Coisas que eu não entendo

Quando prenderam o tal Daniel Dantas – o banqueiro, não o ator – o cara conseguiu dois mandatos de sei-lá-o-quê para não ficar preso em questão de horas. Quem deu esse presentão foi tal do ministro Gilmar Mendes (que é presidente do STF – não era a Ellen Gracie???)
Se o cara – o ministro – não é corrupoto, gente boa também não é, porque se a suspeita fosse sobre mim ou você, ele não ia facilitar tanto assim a nossa vida – ou será que ia? De qualquer modo, eu, quando ando na rua, tenho que andar com um olho nos bandidos e o outro nos policiais, quer eu esteja fazendo algo ilegal, quer não – e não vem ministro nenhum garantir nada para mim.

Até aí, tudo bem – é uma lei informal que a sua proteção estatal é proporcional à sua riqueza.

Mas aí ver em quase toda a mídia o Gilmar Mendes ser pouco a pouco transformado em herói, porque luta contra o nepotismo, porque quer reformar não sei o quê, porque colocaram uma escuta na sala dele – quando qualquer um envolvido com algum criminoso ou suspeito está sujeito a isso – e porque ele está sofrendo com o estado policialesco, é nojento!! Eu sofro tanto pelo excesso de policiamento – porque se eu sair sem minha carteira de identidade vou direto para a cadeira – quanto pela falta de policiamento – porque aqui no centro da cidade tem brigadiano saindo pelo ladrão (sem trocadilho), enquanto que basta você se deslocar 1km do centro e você só encontra os bandidos gozando da segurança de que não vão encontrar a polícia ali. Quem sofre com o estado policialesco sou eu!! Vá ver se o pobre coitado do ministro não pode usufruir das vantagens da democracia mais do que eu – tais como ir e vir (porque eu só consigo ir e vir até onde minhas pernas alcançam, afinal o ônibus está caro e a carteira de motorista também), acesso à alimentação decente (quem me garante isso é minha mãe, e não a democracia) e educação (quem me garante isso é a briga semestral com a universidade para que eu possa fazer menos cadeiras do que o mínimo permitido). O problema não é a democracia, é gente se sentindo ofendida em cadeia nacional com coisas que a ralé que não é ministra de nada convive diariamente sem que o JN venha fazer uma reportagem.

Eu, quando me sinto amedrontado pelo sistema, posso no máximo fumar um cigarro de preocupação. Porque uma besta dessas não pega vai ler um livro ou fazer ioga e pára de chorar para o William Boner que está sendo perseguido.
Ah, é! Ele faz isso porque é um servidor público que trabalha para garantir a minha liberdade, tinha esquecido dessa sua nobreza de espírito.

Resoluções para Setembro

Todas as pessoas costumam fazer resoluções de ano-novo. Mas porque não se faz resoluções, também, de semana nova (além da dieta, claro), de nova fase da lua, de quinzena nova, semestre novo, dia novo, etc?
Eu, no momento, vou fazer minhas resoluções de mês novo. Dependendo, as mantenho para os próximos meses:

a) vou dedicar mais tempo para estudar, ler, ouvir música, descansar e comer com calma e sem pressa – quer dizer, dedicar mais tempo a mim. É incrível como uma pessoa pode dedicar tanto tempo aos outros em detrimento de tempo para si. Tem aqueles tempos que você não pode determinar: horas de trabalho, horas de sala de aula, horas de deslocamento, etc. Mas dá para dedicar menos tempo a coisas que têm menor retorno.
As horas que eu dedico a gastar dinheiro: para gastar menos dinheiro, eu acabo gastando tempo demais pesquisando preço mais barato, indo mais longe – geralmente a pé – para comprar mais barato, calculando quanto dinheiro eu tenho, quanto custa o que eu quero, se vale a pena gastar ou não com aquilo, etc; na dúvida, não levo e deu. Porque, de qualquer maneira, eu entro sempre no cheque especial no fim do mês e o vale-refeição acaba antes que eu termine de comer. Então, menos tempo dedicado a gastar dinheiro.
Tem também as horas que eu dedico aos outros: quebrar um galho aqui, ouvir um problema ali, visitar algém mais para lá, essas coisas. Eu não me dedico às pessoas de quem eu gosto esperando retorno – infelizmente, eu tenho o costume de pressupor que, assim como eu faço algo por alguém só porque gosto da pessoa, a pessoa fará o mesmo por mim. Ou é um problema de erro de julgamento meu, ou então as pessoas são assim, tal como eu, mas não gostam tanto assim de mim, não sei. Sei apenas que quando eu preciso, não encontro ninguém. Então, em vez de tentar contribuir para com as necessidades dos meus amigos, vou contribuir mais para com a minha necessidade. Não que eu não queira o bem das pessoas, pelo contrário: mas vou ficar só no “boa sorte”.

b) vou dormir e acordar cedo durante a semana, e dormir e acordar tarde nos fins de semana. Porque eu tenho feito o contrário: chego sempre em cima da hora no trabalho, e aproveito as maravilhosas manhãs do fim de semana. Está errado isso. Tudo errado.

c) vou parar de ser legal gratuitamente com os outros. Porque só eu faço isso e isso dá trabalho. É mais fácil mandar todo mundo se fuder por padrão e ser excepcionalmente legal só em certos casos. Cansei de me desgastar para ser legal por padrão e só mandar se fuder excepcionalmente em certos casos. Isso se chama “ligar o foda-se”.

d) vou escrever mais. Acho que é a resolução para Setembro mais simples que fiz.

limite

De todas as pessoas no mundo, existem as que eu conheço. De todas as que eu conheço, existem as que tem alguma relação maior comigo, coisas em comum como morar na mesma cidade, trabalhar no mesmo lugar, compartilhar os mesmos interesses, essas coisas. De todas estas últimas, há algumas com quem eu convivo mais, seja por obrigação, seja por gosto.

Desse afunilamento, desde o mundo inteiro até as pessoas com quem eu convivo, eu precisava conviver com as pessoas, com o tipo de pessoas mais nocivo a mim? Eu precisava viver com o tipo de pessoas mais intolerante, mais formatada, mais tosca, mais centrada em si mesma, mais mesquinha, mais arrogante, mais distante de mim?

Poderia ser pior? Poderia: eu podia viver em um lugar onde eu fosse explorado sexualmente, economicamente, ou poderia viver em meio a tiroteios constantes, ou sem saneamento básico, qualquer desses horrores a que muitas pessoas estão sujeitas. Mas só porque poderia ser pior não quer dizer que não seja horrível e insuportável!!!

Eu nunca desisti de fazer as coisas com as quais eu sonho. Já desisti de muitas coisas, e muitos sonhos eu nem comecei porque não via perspectivas concretas de realizar no momento. Mas dos sonhos que eu comecei, eu nunca desisti e fui até o fim, nem que fosse apenas para terminar, mesmo que fosse mal terminado.

Eu já abri mão de muitas coisas na vida. Já me joguei no lixo inúmeras vezes. Mas de certos aspectos, de certas coisas minhas eu nunca abri mão. Eu não sei se talvez meu erro seja preservar uma ou duas coisas intocáveis, quando deveria, na verdade, abrir mão de tudo e me deixar levar, apostar e ver no que dá de maneira absoluta.

Às vezes é necessário desistir de certos projetos. Mas a minha única saída, a única perspectiva à minha disposição é desistir de projetar, de ter perspectivas, de sair do mesmo lugar em que eu me encontro.

Eu já não sou a mesma pessoa que era quando eu tinha, sei lá, 10, 14 e mesmo 20 anos. Mas mesmo com todas essas mudanças, eu continuo sempre e sempre à mercê exatamente das mesmas coisas a que sempre estive à mercê. É como se livrar-se desse horror fosse um trabalho de Sísifo. Mas não é a pedra, e sim eu que sempre rolo montanha abaixo, para recomeçar tudo novamente.

E a cada dia que passa a pedra se torna mais e mais pesada.

Quebra-galho

Isso não é uma avaliação sobre a maneira como as pessoas agem para comigo, pelo menos não necessariamente, mas sim uma avaliação sobre a maneira como eu enxergo as ações das pessoas.

A impressão que eu tenho é que as pessoas se aproximam mais de mim quando estão em uma fase ruim, e se afastam quando estão bem. Como se o único interesse que eu possa causar seja o de ser um ombro amigo para quando se está mal, e, depois, quando a pessoa está bem (não que eu tenha sido o que fez com que a pessoa melhorasse), vai se divertir e ser feliz com quem realmente interessa.

Eu não sou a pessoa a ser procurada para compartilhar coisas boas (não que ninguém compartilhe coisas boas comigo, eu acho), mas sim para compartilhar as desgraças da vida, para servir de apoio.

Sei lá, é ruim você descobrir que é uma pessoa exclusivamente temporária na vida das outras.

Urgência e tamanho

Não existem pessoas com problemas maiores do que os meus. Eu detesto quando eu me arrisco a contar quais são os meus problemas, e tenho que ouvir que tem coisa pior no mundo, imagina os doentes, ou as pessoas sem comida na África, etc, estes sim têm problemas…

Primeiro, há uma diferença entre tamanho e urgência dos problemas.
O tamanho de um problema é geralmente relativo à própria pessoa. Um mesmo problema por ter proporções muito diferentes para uma e para outra pessoa. E, geralmente, os problemas mais toscos não são às vezes capazes de ser resolvidos porque há algum problema maior e anterior que precisa ser resolvido – o que não torna certas pessoas menos chatas.
A urgência do problema é outra coisa. Eu estou aqui, me sentindo mal, abandonado, sofrendo, etc, e que ninguém venha me dizer que isso não é nada! Mas concordo que não é um problema tão urgente quanto uma pessoa passando fome, ou uma pessoa que perdeu alguém que ama, por exemplo. Se as pessoas falassem em uma hierarquia de urgência, tudo bem. Mas meus problemas são sempre “probleminhas”.

Segundo, mesmo que eu aceitasse a idéia de que existem problemas maiores e problemas menores, ainda assim isso não deveria servir como redução dos meus problemas. Isso – essa idéia de que o probleminha de alguém não é nada comparado com o problemão de outra pessoa – às vezes (e eu disse às vezes) é sinal de que uma pessoa está com problemas, e vê outra com um problema “maior”, fica feliz e consolada porque tem alguém pior – ou seja, se contenta com a desgraça alheia. De qualquer maneira, o fato de outra pessoa ter um problema “maior” não diminui nem resolve o meu problema, e não me serve de estímulo para ignorá-lo. Mas não existe isso de problemas maiores ou menores. Existem problemas mais urgentes e menos urgentes. E o fato de haverem pessoas com problemas mais urgentes do que o meu não invalida os meus próprios problemas. É uma constatação triste a existência de pessoas com problemas mais urgentes que os meus, mas é uma constatação igualmente inútil tanto para mim com meus problemas menos urgentes, quanto para as outras pessoas com problemas mais urgentes. O fato de eu dar atenção aos meus problemas menos urgentes não significa que eu não dê bola para os problemas mais urgentes dos outros – significa apenas que eu também tenho meus problemas.

Eu não quero, com isso, “elogiar” o sofrimento menor. Só quero mostrar que um problema é sempe um problema, e os problemas alheios não resolvem os meus; e também que o tamanho de um problema é uma medida pessoal, somente a urgência deveria ser levada em conta.

Cada qual

Acho que meu problema é sobrevalorizar e universalizar o amor. Há tantas coisas que são acessíveis a outras pessoas e a mim não, assim como há coisas inacessíveis a outras pessoas que são acessíveis a, dentre outras pesssoas, eu.
Talvez isso de amor, de alguém intressar-se, não seja para mim. Talvez haja outro caminho, sei lá, que não inclua alguém ter interesse por mim. Claro, a Receita Federal se interessa pelo meu CPF, as Lojas Americanas pelo meu dinheiro, meus amigos por saber que estou vivo. Mas amor, essa coisa toda de alguém se encantar comigo, não há. Para mim.
Nem tudo o que vale para as outras pessoas vale necessariamente para mim. Simples desse jeito.

Afecção nº 5

“O desprezo (Contemptus) é a imaginação de uma coisa qualquer, imaginação que toca de tal modo pouco a alma que a alma é conduzida, pela presença desta coisa, a imaginar antes o que nela não existe que o que existe…” (Spinoza: Ética, Livro III, Definições das afecções, definição V)

Eu tenho crises de vez em quando. Nada patológico, ou orgânico, ou que seja resolvido com uma boa e velha receita médica, de qualquer modo. São crises emocionais, psicológicas, desse tipo de crises.

Geralmente ocorrem por conta de uma debilidade emocional minha. Quer dizer, se trata de uma incapacidade, naquele momento, de reagir emocionalmente a emoções prejudiciais, como sensação de opressão, de falta de autoestima, falta de perspectiva (desespero, mas moderado), coisas assim. Geralmente essas reações emocionais envolvem não deixar que as emoções mais convenientes sejam sobrepujadas pelas prejudiciais, o que me permite reagir, com alguma ação, contra o que me oprime, ou que me desespera, ou que desvaloriza, ou sub-valoriza, etc. Por isso, eu acho esses momentos de crise semelhante a uma AIDS emocional. Uma imuno-deficiência emocional que, por si só, não causa maiores danos (causa danos, mas reparáveis), mas que debilita minha capacidade de reagir, de me revoltar, de me colocar, essas reações que se tem frente a um ataque alheio. Digo isso considerando que essa situação nem se compara à AIDS, que, por mais tratamento que já possua, ainda assim é sério.

O HIV dessa AIDS emocional é o desprezo. Mas ao contrário do HIV original, este HIV emocional necessita de uma certa colaboração minha para ter forças.

Eu sempre tive problemas com o desprezo alheio. Durante um certo tempo da minha vida, eu me vi sempre sob a perspectiva alheia: se me aceitam, valho alguma coisa, e se não me aceitam, não valho nada, porque eu era tão valioso quanto as outras pessoas julgavam que eu era.
Por algum motivo, eu sofro uma disposição a ser ignorado maior do que a média sofre. Assim, como eu me valorizava segundo o valor que davam para mim, mais essa minha facilidade em ser ignorado, o resultado era um auto-desprezo muito grande. Eu não sei se é a mesma coisa do que uma baixa autoestima, porque uma pessoa com baixa autoestima está convencida de que não vale nada; mas o meu caso era de me valorizar segundo o valor que me davam – quer dizer que hoje eu poderia não valer nada, e amanhã, tudo. Uma pessoa com baixa autoestima ainda afirma alguma coisa de si – afirma que não vale nada – (ainda que afirme algo prejudicial); eu, minha única afirmação era “vocês é que contam”, ou “o que eu valho é o que vocês dizem que eu valho”, como uma ação na bolsa de valores ou um litro de leite em uma prateleira de supermercado, que não possuem valores próprios, mas somente os atribuídos pela lei de oferta e procura exclusivamente, no caso das ações, e pela margem de lucro definida pelo supermercado mais a lei de oferta e procura, no caso do leite. A minha afirmação era de que eu não poderia afirmar nada, só ser afirmado.
O desprezo alheio, portanto, tinha uma força muito grande sobre mim porque eu já me auto-desprezava de antemão, e esse auto-desprezo tanto favorece o desprezo alheio quanto qualquer outra ação alheia sobre mim. Eu não era algo em si (ou em mim), mas algo nos outros. É diferente de um parasita, que depende do hospedeiro para se manter; é mais um caso de um corpo inanimado que depende do ânimo alheio para ter vida, como um boneco de ventríloquo, um fantoche ou um verbo transitivo, ou então um caso de comensalismo, quando um indivíduo tira proveito de outro sem, no entanto, prejudicá-lo – como uma orquídea, que quando não tem acesso ao sol, trepa em outra árvore para ficar mais alta, mas não prejudica a árvore onde trepou; é diferente também de uma simbiose, onde os dois indivíduos se beneficiam.

Aí, depois de muito drama e sofrimento, aprendi a me auto-valorizar. Claro que a estima alheia sempre vem bem, e desprezo sempre vem mal, mas não vivia mais da estima alheia e não morria mais por causa do desprezo alheio.

Ocorre que esse HIV emocional (o auto-desprezo, o comensalismo emocional), tal como o HIV original, é passível de tratamento, mas não de cura. A consequência é que está sempre à espreita, não é eliminado. Mas habitualmente aprendi a mantê-lo em seu lugar.

Somente em momentos de crise é que esse HIV emocional ganha forças, e eu sinto como se realmente eu não valesse nada, especialmente quando certas frentes de combate não oferecem, de maneira alguma, um cessar-fogo devido à crise (uma observação especial às minhas chefes no trabalho que baixaram as armas nesse momento, o que me deixou na insólita e nunca ocorrida situação de me sentir melhor no trabalho do que em casa).

A debilidade emocional, a crise, os momentos de crise mais forte, ocorrem de uma maneira que ainda não sei identificar: um cansaço emocional, um momento de fraqueza que oportuniza uma devastação emocional, um conjunto de muitas situações adversas que acabam me vencendo naquele momento, eu não sei ainda.

Mas para isso que serve aquela concepção de desprezo descrita por Spinoza na sua Ética: se o desprezo é quando alguém, ao me ver, percebe mais o que eu não tenho (ou não sou) do que o que tenho, o auto-desprezo é quando eu somente vejo o que eu não tenho – e a maneira de combater isso é descobrir, e mesmo criar, se necessário, eu.

Tempos Modernos

Intérprete: Marisa Monte
Composição: Lulu Santos

Eu vejo a vida melhor no futuro
Eu vejo isso por cima do muro
de hipocrisia que insiste em nos rodear

Eu vejo a vida mais farta e clara
Repleta de toda a satisfação
Que se tem direito
Do firmamento ao chão

Eu quero crer no amor numa boa
E que isso valha prá qualquer pessoa
Que realizar a força que tem uma paixão

Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera
Com habilidade pra dizer mais sim do que não

Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir

E não há tempo que volte amor
Vamos viver tudo o que há prá viver
Vamos nos permitir

Preconceito reverso

Eu tenho, como qualquer pessoa, meus preconceitos. São vários: contra pessoas de uma cidade vizinha à minha, por exemplo, que me dão a impressão de serem todos gente tosca e horrível – apesar de já ter conhecido uma pessoa maravilhosa de lá; contra pessoas exageradamente homofóbicas, as quais eu sempre suponho que o exagero esconde uma homossexualidade reprimida – não que eu pense que toda a homofobia seja fruto do recalque da própria sexualidade, mas sempre suponho que exageros inflamados sejam recalque; contra machistas, nos quais sempre julgo haver algum complexo de inferioridade; etc.
São preconceitos porque as pessoas da minha cidade vizinha não são todas necessariamente toscas, nem todos os exageradamente homofóbicos serão necessariamente homossexuais recalcados e nem todos os machistas são necessariamente pessoas com complexo de inferioridade (“pessoas” porque existem também mulheres machistas, e também acho, preconceituosamente, que sejam casos de complexo de inferioridade). Claro que eu digo isso somente de maneira politicamente correta, porque não é o que eu sinto – sei, por exemplo, que as pessoas da cidade vizinha não são todas toscas, mas sinto o contrário. Tenho que trabalhar essas coisas, enfim.

Outro preconceito, que tenho que trabalhar de maneira mais urgente, é o de replicar preconceitos que eu já sofri sobre uma generalização das pessoas que me fizeram sofrer este preconceito. Assim:

Quando eu era “dimenor”, eu era meio maluquete. Eu era pré-adolescente e pensava que estaria fazendo a revolução usando all-star, por exemplo. Corrigindo, então, eu pensava que era maluquete, mas era um pré-adolescente como qualquer pré-adolescente – que maximiza tudo o que faz de uma maneira quase infinita. De qualquer maneira, era muito escanteado pelas (então classificadas como) pessoas de bem: que eram meus colegas, com suas respectivas famílias, que não gostavam das minhas atitudes, dos amigos maconheiros, vileiros e marginais que eu tinha. Não que todos fossem realmente vileiros, maconheiros e marginais, mas quaisquer outros grupos em que se enquadrassem eram objeto de repulsa por parte das pessoas de bem; só menciono esses três porque são exemplos de pessoas que costumam causar repulsa, ainda, em muita gente. E minha cidade é uma cidade de pessoas de bem (“pessoas de bem” não é o mesmo que pessoas do bem, só para deixar claro).

Então, haviam pessoas com características semelhantes entre si que me hostilizavam, me rotulavam e o faziam ou pelas minhas atitudes ou, na falta delas, o faziam por causa das roupas que eu vestia, das pessoas com quem andava ou das idéias que eu expressava. Quer dizer, porque eu matava aula eu era uma má influência, porque eu andava com maconheiros eu fumava maconha, porque eu fumava maconha eu era, novamente, má influência, enfim.
Acho que um preconceito parte de uma generalização. Você vê um indivíduo ou um grupo de indivíduos com determinadas características, e supõe que outros indivíduos, que possuam algumas características semelhantes, certamente irão apresentar as outras características que vocêo viu naquele primeiro grupo de indivíduos. Generalizar é você supor que alguma ou algumas características pressuponham necessariamente outras características, mesmo que você não tenha visto estas outras características. No meu caso, por exemplo, a característica de matar aulas levava as pessoas a acreditarem que eu faria com que os outros fossem matar aulas, porque pensavam que toda pessoa que mata aulas leva outras pessoas a matar aulas; ou a característica de andar sempre com maconheiros em volta levava as pessoas a acreditarem que eu fumava também (e isso que só fui fumar maconha depois dos vinte anos, e maconha aliás é muito bom, mas também não é bicho: não trocaria um chocolate, uma praia ou um vinho por um baseado, por exemplo – não que essas coisas se excluam, mas só para demonstrar a hierarquia das minhas preferências). Mas, enfim, generalização é isto, você pressupor que uma pessoa em quem você viu a característica A vai apresentar necessariamente a característica B, mesmo que você não tenha visto a característica B, só a A. Isso é uma maneira de criar um preconceito (tomara que seja a única).

O meu preconceito reverso consiste em generalizar as pessoas que têm algum tipo de preconceito contra mim, e pensar que sempre o mesmo tipo de pessoas terá preconceito contra mim. Nota: os preconceitos que pesam contra mim não são, de maneira geral, os preconceitos mais difundidos socialmente; muita gente acha que sou veado, por exemplo, e isso não me incomoda, é até um elogio de certa maneira, e minha única preocupação é que alguma garota que porventura esteja afim de mim não o diga porque pense “ah, o cara é gay, nem vou tentar”, mas também não esquento muito com isso; me refiro a outros preconceitos que não vou mencionar (aquele mencionado ali em cima é só um exemplo da minha adolescência, pré-adolescência, aquele período). Quer dizer, eu, que sou às vezes rotulado por algumas pessoas, “coleciono” as características delas e pressuponho que outras com características semelhantes vão me rotular, e já me sinto, por isso, rotulado de antemão, sem que necessariamente elas tenham me rotulado (porque eu geralmente não pergunto se me rotularam).

É um preconceito, como qualquer outro, e, além disso, influi de maneira negativa nas minhas relações com as pessoas. Como qualquer outro preconceito, aliás.

Lei Maria da Penha.

Dificilmente eu sou estou de acordo com a maioria das leis. Não é nada contra as leis em si, mas sim contra o seu conteúdo. Uma das poucas excessões foi a lei Maria da Penha (tem um número essa lei, como todas as outras, mas eu sei lá qual é).

Acho que nenhuma lei é perfeita. Quanto a esta, eu me sinto um pouco ameaçado. Não por ela, mas por algum uso esperto dela. Nada impede que uma mulher venha uma hora dessas e me acuse de violência contra as mulheres, só para, sei lá, ganhar dinheiro (logo de mim?), se vingar contra o androcentrismo em geral (logo em mim?), ou por qualquer outro motivo, as pessoas não precisam de motivos para serem filhas-da-puta. Mas, como eu me sinto ameaçado pelo uso esperto de outras leis contra mim (nada impede que qualquer pessoa me processe por qualquer coisa idiota baseada em qualquer outra lei, como, ah, sei lá, corrupção passiva por ser suspeito de ter votado na Yeda, por exemplo – independente de em quem eu tenha votado, conheço pessoas que dão como certo que eu votei nela – logo eu?)

E, mesmo que essa fosse a única lei que pudesse ser usada de maneira esperta contra mim, acho que o risco individual que ela representa é muito menor do que as vantagens coletivas – e individuais, não para mim, nesse caso – que ela traz. A começar que evita que qualquer macho ressentido sente a mão na primeira mulher que enxergar na frente (geralmente a esposa/namorada/algo do gênero) quando estiver sentindo-se humillhado pela sociedade/pelo mundo/pela vida/pelo sistema/etc. Agora, além de ser macho e ressentido, o cara vai ter que ser burro ou ter dinheiro para pagar bons advogados e comprar maus juízes. Além disso vêm as consequências óbvias: as mulheres que apanham têm uma coisa legal a que recorrer quando apanham (não deveria ser necessária a proteção legal, mas…), e eventuais linchamentos públicos de batedores de mulheres (deve haver algum termo oficial melhor para isso) poderão ser justificados como uma aplicação excessiva da lei – seria legal que caras que batem em mulher fossem tratados fora do presídio da mesma maneira que estupradores são tratados dentro do presídio (mas eu corro o risco de ser quase tão tosco quanto eles pensando assim).

Mas o Brasil é mesmo um lugar selvagem. Estou quase dando razão aos deputados norte-americanos (logo eu?) que pensam que o Brasil é uma selva onde os macacos e as onças frequentemente perambulam em território urbano.

Essa imagem de animais selvagens perambulando em território urbano, aliás, é menos assustadora do que a imagem (desta vez real) de animais (sic) racionais e civilizados como o juiz Marcelo Colombelli Mezzomo, de Erechim (RS), que considera a lei Maria da Penha surreal e populista, e por isso nega a maioria dos pedidos de medida preventiva baseados nela, ou como o juiz mineiro que, em 2007, afirmou que a lei Maria da Penha era ‘diabólica’, explicando que o controlar a violência contra a mulher tornaria o homem ‘um tolo’, ou ainda os juízes do Rio de Janeiro e de Mato Grosso do Sul que declararam inconstitucionais a lei. Esses animais não andam somente soltos em território urbano, eles julgam a aplicação das leis em território nacional!!! As onças-pintadas não são tão toscas quanto animais como esses. Pelo menos as onças-pintadas e os macados somente usam violência como forma de sobrevivência, quando é estritamente necessário (ou você já ouviu falar de macaco bater em macaca porque ela não foi catar os piolhos dele?).

Agora o presidente entrou com uma ação declaratória de constitucionalidade (que, pelo nome, deve querer dizer que serve para atestar que uma lei é constitucional) a favor da LMP (o nome por extenso é muito grande para minha preguiça). Imagina!! Porque, então, não declaram que a lei que diz que todas as pessoas têm o direito de comer também é inconstitucional?!? Afinal, é a mesma coisa dizer que as mulheres podem apanhar e que as pessoas não tem a garantia de comer. Puta que o pariu. E se você xingar um juiz desses, ainda por cima, podem te prender por desacato à autoridade ou qualquer porra que o valha! Que autoridade? A do pau dele? Porque parece ser a única na que ele acredita. A constituição não diz que “todo poder emana do pau, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, e sim que emana do povo. O único poder exclusivo do pau é mijar e ejacular – para o resto dos poderes do pau tem milhares de outros órgãos e objetos que têm os mesmos poderes. Aliás, nem mijar e ejacular, já que bucetas também mijam e, dizem os sites pornôs, ejaculam.
Se o cara quer acreditar que o seu pau é o homem de aço, tudo bem: tem maluco que pensa que é Napoleão, tem a mulher-melancia que pensa que é gostosa, tem louco pra tudo no mundo e viva a lberdade de pensamento. Mas nunca vi gente com F30.1 ou F30.2 (veja na CID-10) virar juiz.

Aí, se faltam argumentos mais sérios a favor da lei, aqui vai:

De maneira geral, homens são fisicamente mais fortes do que mulheres (já vi muita mulher com braço do tamanho do meu pescoço, mas tudo bem). Assim, um cara que queira bater numa mulher, geralmente, sai ganhando. O que você pode fazer quando tem diante de si um indivíduo que, sozinho, é mais forte do que você? Se une com outros indivíduos: o bom e velho “a união faz a força”. Como a legislação tem a intenção de substituir os punhos, isso se transpõe para esse mundo de coisas legais, ou seja, se é verdade que um homem é mais forte do que uma mulher, também é verdade que uma nação é mais forte do que um homem – e a lei vale para todos (menos para o Dantas que conseguiu dois habeas-corpos em menos de 48 horas – habeas-miojo: basta aquecer e em três minutos tá pronto, como disse o Macaco-Simão).
Não ficou clara a idéia?

Uma mulher possui um déficit de força física, comparada com um homem. A lei serve para cobrir esse déficit. Só que, ao invés de lhe conceder força física, lhe concede amparo legal. Assim, qualquer mulher é tão forte quanto qualquer homem: ele é mais forte fisicamente, e ela, mais forte legalmente. Viu que simples?
Claaaaro, é óbvio que a lei é uma e a realidade é outra: geralmente as leis são tão aplicadas no mundo concreto quando os Avada Kedavras do Harry Potter (aponte uma varinha a alguém e diga “Avada Kedavra!”, se der certo me avise). Todos, por exemplo, têm o direito de ir e vir – mas quem não tem dinheiro não tem o direito de ir do Rio Grande do Sul até o Acre, por exemplo; ou seja, eu tenho o direito de ir e vir, mas não posso (depois querem me convencer que o direito é mais forte do que o dinheiro – rá!). Mas a Lei Maria da Penha, até onde eu sei, está funcionando no mundo real. E é isso que esses b-o-s-t-a-s não admitem.
Acho que, como representantes dos violentadores de mulheres, esses juízes deveriam ser atirados em um fosso aos jacarés, castrados ou qualquer coisa assim.

Grupos humanos

a) Tenho sérias reservas quanto à classificação das pessoas em grupos. Apesar de ser óbvio que existem negros ou pessoas altas, por exemplo, não acho que isso configure um grupo solidário, com mais afinidades entre si. Isso vale para para o que temos no meio das pernas.
a.1) isso quer dizer que características físicas não determinam, necessariamente, a afinidade entre as pessoas, na minha opinião. Mas o “não… necessariamente” significa que pode vir a determinar. Mas estas afinidades não estão nas características físicas, e sim nas pessoas que carregam estas características e que desenvolvem ou não afinidade para com uma ou outra pessoa.

b) Apesar disso, as pessoas formam grupos segundo suas características físicas. Não quero acreditar que seja inevitável isso. Mas é um fato que eu não nego de maneira nenhuma.

c) Homossexualidade e heterossexualidade são coisas para as quais não se deveria ter que buscar explicações, na minha opinião. Mas, se é para buscar uma explicação, acredito que duas pessoas heterossexuais não serão heterossexuais necessariamente pelo mesma causa, nem duas pessoas homossexuais serão homossexuais pelo mesma causa.
c.1) Assim como uma pessoa que tenha uma característica considerada como causa da heterossexualidade ou da homossexualidade, não será necessariamente uma ou outra coisa. Quer dizer: se X for a causa de uma determinada orientação sexual, uma pessoa que tenha esta característica X não terá necessariamente a orientação sexual atribuída àquela característica.

d) O que significa que – na minha opinião: uma mesma causa pode resultar em duas orientações sexuais diferentes, assim como duas causas diferentes podem resultar na mesma orientação sexual.

e) Tudo isto, até agora, foi para deixar claro que o exemplo que eu vou dar, não é um exemplo de causa da homossexualidade. Mas, se você acredita tanto que a homossexualidade é causada por algo e que eu identifiquei uma causa, tenha bem claro que parto da perspectiva de que
e.1) se homossexualidade tem causas, a heterossexualidade também tem
e.2) se X é causa da homossexualidade em uma pessoa, pode acontecer de não “causar” homossexualidade em outra
e.3) se uma pessoa não apresenta X, ainda assim pode ser homossexual
e.4) X, além de causa, pode ser apenas uma “condição que dê abertura para”, e não um “agente.

f) Uma escritora disse que nunca conseguiu estabelecer laços afetivos profundos com homens, mas somente com mulheres. Não sei se ela coloca isso como causa da sua homossexualidade (espero eu que não), mas de qualquer maneira isto é um “componente” da homossexualidade dela.
f.1) pode ser que outras mulheres que somente consigam estabelecer ligações afetivas profundas com mulheres sejam lésbicas, e pode ser também que não sejam, apesar desta restrição: ou seja, acho perfeitamente plausível que uma mulher somente consiga estabelecer ligações afetivas profundas com mulheres, mas seja heoterossexual. O que vale também para homens.
f.2) digo isso porque não quero determinar a sexualidade de ninguém.

g) Acho que, no que diz respeito a relacionamentos heterossexuais, existem muitas mulheres que são heteros, mas somente conseguem estabelecer relações afetivas profundas com mulheres, e não com homens.
g.1) se essas pessoas – essas mulheres e homens – não têm problema quanto a isto, tudo bem para eles.

h) Mas eu não gosto disso para mim. Quer dizer que, nem que a garota seja a hetero das heteros e esteja a fim de mim, mas não consiga estabelecer uma relação afetiva profunda comigo, eu não quero.
h.1) de onde resulta que as minhas opções são as seguintes:
h.1.1) torcer para que as relações afetivas profundas não sejam exclusivas das relações (não necessariamente sexuais, cf. F1) – pelo menos li, uma vez, acho que num blog mas pode ter sido num livro, sei lá, essa hipótese: relações afetivas profundas somente acontecem entre pessoas do mesmo sexo
h.1.2) se a hipótese de H.1.1 estiver correta, virar lésbica
h.1.3) se a hipótese de H.1.1 estiver correta, virar gay
h.2) mas eu não posso virar lésbica por motivos biológicos (ou então financeiros, considerando a transsexualidade), e eu estou, em um aspecto pelo menos, na mesma condição da escritora mencionada em F: eu somente consigo estabelecer relações afetivas mais profundas com mulheres – o homem para com quem eu estebeleci a relação afetiva mais profunda (contando só os homens), não me atrai, e, atitude criticável ou não, para efeitos de afetividade considero-o como mulher (o que merece uma explicação: não passa nem por um segundo pela minha cabeça que ele seja uma mulher, mas a relação que tenho com ele – vamos dizer assim, de amizade muito valiosa sem sexo – só tenho com mulheres; ele é o único homem – ou a única não-mulher – com quem tenho este tipo de relação; por isso às vezes fica complicado, porque, por exemplo, geralmente presente de aniversário para mulher é mais fácil de dar, apesar de eu ter amigas que odeiam bibelôs, enfeites para casa ou roupas, e ele é, para efeitos de critérios para escolha de presente, mais uma amiga que não gosta dessas coisas, por exemplo). Enfim tudo isso foi para dizar que, apesar de ser perfeitamente possível que eu venha a namorar um cara um dia desses, esta é uma possibilidade com a qual eu não conto – apesar de ser uma possibilidade tão legítima quanto a possibilidade de namorar com uma mulher, para mim pelo menos.

i) Tudo isso tem a ver com a mesma pessoa a que se refere este post.
i.1) quer dizer, ela é uma menina declaradamente heterossexual, na prática bissexual, mas que somente consegue estabelecer relações de amizade, de respeito mútuo, essas coisas, com mulheres – apesar disso, ela não considera por nada no mundo namorar alguma das meninas com as quais tenha ficado.

j) Eu não consigo namorar alguém com quem eu não tenha, antes, uma relação de confiança – não que eu namore todo mundo com quem eu estabeleça esse tipo de relação, mas sim que este tipo de relação é um pré-requisito básico, para mim. Isso pode ser ou não um defeito. Como eu tenho a impressão (espero, muito mesmo, que seja uma impressão errada) de que a maioria das garotas heterossexuais que eu conheço são como a garota mencionada em I, só me resta mesmo sonhar.

Livros, livros, livros.

Acho que existem muitas maneiras de se ler um livro. Pelo menos eu tenho.

Um livro de História Geral, por exemplo, apesar de eu achar muito interessante, eu leio como um manual. Não é muito diferente do Google ou da Wikipedia, mas geralmente é mais preciso, ligeiramente mais confiável e eu posso ler mesmo sem luz ou conexão com a internet. Isso se refere a livros de informação, por isso a comparação com o manual: são livros que me servem para tirar uma dúvida, ou só para passar o tempo, coisas assim.

Tem livros que eu leio por gosto, seja do assunto, seja pelo jeito que é escrito. Os livros da Colette, por exemplo (pelo menos os dois que eu li), porque são bem escritos. O assunto não entra em questão. Os de Foucault, também, mas mais pelo jeito dele escrever. O assunto me interessa – eu estou começando a desconfiar que Foucault é indispensável para se estudar filosofia, qualquer assunto em filosofia, mas é só uma desconfiança, por enquanto – mas eu não entendo bem o que ele diz. Claro que A História da Sexualidade é compreensível, artigos como O que é um Autor ou as entrevistas também, mas a relação de tudo isso com As Palavras e as Coisas – assim como o próprio livro em si – por exemplo, eu não consigo entender. Mas ele escreve tão bem que dá gosto de ler só pelo texto, mesmo sem entender nada.

Há outros livros que são quase auto-ajuda. Tipo O Refém Emocional, que li como se fosse uma bula de remédio.

Mas volta e meia aparecem livros que, além de incategorizáveis, são – para mim – para toda a vida. Dois deles:

Um eu descobri há pouco: a Ética de Spinoza (Espinosa, Espinoza, sei lá). É – como diria o personagem do Toma Lá Dá Cá – M-A-R-A! Não é espantoso que um livro desses seja, se não renegado, pelo menos subvalorizado na academia. Mas eu me espanto que o restante das pessoas não tenha descoberto este livro. Gosto muito de Nietzsche, por exemplo, e apesar dos excessivos holofotes sobre ele, é um autor que merece todo o destaque do mundo (talvez mereça melhores leitores, mas…), e que, nas palavras dos jogadores de futebol, só vem para somar (apesar do medo que ele causa, talvez também por causa desse medo ele venha para somar). E esse frisson em torno de Nietzsche não é só dentro da academia, mas também fora dela. E é esse silêncio sobre Spinoza no além-academia que me espanta um pouco. Por outro lado, se for para ter os mesmos leitores “intelectu-malas” (ou “intelijumentos”, ou ainda “intelectuastros”, hehehe) que Nietzsche tem, melhor que Spinoza permaneça assim, esquecido.

O outro vem de anos e nunca sai dos meus top-hits: O Segundo Sexo. Sim, o livro é sobre as mulheres, autonomia das mulheres e tudo o mais. Mas, junto com isso, é um tratado sobre liberdade, sobre como o pensamento pode criar uma opressão concreta, real, material (que resulta, inclusive, em hematomas e escoriações) sobre as pessoas, e também sobre como o pensamento pode reagir à opressão – e mais do que reagir à opressão, criar autonomia, liberdade, essas coisas legais. E, de brinde, é o melhor exemplo que eu conheço para dar quando as pessoas vêm me dizer “ah, mas filosofia é muito teórico, não tem nada de prática”: se o feminismo não tem nada de prática, então, eu enlouqueci.

Uma ervilha embaixo do meu colchão?

Sem assunto, mas com vontade de escrever.
Na maioria das vezes, no meu caso, é isso mesmo: só vontade de formar palavras, frases, parágrafos, etc.
Mas outras vezes não é bem falta de assunto, mas sim uma certa indeterminação, indefinição, ou falta de clareza sobre o assunto. E acho que dessa vez é isso.

Talvez seja o fato de que – o que não é novidade – eu tenha percebido que certas pessoas (na verdade, uma pessoa determinada, mas vamos fazer de conta que é uma reflexão generalizada sobre a vida, bem vago) não merecem um mínimo
a) da confiança que tenho nelas
b) da dedicação que tenho a elas
c) do carinho que tenho para com elas
d) de alguns etcéteras que tenho para com elas.

Desde que o mundo é mundo que as coisas são assim: pessoas decepcionadas com pessoas que decepcionam. Mas as coisas também incluem as pessoas decepcionadas reclamando – e quem sou eu para acabar com uma estrutura ancestral dessas? Vou reclamar igual, portanto.

O lance é que eu, por traumas mal-resolvidos causados por experiências anteriores, sou muito prudente em confiar em alguém. “Confiar”, nesse caso, significa algo como “baixar a guarda”, qualquer que seja o significado correto de “confiar” caso não seja “baixar a guarda”.

E, para mim, baixar a guarda não implica só em deixar transparecer toda a minha enorme fragilidade, insegurança, medo e outros intens que compõem o meu “lado obscuro”, mas também em deixar transparecer tudo o que eu tenho de melhor, de interessante, de curioso, de belo e de agradável.
O que eu costumo fazer, com a guarda em alerta, é selecionar um pouco de cada: um medo aqui, uma coisa bela ali, uma insegurançazinha menor mais prá lá, uma amabilidadezinha acolá.

Assim, eu sou um livro aberto, mas é uma edição de textos selecionados. Não é que eu me esconda, e sim, apenas, eu não entrego todo o jogo. A maioria das pessoas faz isso, eu sei, mas me impressiona como as pessoas tem facilidade em se abrirem em pouco tempo, às vezes por coragem, às vezes por descuido. Não é um espanto que indique uma crítica a essas pessoas: que sejam corajosas ou descuidadas tanto quanto queiram, tudo bem. É um espanto que indica admiração mesmo: eu não conseguiria fazer isso, me abrir, me deixar conhecer de maneira mais completa em pouco tempo. Acho que as pessoas tem forças diferentes, aquela velha história de que, para uma pessoa, um quilo pode pesar muito mais ou muito menos do que para outra.

Aconteceu, uma ou duas vezes, de eu baixar a guarda por precipitação: apesar dos meus traumas, me entusiasmei, e isso só serviu para reforçar o trauma. Mas uma vez, uma única vez, que eu me lembre, eu baixei a guarda voluntariamente.

Me pareceu que era o momento certo. A pessoa certa. Não que ela não fosse me atacar – eu não espero que qualquer pessoa não me machuque nunca, pelo menos um pouquinho. Mas me pareceu que – para conotinuar com a metáfora do livro – fosse alguém com interesse em ler, tentar compreender, e gostar da leitura. Você pode discordar completamente do que diz um livro e gostar dele. “Decorar”, me disse uma amiga minha uma vez, “vem da expressão ‘de coração’: quando você decora um livro, significa que o entendeu com o coração”. Claro que isso não vale, de maneira geral, para a tabuada, por exemplo, que você decora porque vai cair na prova. É mais no sentido – essa concepção de “decorar” como entender com o coração, e por isso lembrar do que leu – de decorar uma música que se gosta, por exemplo. Acho que “decoração” no sentido de enfeitar a casa com coisinhas bonitinhas também deve ter a ver com “de coração”. Mas a questão é que é isso, eu fui lido, talvez – t-a-l-v-e-z – até compreendido, mas não fui decorado.

Aliás, a palavra é muito boa.

Eu tanto não fui decorado no sentido de compreendido com o coração (como eu ando com um vocabulário fofo ultimamente), como não fui decorado no sentido de “enfeitado”. Porque, acho eu, você sempre enfeita uma pessoa de quem você gosta. Não necessariamente se iludindo com características daquela pessoa (quer dizer, maximizando ou inventando características), mas também reforçando, adornando a pessoa – é o caso de, por exemplo, você se prestar a ouvir problemas que, para você, são fúteis e facilmente solucionáveis, mas que para a outra pessoa são catástrofes de proporções mundiais, de maneira que você realmente sinta com ela (não por compaixão, mas por empatia de sentimentos*). De maneira que eu não fui decorado duas vezes.

*Porque “compaixão” é você empatizar com o sofrimento dos outros, mas é possível que você também tenha empatia pelos sentimentos de alguém porque você empatiza com as coisas alegres dela, quer dizer: é uma empatia aberta ao que vier, seja agradável ou não; e não uma empatia restrita ao sofrimento, que é uma restrição que caracteriza a compaixão, que por sua vez geralmente é sinal de sentimento de superioridade.

Eu sempre calculo minha abertura (a permissão de acesso a mim, digamos). E só dessa vez deixei todas as minhas portas abertas sem vigiar nada: pode ver e tocar o que quiser, sinta-se em casa. Várias vezes, ao achar melhor não abrir tanto, imaginei se não havia calculado errado, mas não tenho como saber isso e por isso mesmo não importa. Dessa vez, tenho cada vez mais certeza de que foi um cálculo errado, uma decisão inadequada. E não concluo isso por nada estrondoso, colossal, que mereça minhas lágrimas ou minha grosseria.

Dia desses eu disse para uma amiga minha, que estava se justificando sobre o fim que ela deu no namoro dela, que o que acaba com a relação são pequenas coisinhas que acabam pesando muito mais do que grandes eventos, como uma serenata (exemplo de um grande evento positivo) ou uma traição (exemplo de um grande evento negativo). Ela estava explicando que ele nunca fez nada de mau a ela, mas que em certas atitudes corriqueiras ele demonstrava uma indelicadeza muito desagradável para com ela. E eu disse que uma traição às vezes é menos destrutiva do que a contínua falta de afagos distraídos, por exemplo.

E são essas pequenas coisas, tanto a falta de umas como a presença de outras coisinhas pequenas assim, que me levam a concluir que eu me abri com a pessoa errada, ou melhor, que meu julgamento foi errado, ou, melhor ainda, minhas expectativas (para com a pessoa em questão) foram inadequadas. Quer dizer, acho minhas expectativas perfeitamente adequadas, mas são inadequadas a determinada pessoa.

Acho que talvez seja esse desconforto que esteja me dando vontade de escrever: eu preciso deixar bem claro, para mim, o que é que me incomoda tanto, tendo em vista que é um incômodo com uma pessoa que não fez para mim nada de ruim que mereça grande destaque.

E, sabe-se lá o que eu vou fazer quanto a isso, mas cedo ou tarde de alguma maneira eu tenho de resolver isso.