Idéias
O Pensamento Hetero
Às vezes é bom falar de um texto que você leu a muito tempo. Não é didático nem instrutivo, pois você não sabe o que está inventando, o que está esquecendo e o que está falando corretamente. Mas é bom para ver o que ficou do texto.
Tempos modernos
Estou lendo, para um grupo de pesquisa, um livro chamado Modernidade Líquida. A idéia central do autor é identificar a modernidade pós-revolução industrial como uma sociedade cada vez mais “liquifeita”. O liquido serve como metáfora que representa a enorme mobilidade, a velocidade das mudanças e transformações a que nos sujeitamos, em contraposição a um passado onde as mudanças eram lentas. Mas o principal não são as grandes mudanças históricas, e sim as “micro-mudanças”, as relações interpessoais, sociais, trabalhistas, etc, todas elas pautadas pelo ritmo líquido da sociedade: o que vale para hoje pode não valer para amanhã, o que valia há duas horas atrás pode não valer agora – e se vale agora, pode não valer mais daqui a meia hora. Isso é menos o que diz o autor e mais aquilo que eu compreendo.
Hillary ou Palin? Pallin ou Hilary?
Aconteceu (Marisa Monte e não sei mais quem)
Aconteceu
O que aconteceu
Foi melhor assim
Estava por um fio
Estava por um triz
Estava já no fim
Todo mundo via
Que acontecia
Pois aconteceu
Era o que devia
Quando um descaminho
Acha o seu desvio
Tudo se alivia
Foi melhor assim
Quando dei por mim
Já estava aqui e agora
Adeus
Suponho que “adeus” tenha surgido da seguinte forma: duas pessoas vão se despedir, e entregam a outra a Deus. Se for assim, então talvez a idéia completa fosse “te entrego a Deus”. Mais ou menos como um “fique com Deus” ou “vai com Deus” (minha vó diria “que Deus te proteja”, mas ela costuma se contentar com um “te cuida” – minha vó merece um post uma hora dessas).
Delírio
Há tempos atrás, meu sentimento de bem-estar somente acontecia quando reconhecia o teu bem-estar. Minha alegria era a tua alegria e o teu sorriso me deixava feliz não porque era belo, mas porque por ele eu supunha a tua felicidade. Aprendi mais tarde a ser feliz com outras coisas – inclusive minhas – além de ser feliz apenas com a tua felicidade.
Movimento
Eu gosto da mobilidade, do movimento. A principal imagem que me vem à mente são placas tectônicas deslizando umas sobre as outras. Talvez porque seja um movimento ininterrupto, mas que preserva alguma coisa. No caso, o formato da terra.
Contradições
Sentimentos contraditórios: estou feliz, angustiado, apreensivo, cheio de expectativas, contente, animado, fraco e estimulado. Além disso, em um nível secundário: esgotado, mas cheio de planos.
As coisas que vem depois do X e os prefixos
O problema não são as mulheres ou os homens, nem os homo ou os heterossexuais.
Retificação
Acho que vou retificar um pouco o que disse abaixo.
Coisas aleatórias
Existem aquelas pessoas que eu amo. São pessoas que por algum motivo me fazem bem emocionalmente, que aumentam o prazer que eu tenho de viver.
Google Chrome
Anaïs Nin
A minha primeira visão da terra foi através da água. Pertenço à raça de homens e mulheres que olham todas as coisas através desta cortina de mar e os meus olhos são a cor da água.
Olhava com olhos de camaleão a Face mutável do mundo e considerava anonimamente o meu ser incompleto.
Lembro o meu primeiro nascimento na água. À minha volta a transparência sulfurosa e os meus ossos moviam-se como se fossem de borracha. Oscilo e flutuo nas pontas sem ossos dos meus pés atenta aos sons distantes, sons para além do alcance de ouvidos humanos, vejo coisas que são para além do alcance dos olhos. Nasço cheia das memórias dos sinos da Atlântida. Sempre à espera de sons perdidos e à procura de perdidas cores, permanecendo para sempre no limiar como alguém perturbado por recordações, corto o ar a passo largo com largos golpes de barbatana e nado através de quartos sem paredes.
Expulsadas de um paraíso de ausência de som, catedrais ondulam à passagem de um corpo, como música sem som.
Esta Atlântida só podia ser novamente encontrada à noite pelo caminho do sonho. Logo que o sono cobria a rígida cidade nova e a rigidez do novo mundo, abriam-se os portais mais pesados deslizando em gonzos oleados e entrava-se na ausência de voz que pertence ao sonho. Era o terror e a alegria de homicídios conseguidos em silêncio, um silêncio de calhas e de escovas. O lençol de água cobrindo tudo e abafando a voz. E um monstro trouxe-me, por acaso, à superfície.
Perdida dentro das cores da Atlântida, cores que vão dar a outras e se misturam sem fronteiras. Peixes feitos de veludo, de organdi com dentes de rendas, feitos de tafetá, recamados de lantejoulas, peixes de seda e penas e plumas, com flancos laçados e olhos de cristal de rocha, peixes de couro curtido com olhos de groselha, olhos como o branco de um ovo. Flores palpitando-lhes nas hastes como corações de mar. Nenhum deles sentindo o seu próprio peso, o cavalo-marinho movendo-se como uma pena…
Era como um longo bocejo. Eu amava a facilidade e a cegueira e as mansas viagens na água transportando-nos através de obstáculos. A água estava ali para nos transportar como um abraço gigante; havia sempre a água para nos repousar, e que nos transmitia as vidas e os amores, as palavras e os pensamentos.
Eu dormia muito abaixo do nível das tempestades. Movia-me dentro da cor e da música como dentro de um diamante-mar. Não havia correntes de pensamentos, apenas a carícia-fluxo-desejo misturando-se, tocando, afastando, vagueando – no abismo infinito da água.
Não me lembro de ali estar frio, nem calor. Nenhuma dor provocada pelo frio ou pelo calor. A temperatura do sono, sem febre e sem arrepio. Não me lembro de ter tido fome. Era-se alimentado através de poros invisíveis. Não me lembro de ter chorado.
Sentia apenas a carícia de mover-me – de passar para um outro corpo – absorvida e perdida dentro da carne de outrem, embalada pelo ritmo da água, pela lenta palpitação dos sentidos, pelo deslizar de seda.
Amando sem consciência, movendo-me sem esforço, numa corrente branda de água e de desejo, respirando num êxtase de dissolução.
Acordei de madrugada, atirada para uma rocha, esqueleto de um barco sufocado nas suas próprias velas.
(trecho do livro A Casa do Incesto)