Coisas

Volto atrás. Assumo que eu sou assim. Inconstante. Ou fraquejante. Ou capaz de voltar atrás. Virtudes ou falhas de caráter? Não sou pessoa virtuosa, nem acho que existam caráteres falhos e outros mais completos. Minhas prisões são outras – por isso, minhas liberdades também.

Mas não volto atrás em tudo, somente no fim de blog. Em outras coisas também, mas não vale a pena citar tudo. Ainda sustento que palavras são coisas inúteis, e que as pessoas somente estão interessadas em fuder com as outras no pior sentido que se possa dar para “fuder”.

Acontece que palavras são coisas inúteis para as outras pessoas. Ou, pelo menos, para certas outras pessoas. Para mim, não são inúteis. Já não sou mais tão criança a ponto de dar às palavras valor de verdade, mas também não vou dar inutilidade à palavra. É, ou talvez seja, uma questão de gosto.

As pessoas somente estão interessadas em fuder com as outras no pior sentido. Bom, eu não. Vou partir da minha perspectiva. Tosca, fracassada, mas é onde estou, e não onde me colocaram.

E, convenhamos, é mais provável que seja o caso de eu ter conhecido as pessoas erradas. Nem todas as pessoas que conheço são assim (poucas, mas valem por todo o resto e ainda sobra troco).

E o problema não é parar (com o blog) em si. O problema é parar por causa dos outros. Eu não posso esquecer: se eu não me controlar, outra pessoa o fará. Não é a cachorrice alheia que vai me fazer parar o blog, o sorriso, a vida ou o que quer que seja. Confiei, apostei e perdi? Eu sou as minhas moedas, e recolho da mesa o que sobrou de mim. Nem sempre sobra muito, mas sempre resta minha mão para me puxar, ou meu pé para me afastar, ou minha cabeça para pensar, ou meu olho para ver por onde eu posso sair. Só apanhei porque vivi, e não quero ficar resmungando de novo porque me passaram a perna.

Eu não me encolho diante de um golpe. Se não há mais solução, deixo cortar um pedaço de mim, e invento mil outras partes em outros lugares. Ou me regenero mais forte ainda. Ou qualquer outra coisa, menos me amarrar em uma pedra para evitar ceder à tentação de viver. Tudo o que se faz tem consequências, e eu não fiz curso de contabilidade para fazer muitos cálculos. Vou me fuder muito ainda, provavelmente (não que eu queira), mas não quero me esconder por trás das outras pessoas.

Enfim, ando só, pois só eu sei, prá onde ir e por onde andei.

Sem idéias de título para este post

Eu gosto de uma coisa em mim (além de algumas outras, claro): eu esqueço. Não é um esquecimento generalizado, guardo muitas coisas, muita porcaria, até, mas outras eu esqueço. Eu não faço a menor idéia do que eu escrevi aí embaixo, porque não lembro mais. Por isso, posso estar me repetindo. Mas vá lá.

Esperei, você disse que vinha. Desci, me afastei da música e fiquei na calçada. Eram cinco da manhã. Às seis fecharam as portas do lugar onde estávamos. Pensei que talvez você estivesse entre os retardatários. Os donos do lugar saíram e fecharam as portas. Será que lhe esqueceram no banheiro? Esperei. Talvez você tivesse saído sem que eu percebesse – mas voltaria, eu tinha certeza. Afinal, nós combinamos. Lá pelas sete e meia o céu já estava claro. E resolvi desistir.

Algum tempo depois, tive de ouvir de você coisas que nem parentes meus falariam a mim – e eu não tenho lá muito respeito dos meus parentes.

Tempos depois, estávamos indo, como sempre fizemos, até a sua casa. No meio do caminho, você me perguntou onde eu estava indo. Eu respondi. E você me perguntou “mas quem foi que te pediu isso? Você está indo porque quer.” Eu disse tchau e fui embora.

Há pouco tempo, no supermercado, eu esperei você descer. Muitas sacolas prendendo a minha circulação. Mas acendi um cigarro. Encontrei conhecidos. Acendi outro cigarro. Todas as pessoas que já estavam ali na frente quando eu cheguei já tinham ido embora, e algumas que chegaram depois já tinham ido. Fui embora.

Você me disse várias vezes “não se apegue”. Ouvi você. Só penso que “apegar-se” é diferente de “respeitar”. Se eu não conhecesse você, tudo bem. Mas conheço, e sei que você respeita as pessoas. Porque eu não mereço respeito? Não sei. E já não me interessa mais. Aí você aparecesse na minha casa e me pergunta se eu fiquei de cara por você não ter aparecido no outro dia, no mercado. Eu digo que sim. E assim ficamos.

Eu só gostaria de um pouco de respeito. De consideração. Claro que não posso exigir.

Eu não sei bem o que quero dizer, o que sinto. Conheço pessoas para quem eu não valho nada, e existem pessoas que não valem nada para mim. Nos ignoramos, ou nos tratamos apenas educadamente se não nos ignoramos. Mas nunca nenhuma dessas pessoas quis conviver comigo.

Não me importo de não valer nada para alguma pessoa – mesmo que eu goste dela. Tenho mais o que fazer. E justamente por ter mais o que fazer que eu me sinto – como em todos os meus finais – mais trouxa do que ontem e menos trouxa do que amanhã.

Só posso lhe agradecer por tudo. Valeu.

Ópera e coisas dramáticas afins

Divergência. O que sou e o que sinto. Divergência. Meu corpo e o que sinto. Divergência.
Isso implica em que eu não seja uma pessoa bem-resolvida. Porque possuo uma divergência interna. Basicamente entre meus sentimentos e todo o resto de coisas minhas. Eu estou em duas instâncias diferentes. Isso é a base do platonismo.

Meus sentimentos deveriam surgir de mim. A partir do meu corpo, do meu ambiente, e das minhas necessidades, os meus sentimentos deveriam concordar com tudo isso.

Mas discordam. Meu corpo, principalmente, me insere automaticamente em determinados grupos, também permite que se pressuponha determinado horizonte de atitudes, idéias, e posições que eu assuma. Minha primeira revolta, portanto, é contra meu corpo. Mas essa revolta é o tipo de revolta mais nociva de uma pessoa. Lutar contra o próprio corpo.

“Existem coisas das quais não se pode fugir. Ninguém escapa. Ninguém. Cada vida tem o seu tango – e cada tango, tem o seu preço”: esse é um trecho de uma música de um grupo de humor, mas o fato de ter sido escrita por humoristas não faz desse trecho uma piada. Não se escapa do corpo e das convenções sociais sobre ele, e nem das expectativas sociais sobre ele. Meu corpo me pertence (ao menos em tese), mas não posso impedir que ele seja uma barreira intransponível para o resto do mundo. Nem mesmo eu consigo superar essa barreira…

Eu li Sartre pela primeira vez aos 14 anos. “Li” é modo de dizer, mas me inteirei dos assuntos e das opiniões dele. “As pessoas estão condenadas à liberdade”, não possuímos regras de como viver, do que é certo, errado, justo, injusto, bom, mau, nada. Simplesmente isso. Estamos aí, e vamos levando. Isso foi, na época, libertador. Quando você tem 14 anos e tudo parece conspirar contra você, isso é libertador. Ao menos para mim foi. Hoje isso é uma coisa cinza. A liberdade, para mim, pesa. Por teimosia, ainda defendo-a. Mas ela não tem mais o brilho e a festa que tinha nos meus 14 anos. Cabeça-dura que sou, eu deveria me convencer de que o mundo é assim mesmo e eu tenho mais é que me preocupar não com a liberdade de quem quer que seja, mas com a minha. Vamos ver quanto tempo ainda dura minha teimosia.

De Sartre para Simone de Beauvoir foi um pulo. “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Dito em outras palavras, escritas com uma faca na mesa em um filme, “não há destino”. Isso é muito alegre, até é mais libertador do que o que li de Sartre. Simone de Beauvoir falava do segundo sexo, mas, querendo ou não, falava de tudo: ninguém nasce nem o que é, nem o que não é, nem nasce querendo ser o que quer ser, nem nada. Não nascemos como uma tábula rasa, mas nada na formação psíquica de uma pessoa obriga-a a ser assim ou assado. Quer dizer: uma criança rejeitada ao nascer vai ter uma configuração psíquica bem diferente da de uma criança desejada, mas nem uma condição nem outra obriga a qualquer coisa.

O que, afinal de contas, eu quero dizer, é: SIM, você é o que você quer. E NÃO, você o que lhe permitem que seja. Ou seja: você é o que você quer dentro de um limite pré-estabelecido socialmente.

Meu problema: eu não me encaixo nos limites. Simples assim. eu poderia até permanecer dentro dos limites e ser uma coisa extravagante, estranha. O extravagante e o estranho estão dentro dos limites. Mas eu ultrapasso até estes limites.

Isso cansa dia a dia. Somado a cretinice diária das pessoas, e às pessoas conscientemente ou não nocivas que encontro, fode tudo.

E eu descobri tarde demais que McGyver era só um filme, no final das contas.

Quase-criatividade

Eu ia escrever um texto, na minha opinião muito legal, mas achei um texto da Vange Leonel que diz tudo o que eu iria dizer no meu, e diz mais coisas ainda. Minha idéia era tão boa que outras pessoas já a tiveram, e a tiveram melhor ainda…
Roubei daqui

O Clitóris Ameaçado
Cientistas acham que o clitóris tende a desaparecer nas mulheres. Vange Leonel formula, numa brincadeira quase séria, uma pequena teoria para a evolução do clitóris.
por Vange Leonel

nota da autora: esta minha teoria não tem nenhuma pretensão acadêmica apesar dos dados e informações apresentados serem todos extraídos de estudos científicos sérios, através de fontes primárias e secundárias. Trata-se mais de um pensamento inspirado lançado à rede para estimular as mentes críticas de nossas leitoras…


Mas por quê, afinal de contas nós mulheres possuímos um clitóris? A primeira explicação vem rápida e ligeira: ora, para nos dar prazer! Só que essa justificativa não é suficiente para os Darwinistas de plantão. Para esse tipo de estudioso há apenas duas explicações possíveis para qualquer característica física em um ser vivo: ou o traço em questão favorece o sucesso reprodutivo e competitivo daquela espécie ou então é mero resquício de algo que no passado teve alguma função evolutiva e hoje não tem mais.

Nesse caso, patas mais velozes, caninos mais afiados e um pênis que fique duro para melhor penetrar a vagina de uma fêmea são, todos, traços e características favorecidos pela seleção natural, pois incrementaram o sucesso de muitos mamíferos, só para citar um exemplo. Porém, quando se trata de discutir o clitóris, a comunidade científica se divide: há aqueles que acham que o clitóris pode ter sido favorecido pela seleção natural e há os que acham que esse nosso grande pequeno órgão é apenas um vestígio de algo que um dia foi útil.

É claro que todos concordam que o clitóris é fonte do prazer feminino. Mas é que, em termos puramente ultra-Darwinianos, a mulher não precisa, tecnicamente, ter orgasmo para passar seus genes adiante. Todo mundo sabe que uma mulher estuprada e violentada pode engravidar sem ter qualquer prazer na relação – o mesmo, não acontece com os homens. Nesse sentido, o prazer masculino tem uma explicação evolutiva clara enquanto o orgasmo feminino e o clitóris permanecem um enigma, sob o ponto de vista dos Darwinianos e da seleção natural.

As Macacas

Observando nossas parentes geneticamente mais próximas, as macacas Bonobo, vários cientistas tentam descobrir pistas sobre quem fomos e como éramos logo que surgimos como espécie. A primatologista Sarrah Blaffer-Hrdy sugeriu, numa nota de rodapé de seu livro “The Woman That Never Evolved”, que os relacionamentos lésbicos entre as Bonobos poderiam ser uma maneira de reforçar os laços sociais femininos dentro de um grupo. Favorecidas pelos seus clitóris proeminentes as Bonobos, famosas por sua híper-sexualidade, têm uma facilidade enorme de travar contatos sexuais com suas parceiras. Nestes encontros as macacas estimulam os seus clitóris – que estão localizados na parte da frente do corpo, como em nós, humanas – preferindo a posição face-a-face nestas relações “lésbicas” (quando copulam com machos a posição de praxe é de quatro e de costas). Desta maneira, o clitóris teria um função primordial no contato de uma fêmea com outra (relação frontal e estímulo direto dos clitóris), sendo menos importante no contato de uma fêmea com um macho.

Assim, constatamos que o clitóris têm uma função clara quando se trata de sexo “lésbico” entre as primatas. Mas qual a vantagem reprodutiva que uma relação estéril entre macacas pode trazer? Ora, levando-se em conta que todas as Bonobos são basicamente bissexuais e, portanto, procriam, Blaffer-Hrdy chegou à conclusão que uma macaca, ao ampliar a sua rede de alianças com outras fêmeas (através do sexo lésbico), diminuía o risco de ter a sua prole ameaçada por ataques de outros indivíduos do grupo. Além de virem em sua defesa na ocasião de um ataque, essas fêmeas-namoradas não atacariam a prole de sua amiguinha, o que é muito vantajoso pois os macacos, em geral, costumam atacar os filhos daquelas que não são suas parentes próximas e com as quais não se relacionam afetiva/sexualmente. Desta maneira, o sexo lésbico (e o sexo promíscuo com outros machos) favoreceria o sucesso reprodutivo das macacas, incrementando as chances de sua prole crescer forte e saudável sem ameaças vindas do próprio grupo. Com a vantajosa alternância de sexo lésbico e heterossexual por parte das macacas – e agora a dedução é só minha – a seleção natural pode ter favorecido o clitóris das fêmeas.

Nós, demasiadamente humanas

Bem, se esta pode ser uma explicação cabível da função do clitóris para o sucesso evolutivo das fêmeas primatas, será que podemos inferir o mesmo para nós humanas? Um detalhe parece ser significativo quando nos comparamos com as macacas Bonobo: elas têm o clitóris muito maior. O que aconteceu então com os nossos clitóris desde que nos separamos evolutivamente do ramo das Bonobo? Será que nossos órgãos diminuíram com o tempo? Pode ser.

Talvez tudo tenha começado quando nós, hominídeos, lá na pré-história, deixamos de ser uma sociedade de caça e coleta, como os macacos, e passamos a dominar a agricultura. Deixamos de ser nômades e passamos a ter um pedaço de terra para plantar – e daí, para a instituição da propriedade privada, foi um passo! Com o advento da propriedade surge a monogamia, pois a propriedade têm que permanecer dentro dos domínios da família – adeus promiscuidade! Graças a enorme diferença de tamanho entre machos e fêmeas hominídeos (que favoreceu a dominação masculina pela força) a noção de propriedade se estende também às mulheres: os homens passam a possuir suas esposas e pais negociam propriedades por filhas.

Mas o que isso tem a ver com nossos clitóris diminutos? Simples: com a instituição da propriedade seguiu-se a alienação das fêmeas da espécie humana. O patriarcado enclausurou as mulheres e as separou do contato mútuo extra-familiar. Se é verdade que o clitóris evoluiu como uma maneira de reforçar alianças femininas através do sexo lésbico, a impossibilidade física de as mulheres realizarem tais encontros fez com que, darwinianamente falando, diminuísse a pressão seletiva sobre o clitóris da mulher. Desta maneira, depois de 8 mil anos de civilização patriarcal, nossos clitóris são bem menores que os de nossas irmãs Bonobos – e nossas alianças femininas, bem mais fracas!

O caso é que, mesmo que nosso clitóris não seja um resquício vestigial e que sua explicação evolutiva seja próxima da citada acima, a previsão catastrófica é que, com o tempo, nossos clitóris tendem a desaparecer. Por isso, só nos resta lançar um grito de alerta para as mulheres de todo o planeta: SALVEM O CLITÓRIS! FAÇAM MAIS SEXO LÉSBICO!

Romance no deserto.

(No meu caso, é menos romance e mais deserto,

mas eu adoro essa música)

Eu tenho a boca que arde como o sol
O rosto e a cabeça quente
Com Madalena vou-me embora
Agora ninguém vai pegar a gente

Dei minha viola num pedaço de pão
Num esconderijo e uma aguardente
Mas um dia eu arranjo outra viola
E na viagem vou cantar pra Madalena

Não chora não querida que este deserto finda
Tudo aconteceu e eu nem me lembro
Me abraça minha vida, me leva em teu cavalo
Que logo no paraíso chegaremos

Vejo cidades, fantasmas e ruínas
A noite escuto o seu lamento
São pesadelos e aves de rapina
No sol vermelho do meu pensamento

Será que eu dei um tiro no cara da cantina
Será que eu mesmo acertei seu peito
Vem, vamos voando minha Madalena
O que passou, passou, não tem mais jeito

Naquela sombra vou armar a minha rede
E olhar os solitários viajantes
Beber, cantar e matar a minha sede
Lá longe onde tudo é verdejante

Não chore não querida que este deserto finda
Tudo aconteceu e eu nem me lembro
Me abraça minha vida, me leva em teu cavalo
Que logo no paraíso estaremos

O padre vai rezar uma prece tão antiga
Domingo na capela da fazenda
Brinco de ouro e botas coloridas
Nós dois aprisionados nesta lenda

Ouço um trovão e penso que é um tiro
A noite escura me condena
Não sei se vivo, morro ou deliro
Depressa pegue a arma, Madalena

Tem uma luz por traz daquela serra
Mira, mas não erra minha pequena
A noite é longa e é tanta terra
Poderemos estar mortos noutra cena

Não chora não querida que este deserto finda
Tudo aconteceu e eu nem me lembro
Me abraça minha vida, me leva em teu cavalo
Que logo no paraíso dançaremos

Punhal de prata

Geralmente, escrevo por ter vontade, quase necessidade de escrever. Claro que a escrita possui muitas vantagens, como seu efeito terapêutico, o exercício da escrita, o exercício da articulação das idéias… Mas todas estas vantagens são secundárias comparadas à vontade que sinto de escrever. Se escrever não trouxesse vantagens, ou, mesmo, trouxesse desvantagens, eu seria uma pessoa doente, se acabando por causa da escrita, como qualquer dependente químico.

Assuntos surgem: alguns eu considero importantes, se não escrevesse sobre eles, falaria, faria música, desenharia, qualquer coisa; outros são apenas ocasiões para se escrever; e existem aqueles que não precisariam ser escritos, mas escrevo na falta de outros assuntos. Certas coisas, porém, eu não gostaria de escrever. Simplesmente porque nõ gostaria de ter acesso a essas coisas. Quer dizer, por mais inútil que seja um assunto, se eu escrevo sobre ele é porque tenho acesso a ele. Você somente escreve sobre algo que, de alguma maneira, aconteceu com você. O tipo de experiência que você teve pouco importa para a escrita. Talvez importe para a sua credibilidade, ou para a maneira como você escreva. Mas não para a escrita – se não fosse assim, não teríamos A Terra das Mulheres ou Admirável Mundo Novo.

Bom, quero apenas dizer que desta vez não sei se escrevo devido a minha necessidade de escrever, se tendo em vista os fins terapêuticos da escrita, ou se escrevo apenas porque, no momento, é o que me resta. Ainda por cima tenho que escrever sem citar nomes de pessoas ou de instituições, nem de cidades, nem de nada, porque esse blog é para ser anônimo (se bem que as pessoas envolvidas naquilo que já escrevi aqui, se lerem, dificilmente não saberão quem eu sou, mas, enfim, não sirvo muito para viver em esconderijos – se bem que este aqui está durando).

A questão é que trabalho com funcionários públicos. Ganho mal e trabalho muito, embora eu ganhe mais e trabalhe menos do que alguém que exerça a mesma função em uma empresa privada.
No funcionalismo público você encontra gente de todos os tipos: desde gente muito boa até gente muito ruim. Mas mesmo as pessoas ruins são, não sei como dizer, aproveitáveis: conheci gente desgraçada, mas de quem eu pude aprender alguma coisa. E tem as pessoas doentes. Gente invejosa.
Se uma pessoa me disser que sente inveja da Gisele Bündchen, ou do Bill Gates, por exemplo, eu acharia idiota, mas compreensível: se o seu sonho é o dinheiro do Bill Gates, ou, em caso de maior ambição, a beleze e o dinheiro como o que tem a Gisele, terá inveja. Não atenua a paspalhice d inveja, mas compreende-se. Agora, ter inveja de gente ralé como você, ter inveja de um colega que ganha praticamente o mesmo, é sinal de que você é uma pessoa muito podre e medíocre. Mais podre do que medíocre, se é que é possível. Pessoas assim são frieiras, cheiram como carne podre mas ainda viva, pois carne podre e morta, mais cedo ou mais tarde, pára de cheirar mal; se o mau cheiro vem da sujeira, basta lavar. Mas uma carne podre ainda viva, cheira mal enquanto o sangue correr por aquela podridão toda, e não há como lavar, o cheiro, a podridão é inerente àquela carne.
Uma das pessoas que trabalham comigo é assim. A outra é quase, mas sabe aquele tipo de vilão do qual você tem pena, afinal de contas? Como o cangaceiro do Auto da Compadecida: gente desgraçada por força das circunstâncias.

Mas não é dessas pessoas que quero falar. É de gente limpinha, bonita, simpática, que nunca lhe prejudicou, e o que está fazendo, você sabe que está fazendo honestamente com o coração na mão.

O que mais me incomoda são várias pessoas sorrindo para você, sendo simpáticas, amáveis, fazendo você até pensar “puxa, estou sendo agradável”.
Eu às vezes acho muito pesada a minha lucidez. Mas não a troco pela ilusão de pensar que sou agradável quando não sou. Prefiro que uma pessoa aponte o dedo para mim e diga que não gosta de mim do que… enfim.
Não gosto que as pessoas armem para cima de mim pelas minhas costas. Prefiro que me chutem diretamente. Não gosto de armadilhas. Não gosto de, de repente, ver levantarem a cortina e dizerem “tchãrãããn!!”. Não gosto de surpresas premeditadas pelas outras pessoas. Evito a paranóia, e não gosto quando a estimulam.
Sinto que talvez essa seja a única maneira de me estimular a ser filha-da-puta. E eu odeio filhadaputice – ainda mais quando me obrigam a agir assim.

Acho que estou escrevendo demais sobre nada.

Mas eu só queria deixar registrado que, cada vez mais, minha tendência a não confiar nas pessoas, em ninguém, ou talvez somente um pouco em pouquíssimas pessoas, cada vez mais essa tendência se reforça. Cada vez mais eu sinto que eu devo evitar ao máximo ter uma relação de proximidade, ou de convivência, com quem quer que seja, porque quanto mais você conhece uma pessoa, mais você descobre algo nocivo. Cada vez mais me convencem que essa conversa de ter uma relação saudável com os outros é papo-furado, e você deve ser como o príncipe de Maquiavel: dissimular ternura, e disseminar seu poder sobre as pessoas, dominá-las, para que ninguém venha lhe derrubar. Cada vez mais eu percebo que ficar no meu canto não basta, e que eu preciso realmente começar a atacar, viver em estado de guerra permanente, não baixar a guarda nunca. Já vivi assim e é difícil, cansativo e muito solitário. As pessoas não têm a obrigação de serem legais só porque eu acho que as pessoas têm de ser legais. Mas eu também não tenho a obrigação de esperar sempre que me ataquem, e cada dia mais eu vejo que eu é quem devo começar a atacar antes que me façam qualquer coisa, como se qualquer pessoa na rua fosse minha arqui-inimiga.
Me parece, cada dia mais, que a frase “o homem é lobo do homem” não é uma triste constatação, mas um aviso, um dos melhores avisos que alguém pode ouvir.

Lamentações e muxoxos

Eu gostaria de não ser uma pessoa essencialmente ridícula. Não patética. Ridícula.
Não gostaria que o meu corpo tivesse um formato mais engraçado do que qualquer outra coisa. Aliás, eu gostaria de ter um corpo que me permitisse vestir qualquer coisa sem ficar com cara de piada. Não que eu ficasse bem vestino qualquer coisa. Mas que eu não precisasse escolher minhas roupas com a meticulosidade de quem escolhe uma casa a cada vez que vai sair.

Eu gostaria que as pessoas respeitassem “dor de cabeça”, “mau-humor sem motivo”, “vontade de não falar nada” quando fosse comigo, da mesma maneira que eu respeito quando é com os outros. Tudo bem que a minha natureza não me serve como desculpa para ações incompreensíveis, mas me colocar em um grupo de pessoas e não me respeitar simplesmente porque querem que eu faça parte desse grupo – e assim me tratarem como se eu fizesse – é um tormento diário.

Eu gostaria de saber porque quando eu ando na rua homens me olham com um interesse que, dependendo do meu humor, oscila entre o repugnante e o intrigante para mim. E gostaria de saber porque que quem eu quero que me olhe não me veja, ou me olhe como se eu fosse um pequeno espetáculo grotesco e curioso. Acho que também gostaria de ser menos um pequeno espetáculo grotesco e curioso – mas eu também me acho assim muitas vezes.

Eu gostaria de me tornar imperceptível, caso não haja saída. Se algum dia isso acontecesse, tudo bem, mas não desejo ser uma pessoa radiante e bela que desperta um olhar agradável de todas as pessoas na rua. Gostaria apenas que, se for para me perceberem de uma maneira que me cause repugnância ou vergonha, então que não percebam que estou ali. Se eu for em um supermercado, espero que a caixa me perceba; se eu fizer “ei, psiu!”, espero que me percebam, também. Mas falo de quando se está andando na rua, e você sente os olhares das pessoas sobre você. Preferia que eles simplesmente não se dirigissem a mim se forem para ser como são. E gostaria de ter dinheiro para comprar roupas menos esmaecidas e acinzentadas. Acho que vou começar a me vestir somente de preto e branco.

Eu gostaria de não ser uma pessoa com um humor tão oscilante. Às vezes saio na rua com uma segurança incrível, e em outros dias, saio como se fosse um gato, com medo, sem jeito, como se tivesse aprendido a andar ontem. Gostaria de ter essa constância de humor que vejo nas outras pessoas, que, por mais que sejam algumas delas pessoas com as quais eu absolutamente não concorde, admiro essa capacidade de serem ordinariamente previsíveis – quer dizer, sei lá que reações teriam em situações inusitadas, mas no dia a dia, mantêm sempre um comportamento medianamente igual ao de sempre.

Eu gostaria de não questionar tanto tudo. Eu questiono e, como ainda não cheguei a nenhuma resposta, não tenho certeza de nada. Isso faz com que eu sempre esteja em cima de uma corda bamba, pois não consigo acreditar no hábito. Isso às vezes é difícil.

Acho até que às vezes eu gostaria de ser uma pesoa um pouco mais conservadora, um pouco mais tradicional, que eu tivesse um pouco mais de respeito pelas leis, pela tradição, pelas coisas respeitáveis que todo mundo respeita. Deve ser confortador para uma pessoa ajoelhar-se em uma igreja e ter a certeza de que alguém a conforta, ou pensar na Ciência e acreditar nela. Isso deve ajudar as pessoas a dormirem melhor de noite e serem mais produtivas.

Eu sei que nem mesmo eu confio em mim. Mas a verdade é que é um pouco ao contrário: eu desconfio tanto de tudo que nem em mim eu confio. Eu sei que as coisas não são estáveis, mas, por um lado, eu vejo tantas coisas estáveis à minha volta, e, por outro, vejo pessoas que têm algum tipo de estabilidade na vida: militares, padres, esposas, filhos, pais, essas coisas assim. Eu não consigo acreditar na estabilidade, estou sempre esperando o momento em que tudo acabará e recomeçará. Gosto de recomeçar sempre e sempre, mas hoje em dia minhas costas dóem, meus dentes dóem, minha cabeça dói, fumar só me dá falta de ar, beber só me causa dor de barriga e um gosto ruim na boca no outro dia, filmes são a maioria previsíveis (eu não sei o que farei quando terminar de ver todos os filmes antigos clássicos que ainda não vi), livros são raros os que valem a pena comprar (Lado B – Histórias de Mulheres é uma excessão e eu não posso passar o resto da vida comprando os livros dessa autora), e nem pizza mais é tão gostosa como era. Tudo muda, tudo passa… mas – e eu até gosto disso – mas eu às vezes canso um pouco e não consigo, sei lá, descansar.

Eu sei também que é o maior clichê-chavão-lugarcomum ficar escrevendo “eu gostaria que…” e “eu só gostaria de um pouco de paz”. Mas acho que os clichês, no fim das contas, não são clichês por acaso.

Y dale alegria, alegria a mi corazon

Te amo. Sempre que se ama, se espera que seja recíproco. Que o amor cause amor, como uma reação em cadeia. Amor que cause amor.
Mas o amor não funciona segundo as convenções que criamos para as coisas que conseguimos colocar sob o domínio das convenções. A paixão não tem sentido, e isso não quer dizer que amar seja uma coisa porra-louca, maluca, chapada. Quer dizer, simplesmente, que o amor nunca é convencional.
Uma das atividades mais desnecessárias do mundo é querer descobrir as causas da homossexualidade. As causas da homossexualidade são as mesmas causas da heterossexualidade, e as causas de ambas as coisas são a paixão. E a paixão não está no domínio das convenções.
A paixão, o amor, são coisas que estão na ordem do desejo, do gosto, do querer, do sentir. E desejo, gosto, sentimento, paixão, querer, amor, nunca são coisas convencionáveis.
Acho mesmo uma violência que algum cientista queira explicar porque uma pessoa ame outra. “Qual é a diferença entre uma pessoa homossexual e outra heterossexual?” “Qual é o gene que causa a homossexualidade?” As razões do amor não seguem as convenções. As convenções estão em um domínio, e a paixão em outro. Explicar uma coisa é torná-la convencional, e toda explicação que explique o amor já estão, por definição, errada.

Por isso é tão magnífico que duas pessoas se amem. Uma pessoa ama outra. A outra ama uma. Mas o amor de outra pela uma não acontece porque uma ama outra. E nem o amor de uma pela outra acontece porque outra ama uma. Essa é simplesmente a coincidência mais feliz do mundo.

Por isso que eu te amo mesmo sabendo que isso só pode me machucar. Porque o amor não tem explicação. Azar da minha parte que eu acabei te amando. Não é azar que eu ame, e sim que seja você quem eu amo. A paixão não tem a obrigação de deixar ninguém feliz. Quando duas pessoas se amam, ficam felizes e viva o amor. Quando somente uma pessoa ama, azar de quem ama e viva o amor.

Você não tem obrigação de me amar porque eu te amo. Nem a obrigação de merecer minha confiança. Quem deveria ter ouvido a própria intuição era eu. Erro meu, portanto. Não posso nem dizer que estou sofrendo, porque ninguém fez nada para mim. Eu não ouvi minha intuição. Só me resta desistir de todas as coisas, ou viver assim, sabendo que isso de amar, por mais que seja magnífico, não é para mim. Não por sua causa, mas você foi apenas mais uma evidência disto.

Existem pessoas que são amadas, e existem pessoas que não são amadas. Paciência. A mim ninguém me ama, e nem toda a piedade do mundo poderá resolver isso, o que é mais um motivo para que eu rejeite qualquer piedade. Aliás, esta é a única reclamação que eu poderia fazer de você: sua piedade. Se você foi capaz de trair minha confiança, foi porque não se tratava – como achei que fosse – de amizade, e sim de pena. Piedade é o sentimento mais falso e egoísta que existe, e disso você sabe muito bem. E não foi a traição da minha confiança que lhe tornou uma pessoa insuportável para mim. Foi a sua piedade.

Não posso dizer que não te amo mais, sei o quanto ainda vou sofrer por isso. Mas sei que você tem piedade por mim, e é isso que me manterá distante de você, por mais que isso doa – prefiro essa dor do que sua piedade, do que qualquer piedade, aliás.

Da minha parte,

Y dale alegria, alegria a mi corazon
Es lo unico que te pido al menos hoy.
Y dale alegria, alegria a mi corazon
Y que se enciendan las luces de este amor.

Y ya veras
Como se transforma el aire del lugar,
Y ya veras que no necesitaré nada mas.

Y dale alegria, alegria a mi corazon
Que ayer no tuve un buen dia, por favor.
Y dale alegria, alegria a mi corazon
Que si me das alegria estoy mejor.

Y ya veras
Las sombras que aqui estuvieron no estaran
Y ya veras que no necesitaré nada mas.

Y dale alegria, alegria a mi corazon
Es lo unico que te pido al menos hoy.
Y dale alegria, alegria a mi corazon
Afuera se iran la pena y el dolor.

Y ya veras
Las sombras que aqui estuvieron no estaran
Y ya veras que no necesitaré nada mas.

Fuga das galinhas

É um comentário totalmente fora de contexto (como quando eu estava falando com um amigo meu sobre o gosto que temos pelos trailers dos filmes, e eu disse que eu deixo tocar os trailers como se fosse uma fita VHS – agora vem o comentário fora de contexto – e quando o DVD tranca, eu até digo “ih, rasgou a fita!!”…), mas é que enquanto eu estou vegetando na frente do computador, estou assistindo o noticiário da globo: é impressão minha ou as simulações que a globo faz são com bonecos de massinha??
Por outro lado, o que não é programa de ficção na globo? Acho que antes de todos os programas (inclusive os noticiários) deveriam colocar aquela frase: “qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais é mera coincidência”.