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Eu devo estar em um fase de descoberta dos meus preconceitos. Um dos mais recentes é meu preconceito contra a auto-ajuda.



Esse preconceito segue uma cracterística dos preconceitos em geral: eu tenho pouca experiência com literatura de auto-ajuda (tanto que chamo de “literatura” apenas por convenção). – Claro, no que toca ao preconceito em geral, a experiência não acaba necessariamente com o preconceito; mas a falta de experiência ajuda na formação do preconceito, acho yo.



Gosto muito de ler, e recomendo isso para todas as pessoas. Mas também sei que muitas vezes a leitura pode se transformar em deixar que um livro ou um autor pense pela própria pessoa. Se alguém quer outra pessoa pensando por si, tudo bem, seja feliz. Mas eu não gosto disso.



Pessoas cultas, eruditas, sábias, podem muito bem estabelecer esse tipo de relação com os livros: conhecer todo o pensamento de Kant, Sartre, Kafka, Machado de Assis, Clarice Lispector, e não pensar nada próprio. Claro que é difícil estabelecer o que seria um “pensamento próprio”, mas geralmente é fácil perceber quem vive de reproduzir verbalmente o pensamento alheio lido em um livro.



E isso, dentro da minha preconceituosa perspectiva sobre a auto-ajuda, é quase uma regra nesse tipo de leitura.



“Auto-ajuda”, para começar, deveria ser um movimento iniciado pela própria pessoa. Se a ajuda vem de um livro, não é “auto”, mas – sei lá qual é o prefixo – externa. Quero dizer, é um engano que começa pelo nome do gênero literário.



Depois, uma pessoa que escreve um livro desses conhece (eu espero) a própria vida, sua própria maneira de lidar com as coisas, e tem (também espero) uma sensibilidade grande para detectar comportamentos nocivos nas pessoas. Por isso, quem escreve, escreve pensando em situações gerais, ou em soluções gerais.



A maioria das pessoas têm problemas financeiros, amorosos, de relacionamento, de emprego (entre outros), e cada esfera problemática dessas tem linhas gerais características. Além disso, existem também determinadas soluções gerais que são recomendáveis, como pensar a favor da resolução dos problemas, agir também de maneira favorável à resolução, reflexão, coisas asim.



Mas uma pessoa, por mais sensível que seja, não tem um domínio absoluto sobre situações originais nas vidas das pessoas. E, mesmo que tivesse, diferentes pessoas possuem diferentes posturas e diferentes facilidades e dificuldades nesse ou naquele tipo de atitude, de ação. O que me interessaria quem teria mexido no meu queijo se o meu problema é que não mexem nele, por exemplo?



A vida das pessoas, suponho eu, assume configurações muito pouco previsíveis, muitas vezes, e os problemas que se apresentam podem não seguir as linhas gerais da condição humana em geral (nossa, que frase profunda).



Seria mais auto-ajuda livros que fornecessem princípios de ação, ou seja, livros que possibilitassem as pessoas a se auto-ajudarem, e não que ajudem eles próprios as pessoas. Claro que, muitas vezes, as pessoas estão muito perdidas e precisam de um norte, de um conselho objetivo e direto. Mas a auto-ajuda é composta apenas e tão-somente disso, e não de princípios de auto-ajuda.



Eu não consigo esclarecer muito bem o que eu quero dizer com princípios de auto-ajuda, mas é algo, acho, semelhante a ensinar a pescar ao invés de dar o peixe. E “ensinar”, nesse caso, algo diferente de doutrinar, adestrar, que é a maneira como geralmente se dá o ensino e a educação em geral. Mas vai mais além de ensinar a pescar, e sim se trata de proporcionar às pessoas condições de resolverem seus problemas.



Em breve: novos preconceitos.





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Fios

Li um livro que é, de certa maneira, do Schoppenhauer. “De certa maneira” porque são textos dele, mas selecionados por outra pessoa. Também não interessa. Interessa é que nesse livro, ele se bate contra os textos mal-escritos. Um dos critérios pelos quais ele identifica um texto mal-escrito é a falta de conteúdo (você só escreve um bom texto se tem algo para dizer nele); outro é a falta de clareza. Eu me enquadro em muitos dos critérios de má-escrita que li, com alguns concordo, com outros não, tem os que procuro corrigir em meus textos, e com outros critérios nem me importo. – Tudo isso para dizer que o que vou escrever não vai ficar claro. É bom avisar de antemão porque daí quem está lendo pode decidir se quer perder seu tempo lendo isso ou indo fazer outra coisa, né?



Bom…



Eu acho impressionante as relações entre pessoas. Gosto muito das maneiras como se estabelecem as relações entre pessoas.



Eu imagino cada pessoa com vários fios saindo do seu corpo, e de cada lugar podem sair muitos fios. Quando as pessoas se encontram, esses fios de umas e outras pessoas se ligam uns nos outros, às vezes de maneira mais firme, às vezes menos, às vezes esses fios realmente não são capazes de ligações mais fortes, outros somente conseguem fazer conexões fortes. Há os fios que estão visivelmente ligados, e outros cuja ligação é sutil. E existem muitas maneiras diferentes de ligarem-se uns aos outros, às vezes acontece de ocorrerem ligações imprevistas, incompreensíveis. Ocorrem também ligações nocivas a alguma das ou a todas as pessoas ligadas. Algumas ligações são simplesmente ligações, e não importa a forma como estas ligações se comportem. Existem ligações raras, existem ligações mais comuns, e dentre essas algumas podem se tornar incomuns por um ou outro detalhe.



Talvez até esses fios tenham, eles mesmos, outros fios, que ligam-se tanto de maneira análoga, ou de maneira independente das ligações do fio do qual procedem.



E, embora existam ligações mais comuns, estas somente transformam-se em regra por força de alguma convenção, mas os próprios fios ignoram essas convenções e ligam-se alheios às expectativas das pessoas.



E são essas ligações entre as pessoas que eu gosto muito. São surpreendentes.





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Ecletismo S.A.

Não gosto do termo “Ecletismo” e seus derivados (eclético, eclética, não me ocorrem outros). Mais por preconceito, já que, talvez desgraçadamente, eu me enquandre entre as pessoas “ecléticas” do mundo.



Meu preconceito – assim como qualquer preconceito – é besta: não gosto de ecleticidades porque todo mundo é eclético. Veja bem, não tenho problemas em ser como todas as pessoas, quando é o caso: assisto Big Brother (ou assistia, pois terminou – pena que a Analy não ganhou), dou boa noite ao William Bonner, adoro o sorvete do MacDonalds, detesto os EUA, adoro brechós, defendo a natureza, essas coisas assim.



Só que ser uma pessoa eclética é quase como ter nacionalidade brasileira ao nascer no Brasil – quer dizer, é uma regra. Todas as pessoas são ecléticas. Você pergunta “que tipo de música você gosta?” e a pessoa é eclética. “Que tipo de filme?”, “que tipo de livro?”, “que tipo de refrigerante?”: Ecletismo S.A.





Dentro de meu achismo, “ecletismo” e ouvir de tudo são coisas bem diferentes. Você ouve de tudo para conhecer mais músicas, tipos de músicas, artistas, nacionalidades musicais. Mas você seleciona.



Tudo bem, outro preconceito meu: só porque eu seleciono não quer dizer que todas as pessoas sejam seletivas musicalmente. Mas – dentro do meu preconceito – não consigo imaginar alguém que goste de tudo que ouça, que ame tudo que ouça, que identifique-se com tudo que ouça.



Não falo de gostos supostamente disparatados. Se uma pessoa gosta de sertanejo, hardcore e Edith Piaf, tudo bem, é o seu gosto e ninguém tem que ver com isso.



(Aliás, um pequeno parêntesis: o gosto não segue cânones lógicos para as pessoas dizerem que se alguém gosta disso, gosta daquilo também e não gosta daquele outro. Mais achismo meu, claro.)



Mas uma pessoa que gosta de tudo, não gosta de nada. E nunca é demais frisar que isso é uma opinião.



E ecletismo, acho eu, é ter um gosto variado ou não, “contraditório” ou “coerente”, mas ter gosto, quer dizer, gostar de alguma coisa – porque, repito, gostar de tudo é o mesmo que não gostar de nada.



É uma coisa bastante preguiçosa gostar de tudo. Todas as pessoas tem direito à preguiça, inclusive à preguiça musical – não sou eu quem vou dizer “você deve selecionar suas músicas!” Mas eu não tenho essa preguiça: quer dizer, nada contra outras pessoas serem “ecléticas”, mas eu não me enquadro nessa definição.



Essa coisa toda de ecletismo era para ser um ou dois parágrafos de introdução sobre outro assunto, mas ficou grande demais e era isso.





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feminismo

Eu já não sei mais de nada agora.

Sempre defendi que prostituição é uma profissão como outra qualquer, que, como outra profissão qualquer, tem suas particularidades.

Qualquer trabalho que você faz, você faz em troca de dinheiro. Uma pessoa digita, outra canta, há quem opere máquinas, quem instale a rede elétrica, enfim, etc, e na prostituição, se faz sexo. Em todos esses caso, se fazem essas coisas em troca de dinheiro.





Aí eu vejo um artigo na internet que fala da Síndrome de Estocolmo em mulheres prostituídas.

De cara, há uma diferença entre mulheres que se prostituem, e mulheres prostituídas. Uma mulher que se prostitui é algo como alguém que trabalha por conta, e uma mulher prostituída é uma mulher que faz sexo para dar dinheiro a outra pessoa – isso se se pensar a prostituição como trabalho. Eu não quero reduzir o problema a um problema de linguagem: uma mulher que se prostitui, pode ser que se possa dizer dela que a sociedade fez com que se prostituísse, pois pode ser que o faça somente devido às condições econômicas em que se encontra. E talvez eu esteja sendo inocente (sinônimo simpático para burrice muitas vezes) pensando que existam prostitutas que o sejam por que querem, ou que, pelo menos, não sofram com isso mais do que sofre uma caixa de supermercado que trabalha o dia inteiro para, no fim do dia, ainda ter que esperar o supermercado fechar, e pegar o ônibus da empresa e perder nisso tudo mais três horas. Quer dizer: estupro é uma coisa, exploração sexual é outra e prostituição seria outra coisa diferente das duas anteriores.



Claro que esse tipo de trabalho é majoritariamente feminino e, na medida em que geralmente o trabalho das pessoas acaba sendo explorado, a prostituição acaba sendo explorada por outras pessoas que não são as prostitutas, geralmente um cafetão, ou um namorado.



Mas isso é cheio de questõezinhas que fazem toda a diferença.



E todas elas se resolvem legalizando esse tipo de trabalho.



“Legalizar a prostituição” significa, porém, igualar essa profissão às outras, que também são exploração do trabalho das pessoas. Ninguém se escandaliza com o fato de que, por exemplo, uma operadora de telemarketing “prostitui” a sua voz para a empresa, um estivador “prostitui” sua força para o porto para o qual trabalha, etc. O “prostitui” nesses casos vai entre aspas porque são explorações comuns, aceitas por todo mundo – ninguém em sã consciência hoje em dia se revolta contra isso, mas essa acomodação não torna a exploração menos exploração do que é.



Acho que existem dois caminhos nesse caso.



Ou você luta para que todas as formas de exploração sejam extintas – o que poderia ser feito estimulando e dando condições às pessoas para que prestem serviços de maneira autônoma, ou em caso de empresas, de maneira que a empresa seja dos empregados; e eu sei que isso é uma coisa bem comunista, mas o que o comunismo queria era que todo o capital fosse de todas as pessoas, e o que eu estou dizendo é que a empresa deveria ser de quem trabalha nela, e não do vizinho.



Ou você luta para que a prostituição seja legalizada, como todas as outras explorações.



Claro, se pode lutar para que a prostituição seja extinta. Mas é algo meio quixotesco de se fazer.





Acho que não existe O Feminismo, mas sim vários feminismos. E alguns acho muito nocivos ao feminismo em geral. Se eu fosse alguém que pouco ligasse para essas coisas, e me deparasse com coisas assim, iria rir e – dentro do machismo que me caracterizaria – diria que é bem coisa de mulher; e não iria perceber que isso não é coisa de mulher, e sim de gente que, sem querer ou não, não consegue se situar em um mundo onde certos aspectos da vida são condicionados pela coletividade.



O que às vezes alguns movimentos feministas fazem (e isso vale para qualquer movimento social) é imaginar que ninguém mais tem razão além deles próprios. Como uma pessoa autista, que não consegue relacionar-se com outras pessoas. Nada no mundo impede que uma pessoa ou um grupo lute pelo mundo ideal, mas pouca gente leva a sério uma pessoa ou um grupo que pense que dizendo “Shazam!” o mundo vai mudar.



Existe uma diferença muito grande entre o olhar crítico que você tem, e as possibilidades concretas de ação disponíveis. A maioria da população é explorada, e isso não impede que mesmo pessoas exploradas explorem outras, que acabam duplamente (triplamente, quadruplamente…) exploradas.



Não adianta fazer coisas como “A mulher e a água” porque isso demanda toda a sociedade, e retira o foco do feminismo para a exploração comum das mulheres comuns. Quer dizer, juntam um monte de mulheres para tratar do tema da água, a escassez de água, a poluição, o ecossistema, essas coisas, e nem meia dúzia se reúne em outro lugar para encontrar meios de se evitar que as mulheres – geralmente as heterossexuais – tenham de arcar com uma dupla jornada sub-remunerada diariamente.



Ou então juntam um monte de mulheres para glorificar a maternidade e dizer que uma mãe ama mais seu filho do que qualquer outra pessoa, enquanto que isso faz com que as responsabilidades sobre uma criança recaiam principalmente sobre as mães, enquanto os pais são superficialmente responsáveis.



Eu sei que eu posso estar sendo um pouco radical, mas cada vez que eu vejo uma mulher – heterossexual – saindo correndo do trabalho porque precisa limpar o banheiro de casa, eu me pergunto cadê as feministas. E elas estão reunidas discutindo a guerra no Iraque. E a guerra no Iraque tem que ser discutida, mas não é um problema de gênero.



Claro que todas essas coisas são um plus do feminismo, essas atividades de formação, de fazer com que as mulheres se posicionem diante dos fatos no mundo em que vivem. Mas eu conheço um monte de mulheres com posições ideológicas, políticas e tudo o mais muito bem claras e definidas, mas que refletem sobre elas enquanto lavam a roupa do maridão, e esfregam o chão, e fazem comida, e cuidam das crianças e tudo o mais.









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Filmes doces

Existe, decerto, um universo feminino e um masculino, cada um
supostamente inerente à condição biológica de cada pessoa. Trato isto
como uma suposição por não acreditar muito, mas também não dou
descrédito a esta hipótese porque não é muito provável que toda a
humanidade esteja errada e eu não. Fico assim, na dúvida, tomando uma
coca-cola.



Mas sei que há uma cultura feminina e uma masculina.
Acho difícil falar em cultura, porque sempre que tento dizer “o que é
cultura?” não respondo satisfatoriamente. Mas trata-se de culturas.





A
cultura masculina acho um tanto pobre – eu também tenho meus
preconceitos. Conheço homens muito legais e interessantes, na minha
opinião estrangeiros na cultura masculina, mas esses poucos exemplares
não salvam o grupo todo. Conheço, também, mulheres pífias e sem
interesse, mas elas também não invalidam toda a cultura feminina. Que,
na minha opinião, é muito rica e interessante.



Provavelmente,
trata-se de uma questão de gosto. Não é porque eu goste que as outras
pessoas têm de gostar. Mas se trata do meu gosto.



Também não
contraponho uma cultura feminina a uma masculina. Não gosto da cultura
feminina em detrimento da masculina – eu poderia, por exemplo, gostar
de ambs, ou de nenhuma. Gosto de uma não por não gostar de outra, mas
sim de maneira positiva.



E, o mais estranho: as culturas se
interpolam. Não falo somente das culturas feminina e masculina:
culturas nacionais, culturas regionais, culturas profissionais,
culturas intelectuais, culturas gastronômicas, dentro de cada categoria
existem muitas culturas diferentes que se interpolam, e essas culturas
também interpolam-se com outras das outras categorias. Por isso, ou por
incapacidade minha, eu não consigo determinar de maneira objetiva o que
é próprio da cultura feminina.



Não é simples como dizer, por
exemplo, que livros femininos são os livros escritos por mulheres.
Frankenstein é muito distinto de Lado B – Histórias de Mulheres, ou do
Romanceiro da Inconfidência. Se fosse para seguir esta lógica, o gênero
“terror” seria algo próprio da cultura feminina, seria literatura
feminina – coisa que não acredito existir, a literatura de gênero. Pode
ser que determinadas obras condicionem-se pelo olhar de gênero de quem
as produziu, mas isso não configura algo como uma escola, ou um tipo de
arte.



E, claro, existe uma certa empatia de gênero. Eu fico pensando em
amigas minhas que, andando num grupo de pessoas onde a maioria são
homens (duas mulheres e três homens, por exemplo), acabam tendo
atitudes que geralmente não tem, mas que naquele momento são fruto
dessa empatia – quer dizer, conheço meninas que detestam coisas
“fofas”, mas saem correndo para ver Hello Kitties porque a outra menina
teve um ataque de fofura ao ver bonecos da Hello Kittie na vitrine.
Isso somente vira uma coisa medíocre, na minha opinião, quando se tenta
transferir esse tipo de empatia para coisas como literatura ou outras
artes. Frida Kahlo tem mais temas femininos do que Magritte, mas a
pintura dela não é mais “feminina”, ou a de Magritte mais “masculina”.



Enfim, trata-se de um certo tipo de ambiente feminino que eu gosto. E
não falo de decoração bem-feita, casa arrumada ou capas de caderno
cor-de-rosa.



Mas tudo isso para dizer que o filme Coisas que você pode dizer só de
olhar para ela é o tipo de filme que eu gosto. Não é um filme femino.
Nem masculino. Foi escrito por um homem (não sei o nome, mas o cara é
filho do Gabriel García Marquez). Um filme encantador. O filme gira em
torno do amor, para variar. Não que eu não goste, mas sinto falta de
filmes onde a protagonista é uma mulher (ou o pretenso “universo
feminino”) e o tema do filme é algo diferente do amor, como Xena ou
Gilmore Girls.



Mas Coisas que você pode dizer só de olhar para ela é encantador. Gosto
de filmes com capítulos (tipo Kill Bill), e filmes assim, múltiplos.
Porque o filme não fala de uma mulher, mas apresenta muitas mulheres em
muitas situações diferentes.



Só que não são as situações em si, e sim as coisas emocionais do filme quie são legais.



Gosto desses filmes com silêncios, meio paradões. Em uma das cenas, uma
personagem pergunta a um colega se os outros homens do banco têm
fantasias sexuais com ela. Eles ficam se olhando em silêncio até que
ele responda, e dá tempo de perceber claramente a perplexidade do
colega dela. Ou, em outra, a cartomante fica meia hora falando dos
passarinhos, e os passarinhos passam a fazer parte do filme.



Enfim, o filme é ótimo.



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Quem sou eu

Coisas que você pode dizer só de olhar para mim:



como demais

terei problemas de coluna

gosto de cabelos compridos

mas não cuido bem deles

tomo banho

escovo os dentes

lavo minhas roupas

embora às vezes não as passe

tenho miopia ou astigmatismo

bebo água

possuo duas pernas

dois braços

e todos esses órgãos que boa parte da população possui

uso tênis

meias

prendo os cabelos

enxergo

não tenho tatuagens em lugares expostos por camisetas e bermudas

nem piercings nesses mesmos lugares

sou capaz de transitar em ruas com muitas pessoas

olho para os dois lados antes de atravessar a rua

mas às vezes esqueço disso

uso meu corpo, especialmente as mãos, como bloco de notas

não sou descendente de asiáticos

nem de leões marinhos

mosquitos me picaram

possuo uma pequena e simpática citatriz acima do dedo indicador da mão direita

rôo as unhas

sobrevivi

e um dia morrerei.



O resto

ou você me conhece

ou é pura imaginação sua.







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Mãe, ninguém me entende….

Preconceito no cú dos outros é refresco, na opinião da ministra da… Igualdade Racial.

Esta expressão, “no dos outros é refresco”, significa que o que é ruim para mim não é ruim para os outros, na minha autista opinião (autismo, em uma pessoa, é uma doença, nada a se criticar na pessoa, é óbvio; mas autismo nas opiniões, ainda por cima de uma ministra, é medíocre). A opinião desta senhora de chapinha é bastante autista, mas esse autismo ideológico é próprio do contexto do preconceito.



A frase publicada por aí foi “não é racismo um negro se insurgir contra um branco”. Mas, assim como as frases do papa, publicaram fora de contexto. O que ela disse na verdade foi que ela acha natural “a reação de um negro não querer conviver com um branco”, pois “Quem foi açoitado a vida toda não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.”



E nisso eu concordo com ela. Se você bater em mim a vida toda, eu não tenho obrigação de gostar de você. Mesmo que você me faça carinho a vida toda eu não vou ter obrigação de gostar de você (mas é provável que eu goste :).



Mas estamos falando de quem? “Um” negro e “um” branco. Existem, claro, negros que apanham de brancos. Existem, dentre esses, negros que apanham de brancos exatamente por serem negros. Realmente, aí é natural que esse cara que apanhou não queira conviver com o idiota que lhe bateu.



Mas qualquer um? É “natural” que qualquer negro não queira conviver com qualquer branco porque a criatura é branca?? Nem vou considerar que no Brasil não devem existir mais de vinte pessoas sem nenhum antepassado negro. Aliás, nem no mundo, porque a raça humana (eu acredito nessa teoria) surgiu na África. Mas vamos desconsiderar isso. Vamos fazer de conta que existem brancos, e também negros sem nenhum descendente branco também. Ninguém fale em índios, porque aí complica tudo.



Vamos dizer que a Ana tenha apanhado da vizinha branca. E por ser negra. Aí venho eu passando na rua (eu, que tenho mais parentada negra do que o Toni Tornado, embora tenha nascido, por uma safadeza genética, com a pele clara). E a Ana vem e me bate. Porquê? Hein? Vamos lá, quem responde? Porque a minha pele é branca.



Recapitulemos: a vizinha debilóide da Ana cresceu pensando que nego merece apanhar só porque é nego, e bateu nela, por ser neguinha. Por motivos absurdos, ela tem raiva de pele negra. Aí a Ana, por uma associação absurda, acha que eu represento a vizinha dela e desconta em mim. Logo eu, que também não gosto da vizinha dela.



O preconceito contra negros, em geral, é cultural. Uma debiloidice cultural, por sinal. O preconceito contra brancos é fruto, geralmente, do preconceito contra negros. Mas só por isso é menos preconceito? Tuuudo bem se alguém quiser pensar assim. Acharei idiota, mas as pessoas não precisam pensar como eu penso. Mas alguém que pensa assim, por favor, não me venha dizer que luta contra o preconceito.



Assuma que é uma pessoa preconceituosa, e que apenas deseja vingar seus antepassados pelo que os antepassados dos outros fizeram. Assuma que, quando vê uma pessoa branca, não vê aquela pessoa, mas sim um espectro do passado pairando sobre ela. Assuma que acredita que preconceito se combate com mais preconceito ainda (provavelmente ganhará quem tiver quem tem mais preconceito, como em uma guerra ganha quem tem mais pólvora, etc.)



Conheço gente racista que bate no peito e diz “sou racista”. Desprezo-as. Mas gente racista que posa de politicamente correta é mais nociva ainda (se é que é possível) porque não me dá a oportunidade de desprezá-la. A não ser, claro, que… cometa esses atos falhos, digo, sejam mal-interpretadas.



Viva as frases dentro de contexto.





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transgressão e linguagem

Minha opinião pode ser um pouco agressiva, mas eu não vejo nenhum tipo de “revolução” ou “revolta” na literatura atual.
Além de agressiva, minha opinião pode muito bem ser desinformada, porque eu não compro um décimo do que é mais acessível, e leio menos do que isso, de toda a literatura que é lançada.

Mas, alguém escreve um livro com meia dúzia de descrições picantes, e é um livro “revoltado”. Outra pessoa vai e critica Cuba, ou os EUA, ou algum país da Europa, ou qualquer coisa assim, e é um livro “corajoso”. Mais alguém lança um livro no estilo Harry Potter, como O Código Da Vinci ou qualquer coisa do Paulo Coelho, e é “uauuu!!”. Adoro Harry Potter, mas também adoro fumar e Harry Potter está para literatura como cigarro está para saúde.

Literatura transgressora é outra coisa. E nem precisa ser transgressora. Precisa ser corajosa de verdade. Claro, eu compreendo que uma pessoa que queira escrever um livro queira ganhar dinheiro com esse livro. Nesse sentido, Dan Brown, Paulo Coelho, J. K. Rowling são perfeitos. Vivem de escrever. Eu também queria. Mas é porcaria.

Literatura corajosa é literatura que transgride – oh, que novidade – o mercado.

Em geral, aliás, a maior transgressão possível é contra o mercado e, falando com sinceridade, detesto o mercado, mas quero muito ganhar dinheiro. Me apresente outra possibilidade que eu vou correndo ver se dá certo. Mas só renuncio ao meu salário, à exploração econômica a que me submeto, quando ver que a outra possibilidade dá mesmo certo, e não “pode dar”, “dará”, ou “tem tudo para dar certo”.
Eu acho muita graça dos punks, malvadões anti-capitalistas, que usam roupas de couro cravejadas de metais que eu, parte da massa alienada que sou, não compro com o meu salário. Me prove que não são os pais dos punks que pagam a roupa deles, que eu chamo esse pessoal de punk. É fácil ser anti-capitalista quando se tem o capital dos outros por trás.

Uma transgressão literária é fazer um livro fora do padrão. E isso eu raramente encontro. Tudo bem, é uma questão de gosto. Mas a maioria dos livros que leio são detestáveis. Quase sempre as mesmas histórias, repetições atualizadas de Shakespeare, da literatura francesa, Cervantes, e outras coisas menos cotadas. Claro, são coisas bem-feitas: Harry Potter não é uma cópia de somente um romance, nem reproduz somente um estilo. Dan Brown não é simplesmente uma Agatha Christie atualizada. Mas é tudo mais do mesmo.

E, tudo bem, já li muita porcaria que me pareceu legal. Basta citar Harry Potter.

Mas só me irrita que as pessoas vendam transgressão onde não tem nem cheiro de pólvora. Ou pensem que transgressão é pornozão barato. Nada contra nem a favor de pornozão barato, mas não me diga que descrições “quentes” são transgressões. Masturbação é mais transgressora do que isso.

***
Nada a ver com o assunto, mas é que eu estou assistindo Jornal Nacional enquanto escrevo: pobre papa… Chamam-no de nazista, conservador, tosco, velho rabugento idiota, enquanto ele é apenas um incompreendido, como qualquer adolescente que se tranca no quarto para ouvir Sepultura ou Metallica para expressar sua perplexidade diante deste mundo mau e feio. O pobre alemão fala, o povo entende mal e, coitado, as pessoas ficam fazendo cara feia para ele. Primeiro foi quando ele falou mal dos muçulmanos: ninguém entendeu que ele apenas citava alguém que falava mal dos irmãos no monoteísmo, e também ninguém subentendeu o óbvio, que deveria-se compreender suas palavras como se fossem acompanhadas da legenda “a opinião dos autores citados não reflete necessariamente as opiniões desse pobre Servo de Deus”. Agora, ficam dizendo por aí que ele chamou casais que se casam novamente de “praga”. Erro de tradução, claro. A palavra que ele utilizou em latim pode ter o sentido de “praga”, mas seu uso mais comum é no sentido de “ferida aberta”.
Gente de má vontade para com o Sucessor de Pedro, como eu, diria que a) uma “ferida aberta”, se não é uma praga, no mínimo é algo nocivo que deve ser curado e b) como sempre, tudo é um problema de linguagem. Se mandarem você se fuder, por exemplo, não cometa o erro de linguagem de pensar que é uma ofensa: essa pessoa está apenas recomendando que você se ame mais, acaricie-se mais, e se foda mesmo, já que fuder é uma coisa boa e ninguém melhor do que você para se dar esse prazer. A próxima citação do papa deveria ser “Cito Chaves do Oito: ‘Foi sem querer querendo, eu só quis dizer…”

Hipóteses.

Vamos supor que eu tenha entendido Deleuze. Deleuze, para quem não sabe, é um autor francês.

Não vamos supor que eu tenha entendido TODA sua obra. Só uns pedaços. E trata-se de uma suposição.

Se eu tivesse compreendido, eu diria que, segundo ele, filosofia é criação de conceitos.

E, como Tíbio e Perônio, eu diria mais. Diria que é uma criação de conceitos segundo as necessidades do tempo e do espaço onde está inserida a criação desses conceitos.

Por isso conceitos estão sempre em movimento, em devir. Devir-mulher, devir-criança, devir-homem, devir-amor, devir-vida. Coisas assim. Devir-coisa.

“Mulher”, por exemplo, não é o mesmo que era quando minha avó nasceu. Ela tem uns oitenta anos. Não se trata de um saudosista “é mesmo…” nem de um progressista “é mesmo!!”. Se trata de que “mulher”, ou as pessoas a quem correspondiam esse conceito, não podiam – muita coisa, como – usar calças. “Mulher” e “calças” eram dois conceitos separados um do outro. “Mulher de calças” ou era piada ou não era mulher. Ou não eram calças.

Para que “mulher” e “calças” pudessem andar juntas, algumas dessas pessoas a quem correspondia o conceito “mulher” tiveram de sair de seu território, o território das saias, e vestir calças, sem ser piada, e sem deixar de ser calças. A questão é: como não deixaram de serem “mulheres”?

Mudaram as calças? Aquelas pessoas mudaram? Calças, independente da cor e do formato e do tecido, seguem aquele princípio básico de duas pernas até as canelas unidas pela parte que cobre a pélvis e a bunda, culminando na cintura. E não consta que úteros, vaginas, seios, ossos, pele ou qualquer coisa assim tenha desaparecido daqueles corpos, e nem que nada diferente tenha brotado neles. Mudou a “mulher”, quer dizer, o conceito “mulher”.

Mudado o conceito (“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, mas não só aí), o feminismo pôde queimar sutiãs, e fazer a baderna que fez – e que deveria fazer ainda, pelo menos mais do que faz, na minha superficial opinião.

Mas um conceito muda de cá prá lá, de grupo para grupo, de pessoa para pessoa (Martha Medeiros escreveu um artigo em que dizia que, pedindo-se para um homem descrever “mulherão”, ouviria-se algo sobre os peitões, o bundão, a cinturinha, etc, e, pedindo-se para uma mulher descrever um mulherão, ouviria-se coisas sobre trabalhar fora e dentro de casa, criar os filhos, cuidar do corpo, subir escadarias de salto alto, essas coisas – por exemplo).

Por isso, trata-se de, em filosofia, criar conceitos, que sejam funcionais a algo – o conceito de “mulher” de uma católica radical é bem diferente do conceito de “mulher” de uma lésbica apaixonada, embora ambos incluam certas coisas em comum, por exemplo.

Mas eu não entendi Deleuze, portanto, ainda não posso dizer nada disso.

Fácil, extremamente fácil…

Eu gostaria de saber porque é tão fácil de eu me apaixonar. É simples como um olhar, ou como ver a lua. Deve haver algum motivo… Basta bater uma brisa leve e pronto: me apaixonei. De novo.

Deve ser o tal eterno retorno. Fora as citações sobre o assunto, o único lugar onde me lembro de ter lido esse conceito de Nietzsche foi no livro Assim Falou Zaratustra. A idéia geral – pelo que eu lembre – é de uma pessoa que sai de debaixo de um arco, dá uma volta no mundo e chega no mesmo lugar pelo outro lado. Não sei o que significa o eterno retorno, mas um bom exemplo sou eu me apaixonando.

Adoro me apaixonar. Adoro olhar nos olhos de alguém e sentir ali alguma coisa como a primavera, ou como a água de um rio ou do mar. Mas esse é só um lado do tal portal. Tenho medo que o outro lado seja como era das outras vezes.

Eu não peço à chuva que preste atenção se o povo lá de cima vive na solidão. Peço que me diga se o povo lá de cima também vive na corda bamba de sombrinha, sem saber se fica contente ou triste por se encantar de novo com o olhar de uma pessoa.

Grandes pseudo-questões

O que fazer quando…

… as rodinhas de dança misteriosamente se desfazem quando você chega?
… você quer continuar dançando mas seus pés doem?
… você tem certeza de que a menina que você achou mais interessante na festa não vai dar a menor bola para você por motivos orgânicos?
… só tem cerveja e você quer um pouquinho de água (ou coca-cola, nescau, ou qualquer coisa assim)?
… só tocam músicas chatas e você está com vontade de dançar?

Claro que existem problemas maiores no mundo, mas isso não minimiza esses problemas de segunda.

Citações. Ou como queiras.

Nunca na minha vida tive muita paciência para ler Shakespeare. Lembro que uma vez peguei um livro nas mãos, não entendi nada (um nome em negrito, um traço, um parágrafo, outro nome, traçõ, parágrafo) e larguei de volta na estante.

Agora tenho. E gostei.

Alguns nascem grandes, outros alcançam a grandeza, e outros ainda são atingidos por uma grandeza que lhes é jpgada nos ombros” é um trecho de Noite de Reis (ou como queiras); mas “Soubesse eu que ele era valente, e ainda ardiloso na esgrima, tratava de lhe rogar uma praga em vez de chamá-lo para um duelo” é um trecho de que eu gosto mais porque é muito mais engraçado.