos. Assim se habituam a reduzir e manietar o Evangelho, despojando-o da sua simplicidade cativante e do seu sabor. É talvez uma forma subtil de pelagianismo, porque parece submeter a vida da graça a certas estruturas humanas. Isto diz respeito a grupos, movimentos e comunidades, e explica por que tantas vezes começam com uma vida intensa no Espírito, mas depressa acabam fossilizados… ou corruptos.

Sem nos darmos conta, pelo facto de pensar que tudo depende do esforço humano canalizado através de normas e estruturas eclesiais, complicamos o Evangelho e tornamo-nos escravos dum esquema que deixa poucas aberturas para que a graça atue. São Tomás de Aquino lembrava-nos que se deve exigir, com moderação, os preceitos acrescentados ao Evangelho pela Igreja, «para não tornar a vida pesada aos fiéis, [porque assim] se transformaria a nossa religião numa escravidão».”

Gaudete et exsultate, 48 e 57-59

A noção de “memorial” no Antigo Testamento

O primeiro a dizer é que zakar (qal), mimneiskomai (“lembrar/lembrar-se”), na Bíblia, não é mera ação de uma subjetividade que se aferra ao passado. Não é retrospecção histórica ou psicológica.

Poderia dizer-se que “lembrar” é um verbo performativo, realiza algo, expressa uma ação com consequências para o presente e o futuro e, com isso, uma ação que, desde o passado, irrompe no presente, abrindo futuro. Para tomar um caso profano, não litúrgico, pense-se na “recordação” do copeiro do Faraó em Gn 40,14.23 e 41,9.

“Lembrar-se” de José é intervir em favor dele. Quando o mesmo verbo aparece no contexto religioso do culto ou da oração, sua dimensão performativa se reforça, pois, quando Deus “se recorda”, atua salvificamente de acordo com suas promessas. Basta considerar que, em 68 ocorrências veterotestamentárias do verbo zakar em qal (um dos modos da conjugação verbal do hebraico), Deus é o sujeito do “lembrar-se” e o objeto é sua ação em prol da humanidade, e quando o sujeito de zakar é o ser humano, 69 vezes o objeto do ponto de vista gramatical é Deus ou sua ação salvífica.

Essa menção significa que o passado recordado se torna atuante, cheio de eficácia de salvação. Tal perspectiva é comprovada pelo oposto, quando se considera um texto como Sl 34,17 ou 9,7: Deus apaga a lembrança do ímpio. Seu desaparecimento, como se nunca tivesse sido, é atribuído a Deus.

De onde se deduz que o “recordar-se” de alguém, por parte de Deus, é algo que pertence, por assim dizer, à ordem ontológica, é existir diante de Deus e pela ação de Deus. “O ser humano vive, porque Deus se lembra dele e este tem o dever de louvar a Deus, lembrando suas maravilhas” (EISING, 1977, p.586). Por parte de Deus zakar é uma ação criadora em favor de seu povo (cf. EISING, 1977, p.591). O “lembrar(-se)” é, pois, eficaz, produz efeito.

Enciclopédia digital Theologica Latinoamericana. Memorial.

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Em memória de Cristo

«O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue» (1 Cor 11, 23), instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia.Esta tem indelevelmente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos.(9) Esta verdade está claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino, responde à proclamação « mistério da fé » feita pelo sacerdote: « Anunciamos, Senhor, a vossa morte ».

A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por excelência, porque dom d’Ele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação. Esta não fica circunscrita no passado, pois « tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente ».(10)

Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e « realiza-se também a obra da nossa redenção ».(11) Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do género humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel pode tomar parte nela, alimentando-se dos seus frutos inexauríveis. Esta é a fé que as gerações cristãs viveram ao longo dos séculos, e que o magistério da Igreja tem continuamente reafirmado com jubilosa gratidão por dom tão inestimável.(12) É esta verdade que desejo recordar mais uma vez, colocando-me convosco, meus queridos irmãos e irmãs, em adoração diante deste Mistério: mistério grande, mistério de misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós?Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao « extremo » (cf. Jo 13, 1), um amor sem medida.

Este aspecto de caridade universal do sacramento eucarístico está fundado nas próprias palavras do Salvador. Ao instituí-lo, não Se limitou a dizer « isto é o meu corpo », « isto é o meu sangue », mas acrescenta: « entregue por vós (…) derramado por vós » (Lc 22, 19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrificial, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas depois realizaria na cruz pela salvação de todos. « A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor ».(13)

A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto actual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, « o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício ».(14) Já o afirmava em palavras expressivas S. João Crisóstomo: « Nós oferecemos sempre o mesmo Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o sacrifício é sempre um só. […] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima que então foi oferecida e que jamais se exaurirá ».(15)

A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica.(16) O que se repete é a celebração memorial, a « exposição memorial » (memorialis demonstratio),(17) de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se actualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrificial do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indirecta ao sacrifício do Calvário.

Ecclesia de eucharistia, 11-12.

Imagem original: Nathan Dumlao on Unsplash

A importância dos sindicatos na doutrina da Igreja

“A doutrina social católica não pensa que os sindicatos sejam somente o reflexo de uma estrutura « de classe » da sociedade, como não pensa que eles sejam o expoente de uma luta de classe, que inevitavelmente governe a vida social. Eles são, sim, um expoente da luta pela justiça social, pelos justos direitos dos homens do trabalho segundo as suas diversas profissões.”

“Com base em todos estes direitos, juntamente com a necessidade de os garantir por parte dos mesmos trabalhadores, surge ainda um outro direito: o direito de se associar, quer dizer, o direito de formar associações ou uniões, com a finalidade de defender os interesses vitais dos homens empregados nas diferentes profissões. Estas uniões têm o nome de sindicatos. Os interesses vitais dos homens do trabalho são até certo ponto comuns a todos; ao mesmo tempo, porém, cada espécie de trabalho, cada profissão, possui uma sua especificidade, que deveria encontrar nestas organizações de maneira particular o seu reflexo próprio.

Os sindicatos têm os seus ascendentes, num certo sentido, já nas corporações artesanais da Idade Média, na medida em que tais organizações uniam entre si os homens que pertenciam ao mesmo ofício, isto é, agremiavam-nos em base ao trabalho que eles faziam. No entanto, os sindicatos também diferem dessas corporações neste ponto essencial: os modernos sindicatos cresceram a partir da luta dos trabalhadores, do mundo do trabalho e, sobretudo, dos trabalhadores da indústria, pela tutela dos seus justos direitos, em confronto com os empresários e os proprietários dos meios de produção. Constitui sua tarefa a defesa dos interesses existenciais dos trabalhadores em todos os sectores em que entram em causa os seus direitos. A experiência histórica ensina que as organizações deste tipo são um elemento indispensável da vida social, especialmente nas modernas sociedades industrializadas. Isto, evidentemente, não significa que somente os trabalhadores da indústria possam constituir associações deste género. Os representantes de todas as profissões podem servir-se delas para garantir os seus respectivos direitos. Existem, com efeito, os sindicatos dos agricultores e dos trabalhadores intelectuais; come existem também as organizações dos dadores de trabalho. Todos, como já foi dito acima, se subdividem em grupos e subgrupos segundo as particulares especializações profissionais.

A doutrina social católica não pensa que os sindicatos sejam somente o reflexo de uma estrutura « de classe » da sociedade, como não pensa que eles sejam o expoente de uma luta de classe, que inevitavelmente governe a vida social. Eles são, sim, um expoente da luta pela justiça social, pelos justos direitos dos homens do trabalho segundo as suas diversas profissões. No entanto, esta « luta » deve ser compreendida como um empenhamento normal das pessoas « em prol » do justo bem: no caso, em prol do bem que corresponde às necessidades e aos méritos dos homens do trabalho, associados segundo as suas profissões; mas não é uma luta « contra » os outros.

Se ela assume um carácter de oposição aos outros, nas questões controvertidas, isso sucede por se ter em consideração o bem que é a justiça social, e não por se visar a « luta » pela luta, ou então para eliminar o antagonista. O trabalho tem como sua característica, antes de mais nada, unir os homens entre si; e nisto consiste a sua força social: a força para construir uma comunidade. E no fim de contas, nessa comunidade devem unir-se tanto aqueles que trabalham como aqueles que dispõem dos meios de produção ou que dos mesmos são proprietários. A luz desta estrutura fundamental de todo o trabalho — à luz do facto de que, afinal, o « trabalho » e o « capital » são as componentes indispensáveis do processo de produção em todo e qualquer sistema social — a união dos homens para se assegurarem os direitos que lhes cabem, nascida das exigências do trabalho, permanece um factor construtivo de ordem social e de solidariedade, factor do qual não é possível prescindir.

Os justos esforços para garantir os direitos dos trabalhadores, que se acham unidos pela mesma profissão, devem ter sempre em conta limitações que impõe a situação económica geral do país. As exigências sindicais não podem transformar-se numa espécie de « egoísmo » de grupo ou de classe, embora possam e devam também tender para corrigir — no que respeita ao bem comum da inteira sociedade — tudo aquilo que é defeituoso no sistema de propriedade dos meios de produção, ou no modo de os gerir e de dispor deles. A vida social e económico-social é certamente como um sistema de « vasos comunicantes », e todas e cada uma das actividades sociais, que tenham como finalidade salvaguardar os direitos dos grupos particulares, devem adaptar-se a tal sistema.

Neste sentido, a actividade dos sindicatos entra indubitavelmente no campo da « política », entendida como uma prudente solicitude pelo bem comum. Ao mesmo tempo, porém, o papel dos sindicatos não é o de « fazer política » no sentido que hoje comummente se vai dando a esta expressão. Os sindicatos não têm o carácter de « partidos políticos » que lutam pelo poder, e também não deveriam nunca estar submetidos às decisões dos partidos políticos, nem manter com eles ligações muito estreitas. Com efeito, se for esta a situação, eles perdem facilmente o contacto com aquilo que é o seu papel específico, que é o de garantirem os justos direitos dos homens do trabalho no quadro do bem comum de toda a sociedade, e, ao contrário, tornam-se um instrumento da luta para outros fins.

Ao falar da tutela dos justos direitos dos homens do trabalho segundo as suas diversas profissões, é preciso naturalmente ter sempre diante dos olhos aquilo de que depende o carácter subjectivo do trabalho em cada profissão; mas, ao mesmo tempo, ou primeiro que tudo, aquilo que condiciona a dignidade própria do sujeito do trabalho. E aqui apresentam-se múltiplas possibilidades para a acção das organizações sindicais, inclusive também para um seu empenhamento por coisas de carácter instrutivo, educativo e de promoção da auto-educação. A acção das escolas, das chamadas « universidades operárias » e « populares », dos programas e dos cursos de formação, que desenvolveram e continuam ainda a desenvolver actividades neste campo, é uma acção benemérita. Deve sempre desejar-se que, graças à acção dos seus sindicatos, o trabalhador não só possa « ter » mais, mas também e sobretudo possa « ser » mais; o que equivale a dizer, possa realizar mais plenamente a sua humanidade sob todos os aspectos.

Ao agirem em prol dos justos direitos dos seus membros, os sindicatos lançam mão também do método da « greve », ou seja, da suspensão do trabalho, como de uma espécie de « ultimatum » dirigido aos órgãos competentes e, sobretudo, aos dadores de trabalho. É um modo de proceder que a doutrina social católica reconhece como legítimo, observadas as devidas condições e nos justos limites. Em relação a isto os trabalhadores deveriam ter assegurado o direito à greve, sem terem de sofrer sanções penais pessoais por nela participarem. Admitindo que se trata de um meio legítimo, deve simultaneamente relevar-se que a greve continua a ser, num certo sentido, um meio extremo. Não se pode abusar dele; e não se pode abusar dele especialmente para fazer o jôgo da política. Além disso, não se pode esquecer nunca que, quando se trata de serviços essenciais para a vida da sociedade, estes devem ficar sempre assegurados, inclusive, se isso for necessário, mediante apropriadas medidas legais. O abuso da greve pode conduzir à paralização da vida sócio-económica; ora isto é contrário às exigências do bem comum da sociedade, o qual também corresponde à natureza, entendida rectamente, do mesmo trabalho.”

Laborem Exercens, 20.

Imagem: Clem Onojeghuo on Unsplash

A participação no sacrifício da cruz

«O cristão encontra na cruz a expressão máxima do amor de Deus e participa desse amor amando o próximo como Cristo nos amou. Na morte na cruz, Deus assume o ser humano em sua finitude e culpa. O Filho encarnado sofre ambas até a morte, a consequência última de uma e outra. Jesus Cristo na cruz as assume como condição de superação.

O sacrifício da cruz não é um ato de punição de Deus pelos pecados da humanidade exercido em seu Filho sob uma substituição vicária. Também não é um ato sádico do Pai nem masoquista do Filho. Deus não precisa de dor e sangue para salvar. A salvação é completamente gratuita (Rm 5, 1-21). É Deus que se sacrifica para o homem e essa doação incondicional enraíza a possibilidade do sacrifício do homem Jesus e seus seguidores como amor altruísta. Os discípulos de Cristo sacrificam-se por seu próximo com o mesmo amor gratuito com o que são amados. O que agrada o Pai é a vida toda dos cristãos em favor dos outros e a gratidão deles por sua condição de criaturas e pela salvação.

Os cristãos participam na paixão de Cristo consagrando-se apaixonadamente à vinda do reino e sofrendo as consequências. Cada um pode dizer que vive em e de Cristo crucificado, já que Cristo vive nele. A dor desempenha um papel expiatório quando é expressão de um amor que carrega o pecado do mundo. A dor inexplicável ou injusta de indivíduos e povos crucificados pela miséria e a injustiça, tem um valor salvífico simplesmente por ser sacramento do Jesus inocente, o Servo Sofredor. A mera questão dos pobres pela bondade de Deus, de forma semelhante ao grito de Jesus abandonado na cruz, faz sentido e ninguém pode silenciá-la (Mc 15, 33-34). Além disso, a dor e a sangue dos mártires que, como Jesus, o primeiro mártir, dão a vida por causa da fé e da justiça do reino, caracterizam o seguimento radical de Cristo.

O seguidor de Jesus teve que descobrir que Cristo morreu “por ele.” Diante da cruz é revelado ao cristão o seu pecado e, ao mesmo tempo, o perdão de Deus. Beijar o crucifixo na Semana Santa é uma expressão do reconhecimento da misericórdia de Cristo por uma pessoa que se sabe amada e conhecida de uma forma única e insuperável. Na experiência deste amor, o cristão conclui que quem justifica é Deus e não suas obras. A práxis messiânica (construtiva) e profética (crítica) dos cristãos é purificada na entrega sacrificada do Filho encarnado.»

Seguimento de Cristo. Enciclopédia digital Theologica Latinoamericana

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A radiomensagem de João Paulo I

Com esta fé, prosseguiremos. A ajuda de Deus não nos faltará, segundo a promessa indefectível: Eu estarei sempre convosco todos os dias, até ao fim do mundo (Mt., 28, 20). A vossa correspondência unânime e a solícita colaboração de todos aliviarão o peso do nosso múnus quotidiano. Iniciamos esta tremenda missão, com a consciência do carácter insubstituível da Igreja Católica, cuja imensa força espiritual é garantia de paz e ordem, e, como tal, está presente no mundo, sendo como tal reconhecida. O eco que a sua vida produz no mundo todos os dias é testemunho de que, apesar de tudo, ela está viva no coração dos homens, mesmo daqueles que não partilham a sua verdade e não aceitam a sua mensagem. Como disse o Concílio Vaticano II, “destinada a estender-se a todas as regiões, a Igreja entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando através de tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus, que lhe foi prometida pelo Senhor, a fim de que, por causa da fraqueza da carne, não se afaste da perfeita fidelidade, mas permaneça esposa digna do seu Senhor e não cesse de renovar-se sob a luz do Espírito Santo, até que, por meio da Cruz, chegue à luz que não conhece ocaso” (Lumen Gentium, 9). Segundo o plano de Deus, que “convocou todos aqueles que olham com fé para Jesus, autor da salvação e princípio de unidade e de paz”, a Igreja foi constituída por Ele, “a fim de ser para todos e para cada um o sacramento visível desta unidade salvífica” (Ibid).

A esta luz, pomo-nos inteiramente, com todas as energias físicas e espirituais, ao serviço da missão universal da Igreja, que o mesmo é dizer, ao serviço do mundo, isto é, ao serviço da verdade, da justiça, da paz, da concórdia, da cooperação no interior das nações e entre os povos. Exortamos, antes de tudo, os filhos da Igreja a tomarem consciência sempre mais clara da sua responsabilidade: Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo (Mt., 5, 13 ss). Superando as tensões internas, que aqui e além se puderam criar, vencendo as tentações de identificação com os gostos e costumes do mundo, e bem assim as atracções de um fácil aplauso, unidos no único vínculo do amor que deve informar a vida íntima da Igreja como também as formas externas da sua disciplina, os fiéis devem estar prontos a dar testemunho da própria fé diante do mundo: Sempre prontos a responder, para vossa defesa, a todo aquele que vos pergunte a razão da vossa esperança (1 Ped., 3, 15).

A Igreja, neste esforço comum de responsabilização e de resposta aos problemas lancinantes do momento, é chamada a dar ao mundo aquele “suplemento de alma” que de tantos lados se invoca como coisa única que pode assegurar a salvação. Isto espera hoje o mundo, que conhece bem a sublime perfeição alcançada com as investigações e com a técnica, atingindo um cume, além do qual só há a vertigem do abismo: a tentação de substituir-se a Deus com a decisão autónoma que prescinde das leis morais e leva o homem moderno ao risco de reduzir a terra a um deserto, a pessoa a um autómato, a convivência humana a uma colectivização planificada, introduzindo não raro a morte lá onde Deus quer a vida.

A Igreja, cheia de admiração e amorosamente inclinada para as conquistas humanas, pretende, por outro lado, salvaguardar o mundo sedento de vida e de amor — das ameaças que lhe estão sobranceiras; o Evangelho chama todos os seus filhos a porem as próprias forças, e a própria vida, ao serviço dos irmãos, em nome da caridade de Cristo: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo., 15, 13). Neste momento solene, queremos consagrar tudo o que somos e aquilo que podemos a este fim supremo, até ao último suspiro, consciente da missão que Cristo nos confiou: Confirma os teus irmãos (Lc., 22, 32).

No cumprimento da nossa árdua tarefa, ajuda-nos a suavíssima recordação dos nossos Predecessores, cuja amável benignidade e intrépida força nos servirá de exemplo no ministério pontifício: de modo particular, recordamos as grandíssimas lições de governo pastoral deixadas pelos Papas mais próximos no tempo, como Pio XI, Pio XII, João XXIII, que, com a sua sabedoria, dedicação, bondade e amor à Igreja e ao mundo, marcaram uma presença indelével no nosso tempo atormentado e magnífico. Mas é sobretudo para o saudoso Pontífice Paulo VI, nosso imediato Predecessor, que vai o sentimento comovido do Nosso afecto e da Nossa veneração. A sua morte rápida, que deixou o mundo atónito como os gestos proféticos de que constelou o seu inesquecível pontificado, pôs na devida luz a estatura extraordinária daquele grande e humilde homem, ao qual a Igreja deve a irradiação, que, apesar das contradições e hostilidades, conseguiu nestes últimos quinze anos, corno também a obra desmedida, infatigável e sem paragens, por Ele realizada em aplicar o Concílio e em garantir a paz ao mundo — a tranquilidade na ordem.

A primeira radiomensagem do Papa João Paulo I.

Imagem: Autumn Goodman on Unsplash

Gloriemo-nos também nós na Cruz do Senhor!

A Paixão de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é para nós penhor de glória e exemplo de paciência. Haverá alguma coisa que não possam esperar da graça divina os corações dos fiéis, pelos quais o Filho unigênito de Deus, eterno como o Pai, não apenas quis nascer como homem entre os homens, mas quis também morrer pelas mãos dos homens que tinha criado?

Grandes coisas o Senhor nos promete no futuro! Mas o que ele já fez por nós e agora celebramos é ainda muito maior. Onde estávamos ou quem éramos, quando Cristo morreu por nós pecadores? Quem pode duvidar que ele dará a vida aos seus fiéis, quando já lhes deu até a sua morte? Por que a fraqueza humana ainda hesita em acreditar que um dia os homens viverão em Deus? Muito mais incrível é o que já aconteceu: Deus morreu pelos homens.

Quem é Cristo senão aquele que no princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus: e a Palavra era Deus? (Jo 1,1). Essa Palavra de Deus se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Se não tivesse tomado da nossa natureza a carne mortal, Cristo não teria possibilidade de morrer por nós. Mas deste modo o imortal pôde morrer e dar sua vida aos mortais. Fez-se participante de nossa morte para nos tornar participantes da sua vida. De fato, assim como os homens, pela sua natureza, não tinham possibilidade alguma de alcançar a vida, também ele, pela sua natureza, não tinha possibilidade alguma de sofrer a morte. Por isso entrou, de modo admirável, em comunhão conosco: de nós assumiu a mortalidade, o que lhe possibilitou morrer; e dele recebemos a vida.

Portanto, de modo algum devemos envergonhar-nos da morte de nosso Deus e Senhor; pelo contrário, nela devemos confiar e gloriar-nos acima de tudo. Pois tomando sobre si a morte que em nós encontrou, garantiu com total fidelidade dar-nos a vida que não podíamos obter por nós mesmos. Se ele tanto nos amou, a ponto de, sem pecado, sofrer por nós pecadores, como não dará o que merecemos por justiça, fruto da sua justificação? Como não dará a recompensa aos justos, ele que é fiel em suas promessas e, sem pecado, suportou o castigo dos pecadores?

Reconheçamos corajosamente, irmãos, e proclamemos bem alto que Cristo foi crucificado por amor de nós; digamos não com temor, mas com alegria, não com vergonha, mas com santo orgulho.

O apóstolo Paulo compreendeu bem esse mistério e o proclamou como um título de glória. Ele, que teria muitas coisas grandiosas e divinas para recordar a respeito de Cristo, não disse que se gloriava dessas grandezas admiráveis – por exemplo, que sendo Cristo Deus como o Pai, criou o mundo; e, sendo homem como nós, manifestou o seu domínio sobre o mundo – mas afirmou: Quanto a mim, que eu me glorie somente na cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo (Gl 6,14).

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (Sermo Guelferbytanus 3:PLS 2,545-546) Séc.V

Imagem: Godwill Gira Mude on Unsplash

Os conselhos de Padre Cícero

Quem matou não mate mas
Quem roubou não roube mais
Romeiro de verdade
Vive na fraternidade

Jesus cristo no calvário
A Deus Pai se entregou
Vencendo a maldade
Seu amor ele provou

No exemplo de Maria
Que a todos perdoou
Da morte de seu filho
Ela nunca se vingou

Combate à injustiça
É um dever do cristão
Não é a violência
Que resolve a questão

A fraqueza do pequeno
É viver na solidão
Unidos somos forte
No amor e no perdão

Viver a fraternidade
É como água no sertão
Fecunda a semente
Do amor no coração

Ai chegar no juazeiro
Tomei a resolução
De seguir os conselhos
Do padrinho Cicero Romão

Ofereço este bendito
Ao meu padrinho conselheiro
Deu a palavra certa
Pra sair do cativeiro

Texto encontrado em Padre Cícero Romão e o catolicismo popular no nordeste brasileiro: paradigma para ação pastoral da atualidade.

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Domingo de Ramos

«La entrada triunfal de Jesús en Jerusalén, la Ciudad Santa expresa la manifestación como Rey y como Mesías. Mateo observa en la presencia del asna atada con su borrico al lado (v. 2) el cumplimiento de la profecía de Zacarías (v. 5). El asno, que fue una antigua montura de príncipes,10​ fue sustituido más adelante, en la época de la monarquía israelita, por el caballo, que representa mejor una manifestación de poder (cfr 1 R 5,6; 10,26-30; etc.). Por eso, la profecía de Zacarías, con el asno, daba el significado de que Jesús venía como un rey de paz que triunfa no con armas ni violencia, sino con humildad y mansedumbre.

Los Santos Padres han visto en este episodio un simbolismo: el asna madre representaría al judaísmo, sometido al yugo de la Ley, mientras que el borriquillo sería la gentilidad. Jesús introduce a unos y otros en la Iglesia, la nueva Jerusalén. Como a los personajes importantes de hoy se les extiende una alfombra a la entrada de un edificio, los discípulos y la multitud alfombran la entrada de Jesús en su ciudad (vv. 7-8). Y le aclaman como el Salvador: la palabra hebrea Hosanna tuvo en un principio ese sentido, una súplica dirigida a Dios: «¡Sálvanos!». Luego, fue empleada como grito de alegría para aclamar a alguien y es similar a la exclamación más actual de «¡Viva!». La muchedumbre manifiesta su entusiasmo gritando: «¡Viva el Hijo de David!». Se entiende así que la Iglesia haya recogido estas aclamaciones en el prefacio de la Santa Misa, pues con ellas se pregona la realeza de Cristo: «Ha sido costumbre muy general y antigua llamar Rey a Jesucristo, en sentido metafórico, a causa del supremo grado de excelencia que posee y que le encumbra entre todas las cosas creadas.11​

Así se dice que reina en las inteligencias de los hombres, no tanto por el altísimo y sublime grado de su ciencia, cuanto porque «Él es la Verdad» y porque los hombres necesitan beber de Él, de sus palabras y de sus hechos y recibir obedientemente la verdad. Se dice también que reina en las voluntades de los hombres, no sólo porque en Él la voluntad humana está entera y perfectamente sometida a la santa voluntad divina, sino también porque con sus mociones e inspiraciones influye en nuestra «libre voluntad» y la enciende en nobilísimos propósitos. Finalmente, se dice con verdad que Cristo reina en los corazones de los hombres, porque con su supereminente caridad y con su mansedumbre y benignidad, se hace amar por las almas de manera que jamás nadie —entre todos los nacidos— ha sido ni será nunca tan amado como Cristo Jesús». 12​13​

Los sinópticos y Juan establecen que Jesús supo que había gente en el área, como Simón el Leproso, así que pudo haber argumentado que la presencia del borrico había sido organizada por los discípulos de Jesús. El evangelio de Juan, no obstante, simplemente dice que Jesús encontró el borrico. Juan y los Sinópticos establecen que Jesús entonces montó al borrico (o en Mateo al borrico y a la burra, madre de este), dentro de Jerusalén. Los sinópticos añaden que los discípulos pudieron poner sus capas en el animal, haciéndolo así más confortable. Los Evangelios describen cómo Jesús entró a Jerusalén y cómo la gente alfombraba su camino y también cómo dejaba a un lado pequeñas ramas de árbol.14​

La gente también cantaba una parte del Libro de los Salmos, específicamente los versículos 25-26 del capítulo 118. …Bendito es el que viene en el nombre del Señor. Bendito es el enviado del Reino de Nuestro Padre [David]… El lugar de esta entrada no está especificado, pero se supone que tuvo lugar en la Puerta Dorada, desde donde se creía que el Mesías entraría a Jerusalén, otros estudiosos piensan que el lugar fue hacia el sur, pues tenía entrada directa hacia él.»

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Liberdade, um nome transitivo

«Maria mostra, pois, que a liberdade é compromisso com e para os outros. A liberdade se realiza na solidariedade ou não é verdadeira liberdade.

Sem o respeito do outro, mais, sem a promoção do outro, a liberdade se perde e leva à perdição.

De resto, é justamente o caráter social da pessoa e, por consequência, de sua liberdade como liberdade-com, que funda a ideia de democracia. Esta nada mais é que a forma institucional da liberdade, vigorando na esfera da política.

Além disso, pelo fato de a liberdade só se realizar como liberdade-para, a verdadeira democracia é solidariedade, partilha e atenção privilegiada ao pobre. Donde a ideia de democracia ligada à de “socialismo”.»

(Clodovis Boff. Mariologia Social, p. 421)

Sobre nomes transitivos: Complemento nominal – São como objetos dos “não verbos”