Uma breve história do tempo

Meu computador é a melhor coisa do mundo. Através dele eu pude entender, por exemplo, por exemplo, porque motivo, quando olhamos para o céu, olhamos para o passado.
Quando você vê uma estrela, você está vendo a luz que ela emitiu. Como ela está muuuito longe, leva muuuito tempo para que a luz chegue aqui. Uma estrela que você vê agora pode nem existir mais.
Um exemplo mais claro e concreto? No meu micro, eu clico em fechar o windows media player, abrir o firefox e digito www.google.com.br. No exato momento em que fiz tudo isso, uma estrela emitiu um facho de luz. A luz emitida neste momento somente chegará aqui lá por 3051, mais ou menos. E, dois minutos depois que esse facho de luz (emitido agora) chegar à terra, o meu computador terá finalmente fechado o windows media player, aberto o firefox e carregado a página do google.
Não é incrível?!? Meu computador está em ressonância com as mais distantes estrelas do universo!!

E não é só isso: meu micro está destinado a ser histórico. As gerações futuras terão, graças ao meu computador, uma oportunidade única de ver como funcionava a informática em idos de 2007 – ao vivo!! E, assim, meu nome será inscrito na História, devido a este meu legado às futuras gerações. E tudo porque o meu computador é lento, lento, lento.

Tristeza calma

Acho que é isso que se sente quando se está triste, quem sabe uma depressão básica (fico feliz em saber que, pelo menos nesse ponto, sou uma pessoa bem moderna), mas que não é nada desesperadora, não chega a me atar, não chega a me derrubar.

Era para mim ver minha vida e me desesperar, me perder, entrar em parafuso, tudo o que perdi, o que nunca tive, o que não tenho perspectivas de ter, o que não vivi, o que não descobri, o que esqueci, e o que não deveria ter lembrado.

Vi tudo isso, até um pouco claramente demais, demasiado lucidamente, mas o peso do mundo, desta vez, não pesou sobre mim, não dobrou os meus joelhos nem me obrigou a me arrastar por aí.

Eu não possuo disciplina o suficiente para levar adiante meus projetos. Tenho uma coleção de começos e deficiência de fins. Meus troféus são as faixas de inauguração. Muitas primeiras vezes, poucas últimas.

Eu preciso me apaixonar constantemente. Recentemente revi Cristiane F., e me sinto ela – minha heroína é me apaixonar. Só tem a vantagem de não ser ilegal. Não é difícil estar em um estado constante de paixão, mas acabei de me desapaixonar por motivos de saúde (meu deus, será que Cristiane F. era sobre mim?) e, por enquanto, não tenho forças nem perspectivas de me apaixonar de novo.

Onde foi que ouvi que quem pensa não casa?

Eu acho que penso demais. Sou uma pessoa impulsiva. Consigo conciliar muito bem estas duas condições antagônicas. Eu penso, penso e penso. Aí vou e faço exatamente (mas com uma precisão milimétrica) o que pensei e concluí que não deveria fazer. E descubro que realmente não deveria ter feito. Não tenho aquele tipo de impulsividade de quem, quando vê, fez sem pensar. Eu penso antes, e faço como se não tivesse pensado em nada. Mesmo que eu tenha planejado antes, eu traio todos os meus planejamentos. Impulsivamente.
Sou como aquelas pessoas que entram em uma loja de cristais e ficam sete horas se movendo com cuidado, sem bater em nada. Aí, na saída, se vira para pegar o chapéu e derruba uma prateleira inteira.
Acho que levei a sério demais essa história de “o que importa é o caminho, e não a chegada”. Pouco pragmatismo e muitas flores no caminho. Tenho que ser mais inglês, mas north-american, mais empresarial, tenho que ler menos literatura, ler ainda menos do que leio em geral, e perseguir meus objetivos doa a quem doer.

Minha vida teve meia-dúzia de fases depois da infância.

Vim de um período bem bobão, onde a bobice consistia em não perceber que os lugares onde eu estava não eram para mim. Sabe quando você sai de um lugar e se dá conta “putz, fiquei sobrando há horas e não percebi”? Espero que você não saiba. Mas é assim que eu me sinto em relação a este período.

Depois, veio a minha fase underground. Tudo era ruim, tudo era triste, tudo chato, nada nunca estava bom, nenhuma perspectiva, eu não queria nada e nada me faltava. Mas havia mais lucidez. Era um clima pesado, mas de um peso inexplicavelmente leve.
Li a Insustentável Leveza do Ser, uma vez. Será mesmo que o peso é negativo e a leveza, positiva? – era o que se perguntava o livro.

Depois, minha fase cristã. O cristianismo (catolicismo, protestantes, pentecostais, etc) até tem coisas boas. Basicamente, tem pessoas muito bem intencionadas, sensíveis às mazelas e alegrias alheias, e dispostas a tornar todo mundo feliz.
O problema do cristianismo é que o cristianismo é um underground disfarçado. Na minha fase dark, eu sabia muito bem onde pisava – eram pântanos, mas eu enxergava o lugar. Na fase cristã, permaneci no mesmo lugar, mas olhava para um céu que não estava lá, mas que eu esperava que estaria. Esse é, eu acho, pelo menos um dos problemas do cristianismo: você não é feliz por viver, por ver flores, por amar alguém; você somente é feliz porque a vida, as flores, o amor e a pessoa que você ama são obra de deus. Somente deus deixa você feliz, e você tem que acreditar, acreditar, imaginar, esperar, acreditar em algo que um dia virá. Você é feliz por uma promessa – mas nada do que existe hoje, agora, o sol dessa tarde, as cores daquela árvore, nada disso é bonito ou válido por si, e sim por causa de deus. Eu continuava tão dark quanto antes, mas apenas não queria enxergar isso. E, para não ver isso, eu acreditava em um futuro inventado que, por mais que seja possível, é somente uma possibilidade entre tantas outras – seria o mesmo que deixar de trabalhar contando com o prêmio da mega-sena (“um dia meus números saem”…)

Deixei o cristianismo sem deixá-lo, depois. Reneguei tudo, mas já não conseguia enxergar mais nada. É impressionante como é possível perder o mundo concreto de vista. Aprendi a viver de esperanças, e a vivê-las como se fossem reais. Mas nunca mais precisei me mover, pois já tinha o que queria: era muito feliz em esperar.

E, independente da fase onde eu estivesse, eu sempre aprendi a contar somente comigo – somente eu estive do meu lado quando eu precisei. Sempre. Aparentemente as pessoas pressentem essa minha autosuficiência (mas ninguém percebe que é uma autosuficiência falsa?) e não se preocupam, então, em estar ao meu lado. E, assim, continuo contando sempre somente comigo. É um caminho sem volta, como o tempo, uma queda ao ar livre, ou o curso de um rio.

Pelo menos, neste ambiente estranho em que estou agora, nessa conhecida tristeza sem o desespero, consigo ver. Se é para alguma coisa durar, que seja isso então – essa lucidez, seja lucidez do que for.

Fernando Pessoa

Poema em linha reta
Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Os versos acima, escritos por Fernado Pessoa sob o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro “Fernando Pessoa – Obra Poética”, Cia. José Aguilar Editora – Rio de Janeiro, 1972, pág. 418,

e foram roubados daqui

Il Dulce

Uma amiga minha está apaixonada por um cara. Não sabemos – pelo menos nem eu nem ela – se ele gosta dela mas é tímido, gosta dela mas é burro, gosta dela mas não está emocionalmente preparado para assumir uma relação séria (uma madrugada de discussões sobre esta possibilidade e, na minha opinião, a mais provável), gosta dela mas não de monogamia, gosta dela mas inexplicavelmente é capaz de se acertar com ela, ou não gosta dela (a segunda alternativa mais provável, na minha opinião). Volta e meia eles ficam juntos, e ela passa duas ou três semanas feliz como se fosse natal. Depois, volta toda a deprê no estilo “seu guarda eu não sou vagabundo, não sou delinquente…” e debates intermináveis sobre ele.

Até aí, é a história do mundo (uma pessoa ama outra e não é amada) ou a base de praticamente toda a literatura, pelo menos. Nada de novo.

Mas a menina tem uma segunda paixão, que é uma amiga dela com quem ela ficou mas não quis continuar a sei lá eu quanto tempo atrás porque estava apaixonada pelo cara, o mesmo pelo qual ela ainda é. A menina dava em cima dela até não poder mais, até que ela também se apaixonou por um outro cara e vive com ele de maneira meio turbulenta e apaixonada.

Agora, noventa e dois anos depois, a minha amiga decidiu que é melhor tentar esquecer o cara. E, nesta busca por outro amor (eu juro que estou em tratamento para minha pieguice) só aparecem caras toscos nas mãos dela – muito bonitos, muito galantes, mas do tipo “ah, tu não quer me dar, então vou dizer prá todo mundo por aí que eu te comi e depois de larguei prás traças!”. Uns partidões…

Mas volta e meia aparecem umas meninas pelas quais ela fica meio caída e com algumas, às vezes, ela troca olhares carregados de sedução e paixão e um dia eu me perguntei, depois perguntei para ela “fulana, porque tu não tenta namorar uma menina?”

Claro que, eu estando de fora do problema, fiquei pensando principalmente nos aspectos práticos da situação: as candidatas – as que eu conheço, pelo menos – ou seja, as meninas que possivelmente ficariam com elas são, na maioria, de confiança, mais até que os caras que ela anda pegando por aí (eu faço esforços estelares para não concluir que homem não presta, a começar pelo fato de que isso é muito preconceituoso – mas está muito difícil). Quer dizer, muito mais prático, menos arriscado, e sem risco de engravidar porque estourou a camisinha (sim, eu sei que estou forçando, mas não deixa de ser um argumento – alguém disse que argumentos toscos não valem?, e é para o bem dela).

“Mas a minha mãe me mataria!” – quem é precisa de novela?!? Basta a vida real…

Por essas e por outras que o fascismo das pessoas me irrita. Sei lá, não tenho filhos e podem dizer que é por isso que eu penso assim, mas se um filho meu vem e me diz “Olha só, eu vou entrar no seminário para ser padre” (o que para mim seria o equivalente do que, para muitas pessoas é “eu sou homossexual”), só o que eu posso dizer é “vai e seja feliz, pode contar comigo”. Só porque eu abomino uma coisa não significa que outras pessoas, nem que fossem meus filhos, precisam abominar. Se quer ser padre, entrar para o PFL, formar uma banda gospel, ler Paulo Coelho, tudo bem. Eu não quero um mundo sem padres (queria só que não fosse ilegal enviá-los todos para a Groelândia só de batina), sem o PFL, sem o Pauo Coelho (pelo menos, as pessoas lêem) (poderiam ler bulas de remédio também, mas vá lá), sem o Faustão. Eu apenas acho tudo isso tosco, mas deixa as pessoas fazerem isso.

Por isso, aliás, essa coisa toda me irrita profundamente. Mesmo que homossexualidade fosse doença – só para ficar em apenas um argumento absurdo – é a vida alheia, droga. Mas aí alguém pode me dizer “vivemos em comunidade, a vida alheia é importante sim”. Mas só é importante quando afeta a mim.
Se o meu vizinho decidir criar baratas ao ar livre na casa dele, isso me afeta e eu vou fazer o possível e o impossível para impedi-lo disso, porque é óbvio que as baratas vão passear na minha casa. Mas se ele criá-las presas (e muito bem presas, eu espero), seria igualmente nojento, mas isso seria lá com ele. E nem esse exemplo serve, porque o problema das baratas é que elas são nojentas e podem subir (puta merda, que horror) em cima de mim. Mas duas pessoas se beijando na rua são duas pessoas se beijando na rua, e não baratas: quem não gosta somente precisa virar a cara.

Acho que fascismo ainda é motivo para bombardeios aéreos, e isso era o que deveria ser feito em casas de pessoas fascistas. Se bem que isso também seria uma atitude fascista. Mas aí entra o velho problema da liberdade: se somos livres, uma pessoa não tem o direito de ser fascista? Bom, sei lá, mande-os para a Groelândia, então (junto com os padres, he, he, he).

Vovó Mafalda

Eu tenho um computador? Tenho. Eu tenho uma placa de rede cheia de nomes em inglês? Tenho. Eu tenho um modem roteador, com um cabo que o liga na placa de rede e outro que o liga na luz? Tenho. Eu tenho energia elétrica em casa? Tenho. Eu tenho sinal de DSL? Tenho. Eu tenho um provedor de DSL? Tenho. A conta da Brasil Telecom está em dia? Sim. A conta do provedor de DSL está em dia? Sim. Eu consigo usar a DSL? Não.

Só me falta o nariz de palhaço, agora – porque o resto eu já tenho.

Cito Vovó Mafalda:

Que horas são, criançada? (ou era o Papai Papudo que dizia isso?)

Slogan 3

Eu, que sempre reclamo de quem precisa se apoiar nos outros, faço o mesmo.
Pois, sem assunto que estou, dedico o meu tempo a esculhambar argumentos alheios contra o aborto. Claro, o aborto é uma questão muito mais profunda do que argumentação e contra-argumentação. É, muitas vezes, uma questão de sofrimento (ou de escolher qual sofrimento, enfim).
Mas estamos na internet, e, nesse espaço, não sei do que haveria de melhor para fazer.

Slogan 3: O feto é parte do corpo da mulher

Um slogan outrora vulgar mas hoje mais esquecido diz que: “O bebê faz parte do corpo da mulher. O aborto mata uma parte do corpo, um parasita.”
Este slogan parece ter muitas falhas:

1. Com igual legitimidade se poderia dizer: “O bebê dentro da incubadora faz parte da incubadora. Matar o bebê dentro de uma incubadora é matar uma parte dela, matar um parasita”.

2. “Um astronauta num foguetão é parte do foguetão. E como ele precisa do foguetão para sobreviver pode ser eliminado a gosto do dono do foguetão, tal como o bebê dentro do útero pode ser eliminado a gosto da dona do útero.”

3. A questão é que uma pessoa não deixa de o ser pelo fato de estar dentro de um espaço limitado de alguma forma. O astronauta é uma pessoa e os seus direitos resultam disso. Como um astronauta não deixa de ser pessoa quando está no espaço, não perde por isso nenhum dos direitos das pessoas. Na lógica abortista, o bebê na incubadora é um ser humano pessoa e por isso não-executável. Os seus direitos resultam do que ele é e não do sítio onde está. O mesmo se aplica ao bebê não nascido: poderá ser morto pelo que é e não pelo sítio onde está. E o que é ele? E porque não tem ele direito à vida? Sobre isto o slogan diz nada.

4. Se levarmos uma célula da mãe e uma célula do filho a um especialista em genética, ele dir-nos-á, facilmente, que se trata de células de dois seres humanos diferentes. Convém repetir: não é a célula de uma pessoa e outra célula de um macaco, ou de um tumor, ou de um parasita. Tão pouco ele dirá que são duas células do mesmo ser humano. Nada disso: são as células de dois seres humanos diferentes. A gravidez é uma forma diferente de pegar num bebê ao colo. Pode-se pegar num bebê com os músculos dos braços ou com os músculos do abdomen. Pode-se alimentar o bebê ao peito ou por transferências através da placenta. Mas os músculos que sustentam o bebê ou o mecanismo físico que o permite alimentar, são eticamente irrelevantes. O que conta é o que ele é, e sobre isso o argumento diz nada.

5. As partes do corpo da mulher não têm todas o mesmo valor. Uma pessoa que corta as unhas a outra, dificilmente poderia ser punida por isso, e qualquer mulher pode pedir que lhe cortem as unhas; quem cortar um braço a outra pessoa poderá ou não ser punido por isso e, se houver necessidade, a mulher poderá pedir que lhe cortem o braço (para a curar de um tumor, por exemplo); é duvidoso que um médico possa cortar um braço, a pedido da mulher, sem que haja necessidade da amputação; quem tira o cérebro a uma mulher será punido de certeza, ainda que lho tenha tirado a pedido da vítima. Neste quadro, e ainda que se aceite que o bebê faz parte do corpo da mãe, onde se coloca o bebê? Será uma parte protegida ou será uma parte sem proteção? É uma das partes do corpo à disposição da mãe, uma das partes que ela pode pedir que lhe tirem sem problemas, ou é uma parte protegida que não pode ser tirada nem com o consentimento da mulher? Sem esclarecer estes pontos o slogan vale nada: limita-se a tentar iludir a questão sem lhe responder. Em primeiro lugar, reduz um ser humano à parte de outro; e depois sugere que a mulher pode dispor dessa parte com a liberdade com que dispõe das unhas. Ou seja, o slogan faz duas simplificações que não consegue provar.

6. Mas ainda que o bebê fosse parte do corpo da mulher, teria sempre de ser considerada uma parte muito especial: afinal nenhum rim, coração ou fígado salta para fora de uma pessoa e em poucos anos começa a escrever poemas. E será que esta diferença não torna o bebê diferente das unhas, do apêndice ou de um tumor?

7. Este argumento não permite justificar os abortos por cesariana, posto que neste caso se mata o bebê quando já não está ligado à mãe. Assim, teríamos o absurdo máximo: pode-se matar o bebê embora nem todos os métodos sejam aceitáveis. Ou seja, o direito à vida resulta não do que o bebê é mas da forma usada para o matar. Imagine o leitor que a sua vida só está protegida no caso de o matarem com um tiro; no caso de o matarem com uma faca, o leitor já não tem direito à vida nem a sua morte é crime. Uma teoria curiosa! E se há alguma forma de justificar o aborto por cesariana, porque não se usa esse argumento em vez de recorrer a “o bebê é parte do corpo da mãe”?

8. Se tudo que se disse está errado, se o bebê for mesmo parte do corpo da mãe, e se daí resulta que a mãe o pode matar, então pode-se abortar ao longo de toda a gravidez! Logo, ou o slogan está errado, ou o aborto é aceitável durante os nove meses. Então, porque se legaliza só até ás dez semanas? Com que base se nega ás mulheres um direito seu: o direito a abortar até aos nove meses?

Texto menos “malandro” do que o outro, mas que, mesmo assim, ainda tenta ter alguma ginga.
A idéia do “slogan” é que um feto é parte do corpo de uma mulher, e uma mulher pode dispor das partes do seu corpo como bem entender (isso me lembra duas músicas: uma eu não lembro de quem é, mas a letra é algo como “Se eu quero me estragar me estrago muito bem, se eu quero descansar descanso o que é que tem?, se eu quero me quebrar me quebro até cansar, se eu quero me mexer me mexo até a hora de parar“, e uma outra da Simone que é mais ou menos “quero ser assim, senhora das minhas vontades e dona de mim” – me lembrei de outras músicas, mas nenhuma que tenha algo a ver com o texto…).

No início do texto, iguala-se essa idéia a coisas como “um bebê dentro da incubadora faz parte da incubadora” ou “um astronauta dentro de um foguete faz parte do foguete”. Tosco.
Uma mulher não é uma incubadora e nem um foguete: primeiro, não conheço nenhums mulher construída pela NASA, e nem alguma que você possa ligar e desligar segundo suas conveniências (ou será que existem pessoas que desejam mulheres assim?); segundo, comparar um feto a um parasita não é degradante para o feto (olha a que ponto chegamos…). Caso o autor do texto não saiba, ele tem parasitas dentro do seu intestino sem os quais morreria.

Mas a questão central écaracterizar o feto como parte do corpo da mãe. E realmente ele faz parte do corpo da mãe. Qualquer pessoa adulta tem o seu corpo formado pelas coisas que come. Mas um feto forma-se a partir do material que retira do corpo da mãe – ou de onde mais as células que se reproduzem retirariam material para constituirem-se? A diferença do feto, como o texto bem coloca, é que o feto é uma parte que, se deixar, sai para fora e começa a desenvolver-se de maneira independente (“independente” em termos: eu, por exemplo, ainda preciso de ajuda financeira da minha mãe – atenção, isso é uma piada.) “Independente” porque, depois que desmama, o corpo do bebê se constitui a partir da comida que ele come, e não mais do sangue da mãe, ou do leite da mãe. Mas, dentro do útero, o feto depende do corpo da mãe.

Aí, o que este texto quer provar? Que um feto é uma parte do corpo de uma mulher do qual a mulher não dispõe como as outras partes. Com base em quê? Com base em que um feto é uma parte do corpo do qual a mulher não dispõe como as outras partes. Deu para entender?
É como se eu dissesse “você tem ir lá porque eu quero”, e você me perguntasse “mas porque eu tenho que fazer o que você quer?” e eu respondesse “porque eu quero”.

Santo Anselmo, antes de ser santo, foi filósofo. E uma das suas realizações foi ter concebido um argumento “infalível” para a existência de deus: deus é perfeito; um dos pré-requisitos básicos para que um ser seja perfeito é que ele exista; logo, deus existe e não pode não existir – do contrário, não seria perfeito. Acontece que, realmente, o pré-requisito para que algo seja perfeito é que esse algo existe. Mas só se diz que deus é perfeito porque se pressupõe que ele exista – e é isso que se quer provar. Primeiro deus tem que existir, para depois ser considerado perfeito.

O que o Santo Anselmo faz é deslocar a certeza: ele não tem mais certeza da existência de deus, mas tem certeza da perfeição de deus. Mas para ter certeza da perfeição de deus, é necessário que deus exista. Talvez fique melhor explicando de outra maneira. Eu estou, neste momento, comendo um Chandelle (é sério mesmo, estou comendo um Chandele. Só não ofereço porque não tem mais). Como eu posso saber que esse Chandelle existe? Não sei, eu não tenho mais certeza de que ele existe. Mas sei que é gostoso. Bom, mas um chandele, para que possa ser gostoso, tem que existir. Logo, eu tenho certeza de que o Chandele existe.

Essa é a esperteza do argumento teológico de Santo Anselmo: eu não sei se tal coisa existe, mas sua qualidade existe – logo, sei que a tal coisa existe.

A argumentação que o texto – sim, voltamos ao texto do “slogan” nº 9 – faz segue a mesma lógica: uma mulher não dispõe do feto dentro de seu corpo porque o feto não está a disposição da mulher como qualquer outra coisa em seu corpo. Porquê? Porque não é e ponto.

Aí ficamos assim: o texto bate o pé nesse ponto, e eu bato o pé que discordo.

Acontece que a gravidez, na sociedade humana, é uma situação que não tem paralelo em nenhuma outra situação. A comparação que o texto faz com o bebê na incubadora ou o astronauta dentro do foguete é tosca porque nada se compara a esta situação. Um feto é a única coisa dentro do corpo de qualquer pessoa que pode vir a se tornar gente.

A questão, aí, vira outra.

Uma gravidez é um fato sem paralelo algum, sem nada com o qual se possa comparar. Temos somente a situação em si: uma mulher carrega um possível ser humano (“possível” porque terá que, no mínimo, nascer). Mas vamos melhorar a situação para os pró-vida: vamos aceitar, por um momento, que o feto é tão gente quanto a gente – pessoalmente, não sei se é ou se não é, mas vamos considerar que sim. Bom, um feto é o único tipo de pessoa que depende de outra pessoa para sobreviver. É diferente de um filho de deszoito anos que não tem grana para pagar suas contas: um feto precisa de outra pessoa até mesmo para formar o seu corpo, precisa de outro corpo para retirar, deste corpo, material para si. E uma mulher grávida é o único tipo de pessoa que dispõe seu corpo para outra pessoa alimentar-se dele.

O que está em questão é: qual das duas vidas tem a preferência? Não é o mesmo que decidir a preferência entre uma pessoa e seu assassino em potencial, ou decidir se, em um prédio em chamas, vão ser salvas primeiro as mulheres ou as crianças. Se trata de uma pessoa que tem outra dentro de si. E qual dessas pessoas tem preferência?

Infelizmente, esse é o principal indício de que vivemos em uma sociedade machista. Quem tem a preferência, ainda, é o ser vivo dentro do corpo da mulher, e não o ser vivo que contém o feto.

Por mais que seja uma vida que está dentro de uma mulher, aquela vida ainda é uma semi-vida, porque a mulher é a condição para que aquela vida possa desenvolver-se. É o pré-requisito para que aquela vida possa desenvolver-se. Mas o fato de possuir essa capacidade, não obriga qualquer mulher a usá-la. O que a sociedade faz é privilegiar o feto em detrimento da mãe. Uma mulher é plena de direitos até que engravidade: grávida, seus direitos são menos importantes do que os do feto.

Este que é – e isso é uma opinião – o absurdo da proibição do aborto: você perde seus direitos automaticamente para outra pessoa. Os próvida, então, apelam emocionalmente: “pobre do feto, idefeso dentro da barriga de uma mulher”. Mas esta é a condição de qualquer feto, ou, se se quiser, de qualquer ser humano nesta fase da vida: sua vida está sob total controle do corpo onde o seu próprio corpo se desenvolve.

Uma mulher não pressupõe necessariamente um bebê, mas um bebê pressupõe necessariamente uma mulher. E os próvida tentam, incessantemente, inverter essa lógica, dizendo que uma mulher pressupõe, necessariamente, um bebê!!! Eu não sei se é só para mim que fica claro que, assim, voltamos à condição da mulher como uma fábrica de bebês – ou seja, uma mulher somente tem valor na medida em que pode gerar crianças. É por isso que os fetos acabam tendo mais direitos do que as mães. É como se, ao ver uma mulher, as pessoas vissem somente bebês em potencial – ou como se uma mulher se resumisse aos seus óvulos e toda a coisa reprodutora associada.

Quando uma mulher quer abortar, trata-se de um conflito de quem tem mais direitos dobre o corpo da mãe: o feto (representado pela boa sociedade cristã que somos) ou a mulher?

A principal premissa, enfim, dos pró-vida da vida, é que o feto é uma pessoa. Mas eles esquecem que a mãe também é uma pessoa, e uma pessoa pressupõe um corpo, e, sobre um corpo, alguém tem poder. O que eu acho é que o poder sobre o corpo de uma mulher deveria ser não do feto (e, por extensão, de toda a sociedade, já que é a sociedade quem diz a uma mulher: “você não pode fazer isso!”), mas, sim, o poder sobre o corpo da mulher deveria ser da própria pessoa em questão.

Textão

Total falta de assunto há dois miutos atrás. Mas a internet, essa senhora maneira, me ajudou.

Há muito tempo atrás, eu devia ter uns 14 ou dezoito anos (a ordem cronológica da minha vida é constantemente violentada pela minha memória), quando eu estava sem assunto, eu entrava em um site “pró-vida” que apregoava coisas do tipo “a homossexualidade é um crime pior do que o assassinato” ou, em uma cartilha para jovens, recomendava que o casal de namorados deveria manter-se sempre à vista de outras pessoas (para evitar tentações), não devia se beijar, nem pegar muito nas mãos (de preferência, nem se tocarem), e fazer uma oração e um exame de consciência antes e depois do namorico. Respeito a opinião alheia, mas me dou o direito de ridicularizá-la – se eles escrevessem que desejam que o mundo seja assim, ok, mas recomendar isso, de maneira séria, é uma piada, pelamordedeus; se bem que deve existir gente que leve esse tipo de piada a sério… – me dou o direito de ridicularizá-la se achá-la ridícula. E nem adianta me ridicularizar de volta: já me ridicularizaram tanto na vida que possuo uma tolerância bastante alta à ridicularização – meus detratores criaram um monstro praticamente imune à ridicularização. He; he; he; bobocas.

Voltando aos meus hábitos de outros tempos, eu fazia isso para me irritar – eu só escrevia movido à irritação (a irritação era a minha benzedrina, seja lá o que for isso, mas alguns escritores só escreviam movidos a isso). Me irritava profunda e desesperadamente lendo aquelas coisas – e outras do tipo “o feminismo retira da mulher a sua maior glória e realização: cuidar da casa, do marido e dos filhos”… Mas eu me tornei uma pessoa mais calma, acho. Às vezes esse tipo de coisa me irrita, em outras vezes, eu somente me surpreendo com a inocência das pessoas que dizem esses disparates. Acho que consigo entender o que jesus sentia quando disse “perdoa-os, eles não sabem o que fazem”. É como você ver um cachorrinho correndo atrás do próprio rabo. O cachorrinho fazendo isso chega a ser comovente de tão burrinho que é, e no caso de quem faz aquele tipo de afirmações reproduzidas ali em cima, seria também comovente e adorável, se não fosse tão nocivo.

Como eu estava sem assunto, resolvi lançar mão do mesmo recurso de outrora (viu só como eu sei escrever bonito? Consegui juntar, em uma mesma frase “lançar mão do mesmo recurso” e “outrora”!!): ir no google e digitar alguma coisa como “feminismo”, “aborto” ou “homossexualidade”. No caminho até algum site muito idiota, se acha muita coisa interessante (como http://colectivofeminista.blogspot.com/, por exemplo), mas muita mesmo. Felizmente, ao que parece, tem mais coisas interessantes do que coisas retardadas. Mas sempre há alguma idiotice nova no ar. Mas dessa vez não fiz isso para me irritar. Foi só para achar algum assunto, e até me diverti com as “Falácias dos slogans pró-aborto” (humor negro, claro), no site do Portal da Família. Aí eu resolvi escrever sobre o texto deles. Não vou indicar o site, se você queiser, me peça por e-mail, mas não vou fazer propaganda do endereço do site aqui.

O que eles fizeram? Pegaram 20 argumentos utilizados em defesa do aborto e “explicaram” porque eles são falácias (grupos “pró-vida” adoram o termo “falácia”, vá entender…), mentiras, enganos, engodos.

Eis o texto da Falácia nº 9 – Impor a Moralidade:

Outro slogan vulgar postula o seguinte: “Proibir o aborto é legislar moralidade. Pessoalmente sou contra o aborto, mas não posso impor as minhas convicções morais aos outros”. E o slogan companheiro deste é assim: “Nosso país é um Estado laico, há separação entre a Igreja e o Estado. Logo não se pode legislar moralidade, ou fazer leis de base religiosa”.
Sobre isto diga-se o seguinte:

1. “Proibir a escravatura é legislar moralidade. Pessoalmente sou contra a escravatura, mas não posso impor as minhas convicções morais aos outros”. “A Igreja proíbe a escravatura. Como nosso paísé um estado laico não se podem fazer leis de base religiosa. O Estado não pode proibir a escravatura sob pena de estar a violar a separação de poderes”.

2. “Proibir o infanticídio é legislar moralidade. Pessoalmente sou contra o infanticídio, mas não posso impor as minhas convicções morais aos outros”. “A Igreja proíbe o infanticídio. Como Portugal é um estado laico não se podem fazer leis de base religiosa. O Estado não pode proibir a infanticídio sob pena de estar a violar a separação de poderes”.

3. “Proibir a violação é legislar moralidade. Pessoalmente sou contra a violação, mas não posso impor as minhas convicções morais aos outros”. “A Igreja proíbe a violação. Como nosso país é um estado laico não se podem fazer leis de base religiosa. O Estado não pode proibir a violação sob pena de estar a ferir a separação de poderes”.

4. “Legalizar o aborto é impor a moralidade de alguns aos outros. Pessoalmente sou a favor da legalização, mas não posso impor a minha moralidade aos outros.” “Como nosso país é um estado laico, só podem existir leis de base ateia”.

5. Como se vê estes slogans valem nada. Todos eles ignoram que o fundamental de uma lei é saber se é justa ou não. A proibição de matar é uma lei justa ou uma imposição moral? A proibição de roubar é uma lei justa ou uma ofensa à separação de poderes?
6. Se não se pode impor a moralidade, como poderão ser as leis? Imorais?

7. Por trás deste slogan está uma cascata de preconceitos. A saber, a)moralidade é religião; b)todas as religiões são iguais; logo, c) todas as morais são iguais. Mas se tudo isto é verdade, que base existe para punir o seguidor de um culto satânico que faz sacrifícios humanos?

8. Não se pode dizer que, por exemplo, se os africanos são contra o racismo, então toda a pessoa que luta contra o racismo é africana. Do mesmo modo, não se pode dizer que se as religiões têm sistemas morais, toda a moral é religião.

9. Basta que uma religião proíba um determinado ato, para que os Estados fiquem proibidos de o proibir, sob pena de estarem a violar a separação entre Igreja e Estado? Será preciso que a Igreja aprove o homicídio para que o Estado o possa proibir? Ao proibir o homicídio, Igreja e Estado fazem a sua obrigação. Ao permitir o aborto, o Estado foge à sua obrigação.

10. Além do mais, a proibição do aborto é uma questão moral muito sui generis. Concordam na proibição do aborto pessoas que devem estar de acordo em muitas poucas questões mais. Seguem-se algumas pessoas de primeiro plano, dentro dos grupos a que pertencem, e que defendem a proibição do aborto:

Metodistas: Paul Ramsey, Stanley Haverwas, Albert Outler, Donald Wildmon;
Luteranos: Richard Neuhaus, John Strietelmeir;
Judeus: Rabbi Chaim Lipschitz, David Novak, Hadley Arkes, David Bleich, Baruch Brody, Nathanson (agora convertido ao catolicismo).
Ateus: Nat Hentoff, Christopher Hutchins.

11. Na questão do aborto não está em causa saber qual a fonte, a origem ou a legitimidade para fazer leis. O Estado já faz leis. O que interessa saber é porque se julga o Estado com legitimidade para proibir o infanticídio e não se julga com legitimidade para proibir o aborto. Por que não é a proibição do infanticídio uma imposição da moralidade enquanto o aborto o é? Será pelo fato das vítimas serem essencialmente diferentes? Mas onde está a diferença?

12. Ainda que tudo isto fosse falso, o resultado é que o slogan referido permite defender o aborto até aos nove meses posto que não há nada nele que impeça a legalização do aborto em qualquer ponto da gravidez. Logo, ou o slogan está errado ou aceitamos o aborto até aos nove meses.

Bom, o “slogan”mencionado parte da idéia de que não se pode estender a proibição do aborto a todas as pessoas com base na alegação de que apenas algumas acham o aborto imoral. Ou seja, não é porque A não deseja abortar que B precisa deixar de abortar. Mas aí eles mencionam outro “slogan”: o de que não se pode proibir o aborto somente porque a igreja proíbe, pois o estado é laico.
O que eu quero dizer disso é tão simples que chega a ser difícil.
O “slogan” que eles querem denunciar como falácia é a idéia de que se eu não gosto que façam comigo, nada impede que você faça com você. Mas aí o texto anuncia um “slogan companheiro deste”, que é a idéia de que o estado não pode proibir o aborto simplesmente porque a igreja proíbe.
É uma jogada muito boa do texto igualar as duas idéias. Mas o “slogan companheiro” é uma idéia que pode, realmente virar uma falácia, mas somente quando uma pessoa quer que o Estado sempre contradiga a igreja, como quem dissesse “se a igreja diz que o domingo vem depois de sábado, o estado tem que dizer que o sábado vem depois do domingo”, ou seja, fizesse birra.
O texto faz o quê? Aponta o absurdo que seria defender que o estado deve sempre contrariar a igreja. Mas fala isso como se falasse do “slogan” que diz se eu não gosto que façam comigo, nada impede que você faça com você.
O texto quer fazer parecer que quem defende que eu não posso impor minha moral aos outros está defendendo que o estado deve sempre contrarias a igreja.
Mas essa jogada do texto somente é possível igualando o “slogan” ao “slogan companheiro”, e, ainda por cima, igualando o “slogan companheiro” a uma birra.

Vou tentar me explicar mais claramente. Existe a idéia de que eu não posso impor minha moral aos outros. Aí o texto diz que defender essa idéia é o mesmo que defender outra idéia, a de que o estado não pode impor preceitos cristãos às pessoas. E diz que quem defende a segunda idéia, defende que o estado precisa sempre contrariar a igreja.

Mas defender a idéia de que eu não posso impor minha moral aos outros é uma coisa. Outra coisa é entrar no caso da relação entre a igreja e o estado. Quando se defende a separação entre igreja e estado, não se está atacando a moral da igreja, nem dizendo que ela é feia: simplesmente se está dizendo que as decisões do estado não podem ser determinadas pela igreja. Até mesmo seria absurdo uma pessoa defender o estado laico e dizer que o estado é laico quando contraria a igreja – nesse caso, a igreja ainda estaria determinando as decisões do estado. Estado laico significa que a opinião da igreja não determina a opinião do estado.

Aí o textinho vem com essa: “Por que não é a proibição do infanticídio uma imposição da moralidade enquanto o aborto o é? Será pelo fato das vítimas serem essencialmente diferentes? Mas onde está a diferença?” Esse trechinho supõe que matar uma criança seja o mesmo que fazer um aborto – mas essa é uma idéia defendida pela igreja, é uma opinião da igreja – até onde eu saiba, a sra. Ciência não definiu ainda se um feto é tão gente quanto uma criança, aliás, a sra. Ciência ainda não conseguiu explicar o que é vida, nem definir o que é “ser humano“, portanto, ainda não é possível dizer se um feto tem o mesmo estatuto, o mesmo status de uma criança. Ou seja, o que o texto faz é dizer que a posição da igreja é pressupor uma opinião da igreja como se fosse uma verdade indiscutível, e, com base nessa pressuposição, afirmar que quem se opõe ao infaticídio deve posicionar-se também contra o aborto.

Enfim, o que o texto do Portal da Família faz é distorcer uma idéia para dizer que essa idéia é um engodo. Ou, falando nos termos deles, o que eles fazem é criar uma falácia para chamar uma idéia não-falaciosa de falácia.

Porquê…

… meu computador mostra coisas como “Associação ILGA Portugal”?
… meu computador agora só funciona deitado de lado?
… meu computador é assim?
… eu faço perguntas desse tipo?
… eu não tenho tempo para escrever sobre coisas sérias mas tenho tempo de escrever esta listinha de perguntas?
… eu gosto tanto de listas?
… eu não vou dormir?

Um doce para quem souber as respostas.

Fascismo

FACISTA adj. (Do it. fascista, de fascio, feixe.) 1. Que se refere ao fascismo ou a um regime análogo. – 2. que traduz tendências diatoriais e vioentas. / adj. e s. m. e f. 1. Partidário ou simpatizante do fascismo, de um regime ditatorial. – 2. Que ou aquele que impõe uma autoridade arbitrária, ditatorial e violenta aos que o circundam.

São seis da manhã, minha internet é discada e, como eu levei meia hora só para copiar isso da enciclopédia, eu não vou poder escrever nada do que eu queria.
Mas me assusta muito que ainda existam muitas pessoas fascistas no mundo. Embora eu tenha esperanças de que seja pura paranóia minha.

Técnicas

Eu acho que realmente tenho uma maneira muito estranha de lidar com as coisas.
Por exemplo: eu me apaixono, e percebo que não rola, não vai dar certo, no way. O que eu faço? Ao invés de me afastar, ou pagar para ver e dizer o que eu sinto, como qualquer pessoa normal (tenho braços, uma boca, pernas, essas coisas todas relativamente comuns em seres humanos – trata-se de outras anormalidades) faria, eu me aproximo do grande amor da minha vida, e convivo com ele.
A minha lógica é mais ou menos a seguinte: se eu me apaixono, eu quero conhecer essa pessoa (entre outras coisas). E, conhecendo essa pessoa, eu descubro motivos que fazem com que eu perceba que, por mais que eu tenha me apaixonado, não daria certo. Claro, eu não sei ainda o que fazer com as coisas que fazem com que eu sinta que daria certo, mas nem todo plano é perfeito. Mas eu já estou me enjoando um pouco. Pelo menos, me enjoando com a idéia de ficar chorando pelos quatro cantos a minha dor. Me dei mal inúmeras vezes na vida, mais uma ou menos uma eu já nem sinto tanto assim. Quer dizer, sinto tanto quanto qualquer outra vez, mas não fica mais tão difícil de lidar com a situação, isso não me derruba mais tão facilmente, ou, pelo menos, não por tanto tempo.
Não é como se meu sistema imunológico tivesse finalmente aprendido a me proteger de amores complicados/impossíveis/sem futuro/etc, mas ele aprendeu a, pelo menos, se recuperar mais depressa, reerguer a guarda toda mais rapidamente.

Sal Paradise

Primeira coisa: eu entro de férias, e poucos dias depois, o raio da internet discada pára de funcionar.

Segunda coisa: quando faltam menos de dez dias para eu voltar das férias, eu abro meu computador, deito ele de lado, não mexo em nada, e a internet volta. Quando eu tiver um carro, se ele parar de funcionar, eu espero que ele volte a funcionar quando eu deitá-lo de lado. Meu rádio, meu celular, as lâmpadas da minha casa, também.

Terceira coisa: é assustador você abrir sua caixa de email e ver um bilhão de emails não lidos. Tenho quase certeza de que 999.999.990 são spams, 3 são correntes, 4 devem ser mailing-lists (como deve ser isso em português?), e outros três devem ser coisas importantes. Amanhã eu vejo, não tive coragem hoje…

Quarta coisa: na falta de internet, assisti a todas as três temporadas disponíveis na locadora de Gilmore Girls. Sorte que eu conheci esse seriado antes de conhecer cocaína, porque agora eu já tenho um vício caro do qual eu não posso me livrar, e não preciso mais querer experimentar cocaína para ter um vício caro do qual eu não posso me livrar – cada um com as suas coisas decadentes.

Quinta coisa: é uma vergonha que eu precise estar de férias e sem internet para ler decentemente um livro, mas: como eu estava de férias e sem internet, resolvi ler decentemente um livro chamado On The Road (que, no Brasil, foi traduzido por Pé Na Estrada, mas acho que até mesmo no Brasil deve ser mais conhecido por On The Road). O livro é todo cheio de significados importantes, como ter sido um precursor da tal geração beat, dos hippies, do movimento punk, inspirou David Bowie, pessoas que o leram quando foi lançado largaram tudo e foram fazer as coisas que leram no livro, etc, mas mesmo assim é um livro legal. Odeio livros com significados importantes. Mas o pior é que a maioria deles são bons mesmo. Vou me retificar, então: odeio significados importantes para livros. Mas, rabugices minhas à parte, o livro é bem a cara dos tempos modernos mesmo. A maneira como foi escrito, as experiências que narra, são bem o tipo de coisas que ainda vigoram com força atualmente. A única coisa que ninguém falou desse livro é que, pelo menos até a página em que eu li, é um livro sobre homens e suas experiências. Nisso ele não é nada inovador e mantém tudo como está.

Sexta coisa: citação de uma frase legal do livro: “mañana, uma palavra adorável que provavelmente quer dizer paraíso.” (capítulo 13)

Oitava coisa: alguém no mundo leva mesmo a sério esses marcadores para os posts??

Música

Tango do Covil

Ai, quem me dera ser cantor
Quem dera ser tenor
Quem sabe ter a voz
Igual aos rouxinóis
Igual ao trovador
Que canta os arrebóis
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Deixa eu cantar tua beleza
Tu és a mais linda princesa
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser doutor
Formado em Salvador
Ter um diploma, anel
E voz de bacharel
Fazer em teu louvor
Discursos a granel
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
Tu és a dama mais formosa
E, ouso dizer, a mais gostosa
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser garçom
Ter um sapato bom
Quem sabe até talvez
Ser um garçom francês
Falar de champinhom
Falar de molho inglês
Pra te dizer gentil
Bem-vinda
És tão graciosa e tão miúda
Tu és a dama mais tesuda
Aqui deste covil

Ai, quem me dera ser Gardel
Tenor e bacharel
Francês e rouxinol
Doutor em champinhom
Garçom em Salvador
E locutor de futebol
Pra te dizer febril
Bem-vinda
Tua beleza é quase um crime
Tu és a bunda mais sublime
Aqui deste covil

No dia em que eu namorar, pode ser que ela queira casar comigo, e pode ser que eu aceite.
Mesmo com tantas contingências (se eu namorar, se ela quiser casar, se ela aceitar), eu já estou pensando nas possíveis músicas do casamento, para sugerir. Essa aí é uma delas.

Paranóia??

Eu assisto a uma sériezinha, dessas bem no estilo enlatado norte-americano, que, resumindo, tem como assunto uma agente secreta da CIA, chamada Sidney Bristow, que precisa enfrentar mil coisas para – salvar o mundo, que é tudo o que os EUA fazem. Mas a série é legal. É uma mistura de MacGyver com uma rave e novela mexicana, com muitos segredos revelados, gente morta que não morreu, de repente se descobre que fulano não é filho de quem pensava, e quem menos se imagina é irmão de alguém.

Apesar de gostar, existem muitas coisas que eu critico nessa série (que se chama “Alias – Codinome:Perigo”… Tosco, mas é legal). Uma das críticas que eu sempre fiz é o seguinte: eles sempre estão às voltas com algum tipo de arma secreta que pode comprometer a vida de milhares de pessoas. E eu me irrito com isso, porque é muita paranóia. Imagine que as pessoas estão inventando armas a toda hora!! Maluquice da série, falta de assunto.

Mas não é que no jornal El país noticia isto?: “Estados Unidos ha desarrollado un revolucionario sistema para repeler enemigos: el Active Denial System emite ondas de calor, que son invisibles y que penetran en la ropa del enemigo, provocando una sensación de subida de temperatura en el cuerpo“. Na mesma matéria, explicam que a coisa não mata, e que até é muito melhor do que bala, menos perigoso e tal.

Ah, convenhamos!!! Se fazem uma arma que pode aumentar a temperatura do meu corpo a 500m de distância, eu vou acreditar que A) essa arma não pode ser usada a distâncias maiores (qual a distância entre o Iraque e os EUA?), e que B) a potência da arma não pode ser aumentada para me torrar feito uma pipoca de microondas???

Eu nunca acreditei seriamente em teorias da conspiração, essas coisas todas cheias de comunidades no orkut. Mas dessa fez, fiquei com medo.

Maria de Verdade

Marisa Monte

Composição: Marisa Monte

Pousa-se toda Maria
no varal das 22 fadas nuas lourinhas
Fostes besouro Maria
e a aba do Pierrot descosturou na bainha

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, louco mover paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

Sou a pessoa Maria
Na água quente e boa gente tua Maria
Voa quem voa Maria
e a alma sempre boa sempre vou à Maria

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, louco mover paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

Tou vitimado no profundo poço
na poça do mundo
do céu amor vai chover
Tua pessoa Maria
Mesmo que doa Maria
Tua pessoa Maria

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, louco mover paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

Tou vitimado no profundo poço
na poça do mundo
do céu amor vai chover
Tua pessoa Maria
Mesmo que doa Maria
Tua pessoa Maria

***

Farinhar bem, derramar a canção
Revirar trens, locomove a paixão
Nas direções, programado e emoldurado
Esperarei romântico

eu sempre encontro essa letra como “revirar trens, louco mover paixão”. Mas, para mim, é “revirar trens locomove a paixão”.
Sei lá, às vezes se precisa revirar trens para locomover a paixão. Não digo como uma imagem: trabalhar um dia inteiro é um trem. Conviver é um trem, uma locomotiva. E às vezes revirar esses trens, deixá-los do avesso, derrubar, descarrilar, são coisas necessárias para locomover a paixão – que também é um trem. E um trem bão, por sinal.