Filosofia latino-americana

Eu não compreendo bem esta história da questão do autêntico filosofar latino-americano. Não fiz ainda esta cadeira, portanto o problema pode ser este.

Claro que há a noção de que a filosofia é pautada, dirigida e legitimada a partir da Europa, principalmente, e dos EUA, secundariamente. Assim, caberia à AL estudar o que eles estudam, falar na linguagem deles, compreender o pensamento deles e partir sempre disto para produzir filosofia.

Ocorre que há uma certa redundância nesta questão.

A filosofia latino-americana busca legitimar-se como autêntica filosofia. Tem então duas opções: ou bem afirma-se e pronto, foda-se o que pensam os outros; ou bem procura meios de ser “aprovada” pela Europa e EUA. Se escolher a primeira alternativa, o problema está resolvido. Se escolher a segunda, permanece ainda submissa à orientação, à “primazia” européia e norte-americana – pois, mesmo que seja reconhecida por eles, depende ainda do aval deles.

A primeira opção, afirmar-se e deixar para lá o que os outros pensam, supõe e resulta em questões específicas.
Em primeiro lugar, esta é uma questão política: se a filosofia possui um governo, cabe a ele decidir o que é ou não legítimo em filosofia. Mesmo que esse governo seja apenas uma questão de autoridade, o resultado é o mesmo. Seria necessário delinear qual a posição política da filosofia latino-americana: uma posição contratualista? Uma posição revolucionária? Uma posição submissa? Reacionária? Colaboracionista? Anarquista?
Trata-se de descobrir que pensamento político está implícito na filosofia latino-americana, qual pensamento político move-a. A pergunta pelo autêntico filosofar latino-americano pressupõe, desde já, algumas coisas: há um autêntico filosofar europeu; há um autêntico filosofar regional; a filosofia latino-americana quer/precisa/deseja diferenciar-se da filosofia européia; não é possível uma filosofia a-territorial, ou, pelo menos, não é possível pensar que o movimento do pensamento flua daqui para lá e de lá para cá – o mesmo que dizer que apenas flui de lá para cá, e não faz o movimento contrário; o pensamento é diferente lá e cá: idéias diferentes, maneiras de pensar diferentes.

A segunda alternativa insere-se dentro de uma questão social mais variada: a das minorias. Pois os negros, as mulheres, os homossexuais também tem esta questão colocada diante de si: somos seres humanos tão legítimos quanto o homem-branco-heterossexual-europeu-rico; dado que vivemos em uma mesma sociedade, controlada por eles, precisamos ser aceitos, seja à força, seja pacificamente.
Margarita Pisano, no que diz respeito ao feminismo, propõe uma suspensão temporária da participação das mulheres na sociedade, na cultura. Para ela, os efeitos do machismo (incluindo a sua manutenção) ainda não desapareceram e ainda estão longe de desaparecerem. Não há o que comemorar. “Sociedade mais feminina”, “inserção feminina”, “igualdade” e “políticas de igualdade”, “direitos iguais entre mulheres e homens”, nada disso ocorreu; no máximo, têm-se uma renovação do mesmo velho patriarcalismo, oculto sob novas roupagens, ou realmente original, dificilmente identificável como patriarcalismo. O desejo de inserção feminina dentro da sociedade implica em uma “masculinização feminina”. Esta masculinização não diz respeito a uma masculinização física, pelo menos não exclusivamente: a mais doce e cálida feminilidade também é masculina, na medida em que é produzida pelos homens. A tomada de pode por parte das mulheres também é uma vitória masculina: a identificação da “vitória” feminina com uma sociedade controlada por mulheres significa uma vitória dentro dos códigos e regras masculinos, significa ser mais homem do que os homens. Ela propõe, diante disto, não uma tomada de poder, nem tampouco uma sujeição, mas um afastamento, uma suspensão: longe da sociedade, intrinsecamente masculina, as mulheres precisam definir-se quem são, o que querem, e como o farão. Definidas estas questões, então, sim, pode-se fazer algo propriamente feminino, o que quer que seja.

Desta estratégia, surge, porém, uma questão: haverá algo de novo a ser inventado ou trata-se de apenas definir-se, diante da multiplicidade de opções geradas ou criadas pelo mundo masculino? Ou, ainda, permitir-se talvez mesclar coisas absolutamente novas com coisas masculinas, agora apropriadas pelas mulheres? Tais respostas – e mesmo a legitimidade destas questões dentro do pensamento pisaniano – cabem somente a ela, ou às mulheres que aceitem tal tarefa.

Mas estas questões transpõem-se com facilidade para a questão do autêntico filosofar latino-americano que queira inserir-se, legitimar-se dentro de um pensamento dominado pela Europa. A filosofia latino-americana poderia – deveria? – criar algo absolutamente novo, completamente inédito, que carregasse sua marca, sua “latinoamericanidade”? Ou precisa produzir seu autêntico filosofar a partir do que já está dado, para daí construir algo novo? Ou, ainda, poderia misturar elementos absolutamente novos, exclusivamente latino-americanos, com elementos “estrangeiros”, apropriados como, na esfera da saúde, quebra-se patentes de remédios caros demais mas cuja produção é perfeitamente possível?

Neste ponto as duas opções, afirmar-se e impor-se, ou legitimar-se dentro do já estabelecido, aproximam-se a ponto de quase fundirem-se: talvez a condição para qualquer resultado seja esta suspensão pisaniana no pensamento latino-americano. Não que a mesma estratégia aplicada nas duas áreas – filosofia e feminismo – implique em equivalência das duas. Ocorre que uma solução criada dentro do feminismo encaixa-se perfeitamente dentro da filosofia, mas são dois problemas diferentes, sem nenhum paralelismo necessário. Pressupor tal coisa seria forçar todo o “pensamento menor” a comportar-se de maneira uniforme, ignorando que o problema das mulheres, o dos negros, o da filosofia latino-americana e o dos homossexuais é diferentes, e apenas assemelha-se no que diz respeito ao fato de referirem-se a pessoas marginalizadas, discriminadas, e violentadas frequentemente.
A unificação das duas opções em uma mesma estratégia não é de caráter dialético: esta suspensão pisaniana não é uma síntese entre impor-se e legitimar-se, mas sim uma suspensão. “Afirmar-se ou impor-se?” pergunta-se a filosofia latino-americana. “Agir!” responde Margarita Pisano para o feminismo que faz a mesma pergunta – cuja resposta pode ser ouvida, também, pela filosofia norte-americana.

Sociedade Líquida.

Zygmunt Bauman tem um conceito de “liquefação” da sociedade atual. Para ele, a modernidade caracteriza-se por ser líquida. Isso quer dizer fluída, mutável, passageira, instântanea, coisas do tipo.
Não li o livro inteiro dele, ainda – mas deveria ter feito isso já há uns dois meses, mais ou menos. É que é um livro interessante, mas meio chato. Bom.
Pescando aqui e ali informações superficialmente, pude perceber que ele é um crítico dessa modernidade líquida, ou, melhor, da “liquidez” desta modernidade.
O que não seria de se estranhar.
Uma sociedade em constante mutação dificulta muito a vida das pessoas. As mudanças constantes, em geral, dificultam. Um dos problemas da inflação, além da alta, é que nunca se sabe qual será o preço das coisas amanhã – eu lembro que quando eu era criança achava fascinante essa troca constante: qual será o preço amanhã? E decorava os preços dos produtos do supermercado para ver como tinham mudado no dia seguinte. Claro que eu fazia isso porque não era eu quem pagava a divertida remarcação diária.
Os telefones celulares também são assim. Você pega o número de alguém e vá saber se daqui a uma semana a criatura não trocou de celular e, junto com isso, de número e de operadora. Claro que tem gente – como eu – que fica anos e anos com o mesmo número (eu chego ao cúmulo de ter tido não somente apenas um número até hoje, como também apenas dois aparelhos desde 2002, quando ganhei o primeiro).
Eu lembro de uma piadinha nos Simpsons (no “famigerado”, muito bom na minha opinião, episódio no Brasil), sobre as mudanças no nome da empresa de telefonia: “- vamos ligar para a cia. X; – mas ela se chama Y; – não, ela trocou de nome para Z; – mês passado trocou para V”, isso foi a fala de quatro personagens.
Exemplos dessa liquidez social não faltam: ações na bolsa, moda, best-sellers do momento, etc e etc.
Uma das críticas do autor é que isto dificulta qualquer combate: você vai brigar com quem hoje?
Seu modem pifou, deu pau. Você reclama a) com o fabricante? b) com o provedor que lhe vendeu o modem no pacote promocional? c) com a cia. de energia elétrica por causa da queda de tensão? d) com o procon? e) com o governo que não fiscaliza essa gente toda? f) com os Estados Unidos que mandam no mudo e poderiam resolver isso mas só pensam na guerra no Iraque e em Israel?

O lance é que é um livro sobre nada (como eu li por cima, posso estar errado). Mas é um livro que se propõe a fazer uma crítica da modernidade excessivamente mutável que possuímos.

Mas qual é a alternativa? A modernidade sólida de 1500, 1600 prá cá? Mulheres solidamente instaladas na função exclusiva de reprodutoras, homossexuais solidamente compreendidos como criminosos e perversores da natureza (com sua sexualidade anti-natural), pessoas solidamente imutáveis empenhadas, principalmente, em que tudo permanecesse como sempre foi, essas são as alternativas? É óbvio que a fluidez social não chega, ainda, em certos âmbitos sociais: pobres ainda são solidamente pobres – a tendência é manterem a pobreza e só evoluírem em direção a uma maior miséria; mulheres ainda são solidamente “invasoras” de um mundo pretensamente – solidamente – masculino, basta ver que os mesmos argumentos que os nazistas do III Reich utilizavam contra os judeus, ou que os tosquinhos skinheads ainda usam contra os nordestinos, são utilizados sobre a entrada das mulheres no mercado de trabalho (estão tirando empregos dos homens), e que a dona de casa, hoje em dia, deve ser considerada uma profissional (a única profissão do mundo que não produz dinheiro…); esses dias eu descobri que ainda se usa, e muito, chamar gays de “putos”, como se todo gay se prostituísse… o próximo passo é me dizerem que todo mundo ainda pensa que todas as lésbicas não se depilam e querem ser homens, e que, sei lá, não existem militares homossexuais.

Eu não sei se estou me fazendo entender: é uma grande balela esta história de que a melhora das condições de vida estão está aí, disponível para todos, ou que vivemos em uma democracia. Mas a fluidez, mesmo que ainda não tenha desmanchado algumas pedras duríssimas, e mesmo que tenha trazido novas dificuldades para o mundo, ainda assim tem seus benefícios que, no fim das contas, acabam sendo vantajosos. Claro que é um problema que as pessoas sejam descartáveis como embalagens de leite, ou que o nível mais profundo que muitas pessoas consigam atingir em uma relação com outras pessoas seja o de dividir a mesma comunidade do Orkut; mas a idéia não era essa mesma? Tudo bem que hoje em dia as pessoas são mais manipuláveis do que ontem, mas a diferença é que ontem uma manipulação prevalecia sobre todas e era a verdadeira. Se é medíocre o fato de que hoje as pessoas querem ser aquilo que seu personagem de novela favorito é, muito pior é a opressão de nunca poder sair do modelo-padrão cristalizado pela tradição.

Eu não estou pedindo que tudo seja mutável: eu gosto de saber que a parada do meu ônibus vai estar amanhã no mesmo lugar onde estava hoje (e que ele vai ir para o mesmo lugar onde foi ontem também); gosto de saber que se ontem você gostava de mim (um “você” genérico, não é você – mas você pode gostar de mim, se quiser), hoje vai gostar também; gosto da perspectiva de que a moeda brasileira talvez ainda se chame “Real” daqui a dez anos, e não troque de nome a cada governo; gosto de ir no mercado e ver que o chocolate continua com o mesmo preço, horrível mas pelo menos igual (aí eu posso ir dois dias a pé para a faculdade e comprar uma barra no final de semana, e ainda pedir umas Sete Belo de troco – as originais, não essas esquisitices de maçã-verde e morango que inventaram) (ai que saudade das balas Xaxá que arrancavam minhas obturações a cada mordida…). Gosto, enfim de meia dúzia de certezas na vida.

Mas acho muito bom que a sociedade flua hoje em dia.

Livre

há alguns anos encontrei um livro chamado Coração Enfurecido. Me chamou a atenção a descrição nas orelhas da capa, dizendo que o livro era de uma ex-candidata colombiana sequestrada pelas FARC, que ainda estava viva, havia deixado os filhos pequenos, etc. Achei o livro chato, mas desde aquela época torcia para que as FARC a libertassem logo. Faziam um ou dois anos do sequestro dela, tempo suficiente para que ela já fosse dada como morta, e para que as reações dos seus filhos, pequenos então, fossem angustiantes.

Não simpatizo com as FARC, “se pudesse, matarra mil”, como disse Jeremias José. Mas também não acho que sejam os vilões. Veja bem: acho horrível o que fazem, sequestrando pessoas que servem de proteção e moeda de troca para suas exigências. Mas as FARC são tudo aquilo que a sociedade onde estão inseridas também é – e não me refiro à sociedade colombiana. É mais ou menos o que eu penso dos traficantes de drogas em geral: gente horrível, tão horrível como os seus mais ferrenhos opositores.

Mas daí um dia desses leio que libertaram a Ingrid Betancourt (que, se você não se deu conta, foi quem escreveu o livro mencionado acima). “Uau, que alívio! Soltaram Betancourt, agora as FARC deram uma dentro”. Na verdade, ela havia sido resgatada.

Bom, melhor se tivesse sido libertada pelas FARC (melhor que nem tivesse sido sequestrada, para começar). Mas, dos males o menor. Mas qual foi a tática do resgate? “Holla, yo soy tu amigo! Mira la el Che en mi camiseta! Soy de las FARC como tu e voy a llevar estos que estan contigo, si?” Ah, convenhamos, isso funciona em filmes, parece o Luke Skywalker e o Hans Solo disfarçados de soldados do império dentro da Estrela da Morte. Mas, mal-explicado ou não, ela estava solta. Legal. Aí noticiam que houve um pagamento às FARC em troca dela e dos três norte-americanos. Bom, piorou mais, mas, ainda, que bom que libertaram ela.

Então Ingrid Betancourt, minha heroína até pouco tempo, começa a dar declarações sobre a loucura da sua ex-colega de chapa, candidata a vice, dizendo que a mulher tentou afogar o filho que teve com um guerrilheiro. A ex-candidata a vice responde dizendo que Ingrid está viajando.

A França, que nem sabia de Ingrid há pouco tempo atrás, decidiu fazer dela a causa nacional, e adotou ela agora. Estratégia do pequeno smurf Sarkozy?? Ingrid Betancourt, na França, virou a mesma coisa que o carnaval e as copas viram aqui.

Mas ela está solta.

Claro que, menos de uma semana depois do resgate, ela tem o direito de estar bonita, alegre e faceira: além de solta, é bem-vinda na França! Mas quantos ex-reféns de qualquer coisa você vê se recuperarem assim, tão rápido?

Se fosse apenas o fato de ela estar faceira da vida na mídia, ou apenas o fato de possivelmente terem pagado por um falso resgate, ou apenas o fato de ela avacalhar com a ex-candidata a vice dela, ou apenas o fato de estar se deixando usar pelo Sarkozy para virar ícone europeu (eu, que não gosto de Sarkozy, também me deixaria usar tranquilamente), ou apenas o fato de ter sido um resgate tão patético, ou apenas as camisetas do Che e o emblema falso da Cruz Vermelha, enfim, se fosse apenas uma ou duas coisas estranhas, tudo bem. Nenhum ex-refém tem obrigação de seguir protocolo padrão algum.

Eu ainda continuo satisfeito por ela estar livre, finalmente – melhor se mais reféns estivessem, claro. Só que – pode me chamar de influenciável pela mídia, insensível ou paranóico – tem alguma coisa estranha nesta história toda.

Tecnicamente falando

Considerando a idéia de Spinoza de que tudo o que se é capaz de fazer é algo natural – pois o natural define-se justamente pelo limite das forças, da potência, da capacidade da pessoa – todas as coisas “artificiais” são tão naturais quanto tomar banho de chuva ou parir.

Uma das coisas que eu estou estudando é o conceito de técnica. Uma coisa meio chata, um professor meu estuda isso e me convidou para estudar e tal, mas ele é uma das pessoas menos toscas dentro da academia, não tem aquela arrogância acadêmica que caracteriza os integrantes dela, e por isso eu resolvi ir na dele. Claro, eu tenho um interesse indireto na coisa toda, mas, por iniciativa própria, faria isso por outros caminhos – por onde vou indo de fato, aliás.

Um dos meus interesses nesse assunto, do conceito de técnica, tem a ver com essa idéia de que a técnica, e as tecnologias por consequência, não são artificiais – ou, se ficar melhor dizer assim, as coisas artificiais são naturais.

Há aquela idéia de que, por um lado, não é mais possível encontrar nada “natural”. A partir do momento em que as pessoas criam uma cultura, e que espalham-se tanto pelo Planeta, que espaço dele está isento da ação humana? O derretimento de uma geleira, provocado pelo efeito estufa é natural ou artificial? Um derretimento causado pelo calor é natural, mas esse calor, responsável pelo derretimento, é artificial, produzido pela humanidade. Comer, fazer sexo, esse tipo de coisas são naturais. Mas essas coisas são feitas dentro de regras e códigos culturais – ou, quando são feitas à margem de códigos culturais – incensto, por exemplo (sem polêmicas penais, por favor: o casal é maior de idade nesse exemplo) – são feitas às escondidas ou buscam regulamentação (não lembro onde na Europa um casal de irmãos queria que a justiça legalizasse o casamento deles. Quero dizer que mesmo as coisas naturais são inseridas dentro da cultura. Não que a cultura as tenha produzido, mas insere-as dentro de si.
Por outro lado – o de Spinoza, se o entendi bem – não é possível fazer nada que não seja natural. Se você fez, é natural. Um machado é natural. Um computador é natural. São coisas técnicas essas coisas.
Heidegger tem um conceito depreciativo de técnica – e é praticamente tudo o que eu entendo de Heidegger. Mas posso chutar que é porque a técnica oculta a coisa em si, o famigerado dasein, quer dizer, “violenta” a coisa em si e desfigura-a. Mas é um chute, eu sei lá qual é a dele.
Mas é esse tipo de idéia, seja ela de Heidegger ou não, que está no fundo da depreciação das coisas técnicas, artificiais. Esse afastamento da natureza, esse distanciamento das “raízes”.

Eu fico com a idéia de que tudo é natural. Se você fizer uma árvore nascer de cabeça para baixo ela é natural – porque está feito, existe, portanto é natural (faltam alguns termos neste raciocínio).

Voltando a mim um pouco: eu tenho essa mania de, depois de ver esses conceitos todos, me perguntar “tá, e daí?”, no sentido de “e as pessoas com isso?”

Por exemplo: filhos adotados. Quando se adota uma criança, persiste em torno dessa relação a mística de que uma mãe ou um pai nessas condições não é tão mãe ou pai quanto os pais “naturais”, biológicos. O que conta é o sangue. Aceita-se a adoção, com aquela benevolência com que se aceita as loucuras que se faz em nome de coisas boas, coisas politicamente corretas: “um desapego tão grande adotar o filho dos outros!!!” Mas uma relação assim não é menos natural do que uma relação entre pais e filhos biológicos. Mas não é um bom exemplo – não que seja um exmplo errado, só não é muito ilustrativo.

Outro exemplo: fertilização in vitro. Ao invés de dizer que por ser artificial não deixa de ser natural, prefiro dizer que é natural. Um óvulo fecundado fora o útero não é menos óvulo do que um óvulo fecundo dentro. Simples assim. Aliás, mais ou menos fora do assunto, eu não entendo porque ainda não conseguiram enfiar o núcleo de um óvulo dentro de outro. Posso estar usando os termos errados, mas, se dois óvulos contém, cada um, metade dos cromossomor, qual é a dificuldade em enfiar uma metade que está em um óvulo dentro de outro óvulo? As diferenças entre o espermatozóide e o óvulo, que eu saiba, são apenas três: o espermatozóide se mexe e tem aquela química que corrói a proteção do óvulo, e pode ter tanto um X quanto um Y. Ou seja: capacidade de mover-se sozinho, capacidade de fecundar o óvulo sozinho, e indeterminação do sexo do feto. Nada disso, eu acho, impede que os cromossomos de dois óvulos sejam fecundados in vitro. Mas é só especulação mesmo.
Voltando ao assunto: a fertilização in vitro não é menos natural do que a fertilização “in cama” (eu não resisti a esta piadinha tão tosca…). Se está fertilizado, fertilizado está.

Enfim acho que essa idéia de unidade entre a técnica e o natural serve para isso: não menosprezar nem um lado nem outro.

Y dale alegría a mi corazón

Y dale alegría, alegría a mi corazon
Es lo único que te pido al menos hoy
Y dale alegría, alegría a mi corazon
Afuera se irán la pena y el dolor

Y ya veras, las sombras que aquí estuvieron no estarán
Y ya, ya veras, bebamos y emborrachemos la ciudad

Y dale alegría, alegría a mi corazon
Es lo único que te pido al menos hoy
Y dale alegría, alegría a mi corazon
Y que se enciendan las luces de este amor

Y ya veras, como se transforma el aire del lugar
Y ya veras, que no necesitaremos nada mas

Y dale alegría, alegría a mi corazon
Que ayer no tuve un buen día, por favor
Y dale alegría, alegría a mi corazon
Que si me das alegría estoy mejor

Y ya veras, las sombras que aquí estuvieron no estarán
Y ya veras, que no necesitaremos nada mas

Y dale alegría, alegría a mi corazon
Es lo único que te pido al menos hoy
Y dale alegría, alegría a mi corazon
Afuera se irán la pena y el dolor
Y dale alegría, alegría a mi corazon
Y dale alegría, alegría a mi corazon

Instinto

Anthony Hopkins (esqueci o nome do personagem) é um cientista (antropólgo, biólogo ou zoologista, sei lá) que estuda macacos em uma floresta no continente africano. Um belo dia ele desaparece na selva e, quando é encontrado, mata dois guardas. Cuba Gooding Jr. (cujo nome do personagem também esqueci) é um estudante de psicologia (aparentemente, do mestrado ou doutorado, creio eu) que se propõe a analisar o cientista e descobrir porque ele reagiu daquela maneira, e o resto eu não vou contar.

Institno é um filme bem velho já (de 99), mas pode-se usá-lo em diferentes questões (se eu fosse pedagoga, diria que pode-se fazer muitas leituras dele – eu não gosto dessa expressão, mas o pior é que ela é muito útil). Uma das questões que aparecem é a arrogância humana. Não que este seja o tema central do filme (que poderia ser algo como “quem é o louco da história?”, ou “quem é o animal irracional da história?”), mas a arrogância é um detalhe do núcleo de idéias centrais do filme, pelo menos.

Em determinada altura do filme, o personagem de Hopkins fala de um tempo em que a humanidade não plantava nem matava mais do que o necessário para comer – que é o que faz o restante da natureza. Acho que nisso consiste um dos principais sinais da arrogância humana (sem contar os sinais óbvios que podem ser observados nas relações entre as pessoas): dominar a natureza. Essa arrogância, mais do que uma possível extinção da espécie humana no futuro (o que não é uma consequência tão má, afinal), resulta, hoje em dia, na miséria de muitas e muitas pessoas, diariamente. E não somente uma miséria financeira – que de todo modo é uma das mais urgentes. Mas também uma miséria existencial, ou uma vida miserável. Claro que você pode ser feliz com pouco, mas se existem condições para que a vida de uma maioria miserável melhore, para quê manter essa maioria com o mínimo indispensável apenas para conseguir ir trabalhar durante a semana e somente repor as energiar no fim de semana? Ah, claro, porque seria necessário reduzir a fortuna dos poucos que têm mais, muito mais, aliás.

Não se trata de ter pena dos pobres-coitados que vivem com menos de não sei que miséria de dólares por dia no mundo, e sim de que, com certeza, quando a maior parte das pessoas vive em condições sub-humanas, as que vivem em uma condição praticamente sobre-confortáveis vivem constantemente com medo: vivem mal também, a sorte é que têm dinheiro para viverem chapadas com direito a receita médica.

Fala-se mal do Islã (às vezes com razão, muitas vezes sem), mas aqui, no “glorioso” Ocidente, há menos democracia do que lá (e a situação das mulheres não é argumento, pois, por mais que tenhamos a Lei Maria da Penha – que só agora foi indenizada, por sinal – e Delegacias de Mulheres, a maioria das ocidentais que não vivem em países desenvolvidos, se não usam burca, usam escoriações, hematomas ou traumas psicológicoso como adorno): a opressão, nos países islâmicos, possui limites, pelos menos. Não que eu ache que devemos, então, regulamentar a opressão como acontece lá. Só acho que a situação é menos horrenda (comparativamente, claro, pois eu não estou querendo dizer que eu conseguiria – e nem que gostaria de – ser islâmico), mesmo que não deixe de ser horrenda.

Eu não se se me perdi demais do que eu queria dizer, mas o que eu queria dizer, mesmo, era isso.

Li uma ambientalista que falou que os mosquitos nunca vão dominar o mundo, porque, apesar de serem muitos e de se reproduzirem rapidamente, eles próprios matam uns aos outros, o que é um controle populacional excelente – isso ela disse como argumento contra os inseticidas e coisas assim. Mas acho que a arrogância humana é o “humanicida” mais eficiente que há, e, tal como os mosquitos, as pessoas matam-se a si próprias. Ao invés de tentar dominar a natureza, talvez fosse mais conveniente tentar dominar a própria humanidade (não um domínio de uma pessoa sobre outra, mas a maioria das pessoas terem acesso ao controle – e a um domínio – maior de suas próprias vidas).

Nostalgia barata

Os anos 80 estão, todo mundo sabe, na moda. Por isso, eu já não fico mais contemplativo quando vejo coisas como Pogobol (eu nunca tinha escrito isso antes, mas tive um e brinquei até o troço estragar) ou Get Along Gang. Mas volta e meia os anos 80 me surpreendem.

Quem diria que o Spectreman foi o primeiro herói ecológico que surgiu por aí? (se existiram outros antes, tudo bem, mas é o mais antigo que conheço, bem antes do Capitão Planeta – “Vai Planeta!!!”)

Tem a musiquinha que é massa, mas tem uma fala no meio da música, cujo conteúdo eu não lembrava, só sabia que tinha. E veja só o que diz:

Planeta: Terra. Cidade: Tóquio. Como em todas as metrópoles deste planeta, Tóquio se acha hoje em desvantagem em sua luta contra o maior inimigo do homem: a poluição. E, apesar dos esforços das autoridades de todo o mundo, pode chegar um dia em que a terra, o ar e as àgua`s venham a se tornar letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá intervir? Spectreman!!! (retirado da wikipedia)

E uma coisa que eu não imaginava: o malvado dr. Gori fabricava seus monstro, veja só, com lixo reciclado. E pensar que hoje em dia os nossos mocinhos (as papeleiras, por exemplo, que geram empregos diretos e indiretos, ajudam a desenvolver a região e blá blá blá), são piores que os vilões mais antigos…

Insônia

São 01:30, e eu tenho que acordar às 06:45. A falta de sono aliada à falta de assunto me leva a falar sobre o que eu estudei a maior parte do semestre: Spinoza.
Começando pela grafia do nome: você pode encontrar tanto Spinoza, quanto Espinosa ou Espinoza. Os dois últimos nomes me lembram “espiga”, por isso eu prefiro o primeiro – pura frescura minha.

Bem, o que Spinoza tem de bom?

Eu não sei, porque faz pouco tempo que o estudo. Mas, até onde entendi, a concepção que ele tem do mundo é fascinante.

Não vá colocar essas coisas numa prova – sei lá se entendi tudo o que li – mas, para ele, existe uma única Substância. Tudo o que você conhece – e também o que não conhece – constitui-se, bem lá no fundo, dessa Substância (afirmação meio incerta).

Mas essa Substância possui dois modos de ser: Natureza e Deus. Não se tratam de duas coisas diferentes, separadas: Deus e Natureza são a mesma Substância, mas com atributos diferentes. Quer dizer, cada um dos modos reúne diferentes atributos. Alguns atributos são comuns a ambos os modos, mas outros são exclusivos de um ou outro.

Daí segue o de sempre: Deus cria a Natureza e imprime nela suas leis, que nem no catecismo, por exemplo. Mas, de diferente do catecismo, tem o seguinte: “Deus cria a Natureza” é o mesmo que a substância criando-se a si mesma, o modo criador é Deus, e o modo criado, Natureza. As leis divinas impressas na natureza não são normas, convenções, mas leis naturais, do tipo “você não pode lamber seu cotovelo” ou “você somente pode fazer aquilo que você tem capacidade de fazer”. Não são leis do tipo “faça isso assim ou assado”, mas sim do tipo “se é possível, você pode, se não, não pode”.

Como essa Substância existe e não pode não existir (do contrário nem eu nem você existiríamos), os modos também precisam necessariamente existir. E os atributos dos modos também. Nós – pessoas, plantas, animais, minerais, vento, fogo, etc – somos atributos de um dos modos (da Natureza), portanto, estamos sob a lei de existir, cada pessoa tem que manter a continuidade da sua própria existência. O poder de manter a própria existência vai de cada pessoa, mas, no geral, uma pessoa sozinha não tem muito poder para isso.

Assim, como meio de manter a própria existência, constitui-se a sociedade. A sociedade, portanto, serve para garantir a existência, a continuidade da existência das pessoas. Esta sociedade terá, ela própria, poderes sobre as pessoas, que serão gerenciados ou por um rei, ou por uma elite, ou por todos juntos. Quem quer que seja que torne-se responsável pela administração dos poderes da sociedade precisa prestar a atenção em duas coisas:

a) na obrigação de cumprir a função da sociedade, que é a de proteger a existência das pessoas;
b) no cuidado para não oprimir as pessoas sobre as quais tem poder, pois se um grande número de pessoas estiver insatisfeita, poderá se rebelar e acabar com a sociedade.

Assim, as pessoas, dentro da sociedade, com a continuidade da sua existência garantida pelo Estado, podem viver as suas vidas, desenvolverem-se como quiserem, etc.

Quais as consequências dessas idéias? (na minha opinião, claro)

I) qualquer que seja a divindade em que se acredite, ela não é diferente da Natureza; você até pode não acreditar em divindade alguma, mas não pode duvidar da natureza (se duvida, experimente colocar sua cabeça dentro da boca de um leão selvagem esfomeado). Quer dizer, ou você respeita a natureza porque ela é sagrada, ou porque ela é mais forte do que você.

II) o Estado (= sociedade) existe para garantir a continuidade da existência de cada pessoa desse Estado. Se não o fizer, quem não recebe esta proteção não tem a menor obrigação de respeitar o Estado. Como o Estado é muito forte, uma pessoa sozinha insatisfeita se dá mal; mas muitas pessoas podem, unidas, lutar contra um Estado que não cumpre sua função; da mesma maneira, o Estado não pode oprimir demais as pessoas, senão elas juntam-se e acabam com ele. O Estado pode, claro, tentar fazer parecer que tudo está bem, mas só vai durar enquanto conseguir enganar as pessoas. Hoje em dia, as pessoas não se dão conta disto: uma imensa maioria é oprimida por um Estado que serve aos interesses de uma minoria. Enquanto todos acharem que o Estado é mais importante do que elas próprias, vão continuar servindo de tapete para uma meia dúzia pisar em cima. Não se trata de uma luta contra proletários X burgueses, por exemplo, mas sim de uma tensão entre pessoas que não têm suas vidas asseguradas pelo Estado com pessoas que têm essa segurança. Essa balela de “Estado mínimo” serve apenas para estimular um Estado enxuto que garanta a existência da minoria. Portanto se você se sentir relegado pelo Estado, junte-se a outras pessoas na mesma situação e dê um jeito.

III) tudo é uma questão de forças: quem é mais forte pode mais do que quem é mais fraco. O Estado deveria impedir que umas pessoas fossem mais fortes do que outras, mas não faz isso. Só que essa relação de forças não vale somente para a relação entre os indivíduos: vale entre todas as coisas, inclusive entre a sociedade e a natureza. Isso quer dizer que somos uma sociedade de kamikazes, que lutam contra a natureza que, pelo que me consta, é mais forte, e vai vencer a briga – isso vale tanto para quem efetivamente destrói a natureza (quem faz queimadas, polui o mundo com coisas químicas, mata bichos, etc), quanto para quem não faz nada (os mosquitos cada vez mais resistentes a venenos, por exemplo, não querem saber se você polui o mundo ou não quando lhe picam – e nem as enxurradas e outras desgraças naturais desse tipo).

IV) as consequências dos ataques à natureza talvez – talvez – sejam a longo prazo, mas a vida medíocre a que a maior parte das pessoas é submetida atualmente é um fato atual, do momento, deste exato momento. Não tentar subjugar a natureza, e obrigar ao Estado a cumprir sua função – ou acabar com ele caso não a cumpra – são coisas necessárias para hoje, agora, ontem até.

Pelo menos desta vez foi uma insônia produtiva.

Idiotas

Segundo um professor, “idiota” é uma palavra que tem a ver com “idioma”: uma pessoa idi-ota seria aquela restrita ao seu idi-oma. Se a explicação está certa ou não, eu não sei, mas serve para o que eu quero dizer (ou seja, entenda “idiota” aqui nesse sentido, de pessoa limitada)

As pessas gostam de ser idiotas, têm orgulho de sua idiotice. Amam isso. Não gosto de justificar geneticamente o comportamento humano, mas estou quase acreditando que é genético: as pessoas possuem esse imperativo biológico que as obriga a ser limitadas ao seu mundinho, ao mundinho do seu cérebro, onde seus valores, suas crenças, seus gostos e suas certezas são absolutas. Tudo o que elas fazem é o que de melhor um ser humano poderia fazer. Tudo em que acreditam é a única coisa em que qualquer pessoa em sã consciência poderia acreditar. Seu valores são, é óbvio, os valores corretos, os melhores que uma pessoa pode ter. Sua vidinha é perfeita. Seus costumes são os costumes que todas as pessoas deveriam adotar, pois assim o mundo seria melhor. Não admitem, aliás, que o mundo seria melhor se todas as pessoas fossem como elas, mas acreditam nisso. Claro que nunca pararam para pensar em suas vidas – e nem há o que pensar, pois é claro como água que as coisas são assim. Porém são “tolerantes”: toleram essas pessoas ainda não “iluminadas” pelo modo de viver “correto”; “aceitam” porque são benevolentes, assim como são benevolentes para com as crianças, os cãezinhos e os idosos. Apesar de toda essa concessão que fazem aos inferiores, necessitam incutir nestes aquilo que estes não têm, mas que é indispensável à vida, ao mundo, a tudo. São “tolerantes” e “aceitam”, desde que esses seres inferiores ajam como elas. “Eu aceito que você seja assim, desde que você aja como eu”, “você deve agir quando e da maneira que eu acho correto, porque assim é melhor para todos”, isso tudo se parece (que coincidência!) com o velho “nós odiamos o pecado, mas amamos o pecador”. E, claro, fazem das tripas coração para serem assim “corretas”, sofrem com isso, mas não se importam de tentar impor justamente esse sofrimento aos outros. As limitações que impõem a si, as violências que cometem contra si mesmas, as justificativas impensadas que utilizam, são aquilo que lhes causa a maior satisfação impor aos outros, como quem estivesse fazendo um grande bem a estes outros – quando na verdade esse bem é feito a si mesmas, pois consideram como uma coisa boa fazer com que o maior número de pessoas possível possa compartilhar dessa sua mediocridade, pois assim têm certeza de que estão no “caminho correto”. São como o escorpião da piada, que não podia deixar de picar a tartaruga que o carregava pelo rio – mas, ao contrário do escorpião da piada, que não podia fugir àquela atitude porque, afinal de contas, era um escorpião e precisava fazê-lo, essas pessoas concluem que se sofrem, o melhor é que outras pessoas sofram junto; ou então, que se elas podem/puderam passar por este sofrimento, os outros também podem: “se eu sofro/sofri isso, você também pode”, “eu levo uma vida medíocre, porque você não deveria levar também?!?”, “não é que eu queria o mal para você, mas é uma necessidade da vida” (quando, na verdade, a necessidade é que não se sintam sozinhas em seu mundinho apertado e desconfortável).

Enfim a regra é que você seja idiota, ou que deixe-se transformar em idiota. Aspire a isso, seja assim. Dessa maneira todos ficarão felizes quando todos forem igualmente infelizes.

Nietzsche e ecologia.

a) Nietzsche foi um filósofo maldito até certo tempo. Depois disso, virou filósofo da moda – hoje em dia, mais exatamente. Sua legião de fãs considera-se maldita também, alternativa e coisas do tipo. Posso estar errado – e até espero estar – mas provavelmente a metade dos ditos malditos não entende metade do que lê, e entende mal a outra metade. “Deus morreu” não é um teocídio e nem uma frase de efeito gratuita (quer dizer, é sim uma frase de efeito, mas não está lá só pelo efeito, pela sensação que causa); “o homem criou a mulher da costela de seu deus, seu ‘ideal'” (citei de memória, provavelmente não é exatamente assim) não é uma frase machista (basta ler Simone de Beauvoir), pelo contrário, vai ao encontro do feminismo; declarar-se um descendente de nobres poloneses não é loucura e nem piadinha, isso não é sobre sua família. Mas é fácil citar Nietzsche por aí.

b) Por isso, eu acho difícil elogiar Nietzsche. Gosto dos seus livros, de muitas das suas idéias e do jeito como escreve. Mas não sou maldito, nietzschiano, alternativo, nem entendedor de Nietzsche. Por isso, fico meio assim de elogiá-lo. Mas, enfim, elogio.

c) Isso só para dizer que não quero falar da obra, nem do filósofo e sua filosofia, nada disso. Só sobre um detalhe fundamental da vida dele:

d) Nietzsche enlouqueceu no final da vida. O sintoma mais conhecido dessa loucura foi sua tentativa de defender um cavalo das chicoteadas que recebia, abraçando-se nele.

e) Se Nietzsche enlouqueceu, é necessário que se interne todas as socialites que dão festas de aniversário para seus cães, e para todas as outras pessoas, independente das condições sociais, que amam seus animais.

f) É necessário internar, junto, ambientalistas, ecologistas, pessoas que economizam recursos naturais, gente que compra ou vende créditos de carbono, enfim, essa malucada toda.

g) Ou, então, ele de louco não tinha nada, pelo contrário: a vida de um cavalo não vale mais do que a de uma pessoa – mas também não vale menos.

h) É difícil afirmar uma coisa dessas, quando nem as vidas humanas valem muito por si sós – aposto que se somarmos a renda de todas as pessoas assassinadas, mortas por negligência médica, balas perdidas, por nada, por assalto, etc, ela não será maior do que a renda das pessoas vivas hoje. O cálculo pode parecer tosco e inclusive pode dar errado, mas o que eu quero dizer é que a vida de uma pessoa, hoje em dia, vale mais ou menos tanto a quantia de dinheiro que ela tiver (incluindo conta no banco, investimentos tipo ações e imóveis, e cargos).

i) Por isso que “loucura” é você pensar (caso pense) que é um ser superior a qualquer bicho que vemos por aí. Eu não estou pregando que se pare de matar mosquitos no quarto, e nem que se pare de tomar Nescau (que, aliás, tem ficado horrível nos últimos anos, e por isso eu só tenho tomado Toddy ou Barra, este último mais barato). Isso, na minha opinião, é uma arrogância que não é diferente da arrogância comum que vemos tanto por aí.

J) E, por incrível que pareça, a arrogância não é o pior disso tudo (e não é tão fácil achar coisas piores do que arrogância – há muitas até, mas não é fácil). O pior é que é essa arrogância que, possivelmente vai acabar com a vida humana no planeta.

K) Que bom se a humanidade conseguir manter-se por muitos e muitos anos sobre a Terra. Mas, se não puder, paciência. O ser humano não é o ápice da criação, e a natureza não tem necessidade de sua existência. Acho que a continuidade da espécie é um bom argumento para a promoção da manutenção da natureza, mas não é um argumento absoluto (tanto porque nem a espécie humana é tão importante para a natureza, quanto porque existem coisas mais importantes do que a perpetuação da espécie).

L) Um argumento que deveria ser indefensável é: viver bem hoje em dia.

Idéias

A cada semana eu tenho idéia de um trabalho de conclusão diferente. Todas muito boas, mas muito falhas aqui e ali.
Uma das que eu pretendo levar adiante (quer dizer, fazer durar pelo menos um semestre) é , sei lá eu como, fazer algum trabalho relacionado ao ambientalismo.
Sei lá. A filosofia já tratou de deus, da sociedade, do indivíduo, da lógica, da semântica, mas fez pouca coisa por essas bandas.
Só não quer ter que estudar Peter Singer – tenho direito aos meus preconceitos.

Primavera Silenciosa

Eu quero, nos próximos dias, semanas, meses ou anos (vá saber) escrever sobre todas as séries que eu gosto de assistir (que por coincidência são as mesmas que assisto – quer dizer que só assisto às que gosto). Eu ia escrever sobre Twin Peaks, mas vou esperar ver a última fita para falar, eu acho. Mas é demais!
Mesmo assim, tem a ver com o assunto da série anterior. Não, na verdade não tem não. Foi algo só mencionado por cima no textinho sobre o The LW.

Não sei que artista deixou um cachorro morrer de fome amarrado em uma parede. Dá para entender a lógica dele: arte tem a ver com esse negócio de impactar as pessoas. Andy Warrol (é assim que se escreve) colocou aquele mictório na sua exposição para fazer refletir sobre o que é arte e o que não é arte, e blá blá blá. Certo, aceito isso. Mas e se fosse o broche da avó dele? O caso teria corrido o mundo e os anos como um tipo de marco na história da arte? Será que ele entraria para a história com as Marylin Monroes apenas? Foi muito legal a parada do mictório, confesso – mas Valérie Solanas não fez algo muito mais interessante e merecedor de maior destaque (me refiro ao SCUM e não ao tiro)? O que eu quero dizer é: o mictório precisou impactar para virar discussão. (por isso a história do broche: se fosse só o objeto deslocado, não teria o mesmo efeito; teve que ser um objeto impactante deslocado, entendeu?)

Certo, discutiu-se – e discute-se ainda – arte, o que é arte? o que é um objeto de arte? o que é estética? Ok.

Mas eu falava da lógica do cara lá: ele quis causar impacto. Andy Warrol colocou um mictório entre finos objetos de arte, causou impacto por uma boa causa. O artista matador de cusco? Matou o cão para mostrar a hipocrisia das pessoas. Lindo. E falo sério. Uma idéia genial. Como ele mesmo disse, ninguém daria bola para o bicho, só falam do cãozinho porque o sr. artista amarrou ele na parede (onde se lia “tu és o que tu lês”) e deixou-o morrer. E ninguém fez nada, desamarrar o cão, chamar a polícia, bater no artista…

Acho que a liberdade criativa é tão importante quanto comida. Mas você não precisa pensar assim, e pode preferir comer a ter liberdade. Eu vou fazer o que? Lhe obrigar a ter liberdade criativa? Dar pincel e tinta aos esfomeados pedintes da rua? “Aqui menininha, explore sua criatividade, expresse seu lindo interior com estas lindas cores nesta tela…” Se ela comer o pincel e beber a tinta, foi uma manifestação artística?

Mas além da liberade artística, há outra coisa em jogo: os bicho (que nem diz a minha vó). Animais não são gente – eu também acho. Mas o que dá o direito a uma pessoa a matar os animais por tais ou quais motivos? Eu sei que se um leão entrar com fome pela minha porta, ele me come e está se fudendo para o direito das outras espécies (eu, no caso) sobreviverem. E eu, com fome, matava ele e comia também (acho fascinante o vegetarianismo e suas variantes, mas não vivo sem um pão com salsicha ou mortadela ou uma lasanha e essas comidas antiecológicas). Mas leões e outros animais não abatem nenhuma outra espécie sistematicamente. Certo, vai que alguém aí sabe de uma espécie de macacos que mata sistematicamente uma espécie de, sei lá, cobras, porque uma espécie sente raiva da outra. Mesmo assim, eles não criam a espécie que odeiam, engordam-na com um monte de porcarias para ficarem mais saborosas, e comem-na nos dias de festa e de guarda. Eles sentem raiva, e matam. “O ser humano é o único animal que ri quando entende a piada”, disse o Luiz Fernando Veríssimo, mas também é o único que comete crueldades em bando e depois escreve livros de ética sobre isso. Onde eu quero chegar?

Os animais, ditos irracionais (e é racional que a fuga de capital estrangeiro da Bovespa mereça mais destaque que a fome no mundo?), por mais que matem, seja por fome, vingança ou esporte, não fodem com todo o ecossistema em que vivem. Se isso não é uma atitude racional, me internem. “Ah, mas eles não têm a intenção de proteger o ecossistema, eles só não têm capacidade para isso”. Mais irracional ainda é quem tem capacidade de fazer ou não fazer isso, e faz. Quero dizer que os seres humanos não se sustentam sós no mundo e, se não for pelo mero gosto pelos bichos, precisam respeitar e cuidar por questões de sobrevivência, de manutenção do mundo. Claro, esse argumento perde a validade se vc está se fudendo para as próximas gerações. Mas, então, que tal este? “Sem intenção alguma”, a selva inteira se vinga – e nem se trata de vingança, mas de autopreservação. Ou vc acha que, conscientemente (o que duvido) ou não, a selva não possui mecanismos de defesa contra uma espécie dominante? É só uma hipótese, mas tenho certeza de que está correta. Não imagino que a selva esteja arquitetando um plano para exterminar a humanidade. Ela (a humanidade, quer dizer, nóis) está se exterminando. Vai levar um monte de espécies junto, é verdade. Mas a selva vai sobreviver a isso, se reconstitui, e pronto, teremos um futuro sem pessoas no futuro. Mais do que isso: qualidade de vida, sem esse tipo de cuidado, não existe. Experimente viver só de mini-chicken e salsicha para ver como é bom.

Esse tipo de pensamento, de que os animais são inferiores, é que está por trás da grande idéia do sr. artista em matar o cão. Um cão vale menos do que a mensagem da sua morte, uma árvore vale menos do que as 500 folhas de papel que ela vai produzir, um rio vale menos do que uma papeleira instalada às suas margens, um boi menos do que um churrasco… se vc concordar com o pressuposto de que a espécie humana precisa das outras espécies para manter-se (não ´so a espécie, mas também os indivíduos, independente da espécie como um todo), logo esta sequência termina em que o ser humano também vale menos do que a papeleira, a mensagem, o churrasco.

Considero muito importante a mensagem que o cara quis passar. Mas o cachorrinho, creio eu, era muito mais importante do que ela.