Geometria

Li uma vez em algum lugar, acho que em uma entrevista de Deleuze (talvez o Abecedário, não sei), que direita e esquerda não existem, e nem nunca existiram.

Por outro lado, eu leio muitas manifestações de inflado orgulho em pertencer ou à esquerda ou à direita, e de infladas acusações, ora contra a esquerda-comunista-abortisa-homossexualista-ateísta-etceteraísta, ora contra a direita-conservadora-quadrada-entreguista-elitista-opressora-etc.
A verdade é que todos estão certos (hehe), pelo menos em parte.
Afinal de contas, existe sim esquerda e direita. A Vera Guasso é de esquerda, a Kátia Abreu é de direita, são fatos inegáveis e essas duas mulheres são prova de que existe esquerda e direita.
Mas ocorre que entre esses dois lados existe também o centro, e o PMDB é a prova disto – embora o PMDB seja na verdade unilateral, porque ele está nos dois lados ao mesmo tempo (e acho que também sob o mesmo aspecto, Aristóteles) e esses dois lados são a mesma coisa para o PMDB; enfim, apesar do PMDB existe um centro, que pode estar mais à esquerda, ou mais a direita, ou ser mais centrista mesmo.
Além do centro, da esquerda e da direita, existem as posições à esquerda da esquerda, e à direita da direita. Até aqui temos cinco posições, e o que me entristece é a falta de criatividade da política brasileira em criar posicionamentos. São quase trinta partidos e todos eles se encaixam, aparentemente, nessas cinco posições.
A minha reclamação é: apesar de gostar que haja esquerda, direita e suas variações, a política não deveria resumir-se a esta lateralidade unidimensional.
Lateralidade é essa coisa de direita e esquerda (uma pessoa que não associa o lado o corpo com o nome do lado, por exemplo, tem problemas com a lateralidade – eu, por exemplo), e é unidimensional como uma linha, sempre correndo de lá para cá e de cá para lá, como a equilibrista da música.
As alternativas de posicionamento político ficam, assim, pobres, e essa é, na minha opinião, uma das causas do empobrcimento político no país: esquerda, centro, direita, centro, esquerda, centro, direita… minha avó tem uma máquina de tricô que faz a mesma coisa: tem um carrinho que percorre todo o comprimento de uma das laterais da máquina, onde estão um monte de agulhas e sabe Deus como desse vai-e-vem do carrinho surge uma manta, um blusão ou, antigamente, uma polaina.
Mas se esquerda, centro e direita bastam ao tricô para que ele faça roupas maravilhosas (pelo menos minha avó fazia coisas maravilhosas nessa máquina, mas agora ela está com Alzheimer), talvez não baste para a política.
Espero que nunca deixe de haver esquerda, centro, direita e suas variantes. Mas espero, também, que existam partidos além dessa linha, e que esse partidarismo linear possa virar uma área, um cubo, uma esfera, sei lá, que além de linhas partidárias haja também polígonos, poliedros partidários.

Comorbidade

Existem coisas que se faz de um modo que não se deveria fazer e, se algo sai errado por causa dos outros, ainda assim irão culpar quem estava fazendo as coisas de modo errado, e não os outros que botaram tudo a perder. Atravessar fora da faixa de segurança, por exemplo, está errado, mas mesmo assim milhares de pessoas fazem isso todo o dia, e se alguém é atropelado fora da faixa, alguém vai aparecer para dizer “é, mas tava fora da faixa”, apesar de a prudência na direção ser necessária independente de haver uma faixa ou não.

O exemplo pode ser ruim, mas de qualquer forma não se aplica ao atropelamento criminoso dos ciclistas do Massa Crítica em Porto Alegre.
Mesmo que eles não tivessem avisado a EPTC (mas avisaram), mesmo que houvesse espaço para deixar o carro passar (mas não tinha), mesmo que eles tivessem xingado o motorista, sido chatos, implicantes ou gritado “Sai daqui mané, tu não vai passar!” (mas duvido que tenha acontecido qualquer dessas coisas) – o que quer que tenha havido, nada justifica passar por cima, absolutamente nada. E nada justifica a EPTC tentar colocar a culpa nos próprios ciclistas.
Nessas áreas médicas existe uma situação chamada de comorbidade, que é quando uma pessoa tem duas (ou mais) doenças ao mesmo tempo, sem que uma seja causa de outra.
Esses dois espisódios, o atropelamento e a reação abissalmente incompetente e tola da EPTC, são uma espécie de comorbidade também: duas atitudes doentias, um atropelamento e uma tentativa (pífia) de jogar a culpa na vítima, que aconteceram ao mesmo tempo e incidiram sobre as mesmas pessoas (os ciclistas), sem que uma atitude doentia seja a causa da outra.
A menos, é claro, que a EPTC tivesse alguma intenção de proteger o motorista das consequências do que fez, e eu não conheço o termo para uma doença que causa a outra. Mas torçamos, pelo menos eu torço, para que seja mera comorbidade.

Tiririca

Eu não me recordo quando foi que Boris Casoy “deixou escapar” seu desprezo para com os lixeiros que desejavam felicidades ao público da Band, mas me recordo da indignação, relativamente expressiva, que isto causou na época. Uma indignação mais do que justificada, pois desprezar alguém baseando-se em sua profissão não é diferente de desprezar alguém por conta de sua cor, nacionalidade, orientação sexual, religião, gênero, etc. Como estamos em um país livre, as pessoas tem liberdade de desprezarem quem quiserem pelo motivo que for, mas eu também me dou liberdade para supor a mentalidadezinha medíocre que sustenta um desprezo baseado no que foi mencionado na frase anterior. Bom, agora você já sabe o que o Boris despreza e o que eu desprezo também.

Mas a minha intenção era mesmo falar do Tiririca. Para mim, a única coisa divertida que ele fez foi Florentina, e se nunca tivesse feito, também não faria falta (besteira por besteira, a Eguinha Pocotó é bem mais engraçada, mas não quero tirar os méritos da Florentina). E que ele tenha sido indicado para a Comissão de educação da Câmara dos Deputados, por mim, também tanto faz. Eu sei que eu deveria me importar mais com quem compõe cada comissão no Congresso, mas o fato é que eu não faço a menor idéia de quem sejam seus componentes – a minha atenção política não vai tão longe assim.
Mas todo este celeuma por causa da indicação do Tiririca para esta comissão é muito parecida com a reação do Boris Casoy às falas do lixeiros. “Do alto das suas vassouras” não é muito diferente de “do alto do seu suposto analfabetismo”.
Eu não estou sugerindo que saber ler e escrever não seja um pré-requisito fundamental para exercer atividades parlamentares. Mas, até onde eu entendi, o tal juiz atestou a alfabetização do palhaço. E não vi ninguém se decepcionar com o juiz, nem lamentar o abestado atestado do juiz.
Se não é pelo suposto analfabetismo, a revolta das pessoas com a indicação só pode se basear na profissão do deputado, o que multiplica o número de Bóris Casoys por aí, revoltados com lixeiros desejando felicidades na TV e palhaços opinando sobre a educação na Câmara. Como se o congresso não estivesse entupido de jornalistas, advogados, professores, economistas, engenheiros e sabe-se lá que outras profissões. Mas pode ser que as pessoas tenham se indignado com a indicação por outros motivos, e eu é que não tenha entendido bem as coisas.
A questão é que economista cuidando da saúde, por exemplo, pode, mas palhaço cuidando da educação, não.
Sinceramente, eu não acho que o Tirirca vá fazer grandes coisas na Câmara (e tomara que eu esteja errado), aliás, se cinco deputados quaisquer fizerem grande coisa, vou me surpreender. Só que essa desaprovação à indicação do Tiririca por ser o Tiririca mostra apenas mostra que estas pessoas são elas próprias aquilo que julgam que o Tiririca é.

Vênus e Mercúrio

Acho que astrologia funciona, mas não no sentido de prever se eu vou ter filhos e quantos, como será meu casamento ou se devo fazer tal coisa ou não. Indiretamente, ela faz isso, mas mais porque indica tendências psicológicas do que por supostamente prever o futuro.

É mais ou menos como clima: quando os dias ficam muito quentes, o humor das pessoas é diferente do humor geral dos dias frios, ou chuvosos, ou nublados, ou nublados e frios, frios e úmidos, etc. Não que eu queira igualar condições atmosféricas a trânsitos astrológicos, mas sim a maneira como um e outro podem servir para supor o humor generalizado das pessoas. Quero dizer que o mecanismo é mais ou menos o mesmo neste aspecto: assim como as condições atmosféricas mais ou menos condicionam o humor das pessoas, as condições astrológicas também.
Claro que, como as pessoas são diferentes, umas são menos e outras mais afetadas, e as que são mais afetadas o são de maneiras diferentes, e não são apenas as condições astrológicas que incidem sobre o humor das pessoas.
E não quero, também, defender quaisquer ares de cientificidade à astrologia: não há como provar que uma configuração astrológica realmente aja sobre o humor ou tenha qualquer outro efeito sobre as pessoas – e nem há como não provar, e isso para mim é um indício de que querer misturar mapa astral com ciência é perder o tempo tanto da ciência quanto da astrologia.
Tudo isto para dizer que eu espero que este blog vá além do período em que Mercúrio e Vênus estão em boas posições no meu mapa astral 😀

Oposição

No início deste ano, ou no final do ano passado, eu tive uma discussão (no sentido de debate) com alguém do twitter. Aparentemente era um jornalista e no fim ele me bloqueou – mas já estou fazendo terapia para me recuperar disto.

Mais interessante foi a discussão. Resumidamente, eu disse que a oposição (DEM, PSDB, etc) iria continuar se ferrando enquanto se pautasse contra (o PT, no caso, mas poderia ser contra qualquer outra coisa) e continuasse sem defender nada mais positivo e propositivo. Devemos ter conversado outras coisas mas o cara ficou magoado porque descobriu que eu era um esquerdista. Eu não me considero um esquerdista, mas de qualquer modo ele me bloqueou por isto (durante a conversa, ele deve ter pensando que eu era outra coisa). Quando eu disse a mesma coisa para outra pessoa no mesmo twitter, ela simplesmente disse que não concordava e pronto, mais sensatez e menos drama.
Mas o que eu quis dizer, que é o que eu penso, é que a oposição, especialmente pelo que leio nos jornais sobre as declarações de DEM e PSDB, é que eles cumprem apenas um requisito desta condição de oposição: serem contra o governo. O PT, enquanto fez isso, continuou sem conseguir a presidência. Depois de algum tempo começou o OP, a defender tais ou quais bandeiras, até que, por defender algo (e não por defender “não-algo”, ou ser contra algo) tomou o poder.
Por um lado, me satisfaz que a oposição ainda não tenha entendido isso, porque dos males, o PT. Mas mesmo que eu simpatize, desde 1994, com o PT, ainda assim me preocupa muito o fato de o PT governar praticamente sem oposição.
Claro, tem uma tosca oposição, para dizer que não concorda com meia dúzia de coisas, para eventualmente fazer algum dossiê, para acusar destemperadamente o governo, reclamar do tamanho do estado, a lista é enorme. Mas não tem uma oposição bem feita, de qualidade, que sirva para contrabalançar e afinar o governo (estou pensando no 8 anos de Lula e não considerando o pouco tempo de Dilma, mas até agora tem sido igual), o que eu considero muito ruim, mesmo eu tendo votado no Lula todas as vezes em que ele se candidatou e na Dilma no segundo turno em 2010.
Claro que o PT praticamente não precisa de oposição porque com tantas correntes qualquer uma que assuma o poder vai sofrer pressão de alguma outra. Mas uma oposição de dentro do partido não é a mesma coisa que uma oposição externa. E sempre é saudável que haja uma oposição consistente e bem-feita.
Falta, eu acho, eles terem um projeto, que não seja a luta pelo mínimo de R$ 600,00 ou qualquer outra coisa pontual, localizada, mesmo que seja algo de extrema importância. Porque é como se alguém tentasse se eleger sob a bandeira da luta contra a caça de baleias no Pacífico: é importante, aliás muito importante, mas a maioria não vai votar em alguém que combata a caça de baleias no Pacífico porque você não precisa de um mandato para defender as baleias, assim como não precisa de um para defender um mínimo de R$ 600,00. Eu defendo um mínimo de R$ 2000,00 e nem minha mãe me leva a sério.
Egositicamente falando, eu saio ganhando de qualquer jeito: enquanto a oposição continuar assim, meramente esperneando, tudo bem, porque foram anos esperando o PT governar e eles não conseguem estragar isso; e se a oposição ganhar consistência, tudo bem também porque eu sou favorável a existência de oposições.
Mas, sinceramente falando, tomara que um dia aprendam a se opor.

Motivos

Eu ainda estou às voltas com meus motivos pelos quais começar (re-começar, na verdade) um blog. Da primeira vez, era algo terapêutico. Era outras coisas também, mas principalmente terapêutico. Não pelo fato de eu falar sobre a minha vida, mas sim por alguma coisa parecida com ter voz. Era isso ou começar a falar sozinho. Por isso não me importava – e ainda não me importa – ser relevante. Não que eu não queira que ninguém leia esse blog, pelo contrário, faço muito gosto; a questão é que antes da leitura alheia, vem minha própria escrita.

Os blogs que eu mais acompanhava, e com os quais mais me relacionei estão ali naquela lista de endereços à sua direita, especialmente o Talvez minha vida seja assim, No Jardim Secreto e o Perdida em la Mancha. Hoje em dia, não acompanho nada com tanta frequência, mas gosto muito de ler um chamado Olhômetro, cuja autora escreve bem, mas muito bem (e eu, que não sou um Machado de Assis, pelo menos sei reconhecer um texto verdadeiramente bom), e outro chamado Somos Andando, sobre política. Acompanho outros blogs, mas apenas estes dois têm a ver com este post, que é sobre forma e conteúdo.
Ambos os blogs são bem escritos e ambos tem bons assuntos (“bem” e “bons” = eu gosto), mas cada um se destaca por uma ou outra coisa.
A autora do Olhômetro é, na minha opinião, uma artífice da língua. Não porque ela tenha escrito algo genial (com excessão das genialidades menores que se distribuem pelos textos dela), mas porque ela sabe usar genialmente a escrita. Simples assim. É mais ou menos como a diferença entre Hume e Kant: ambos são gênios, estudiosos e entendem bem daquilo que escrevem, mas Hume você lê porque é bom de ler, não importa o que seja; não que o assunto de Hume (ou os do Olhômetro) seja secundário, mas a escrita é tão boa que ultrapassa o próprio assunto. Já o Somos Andando não é nem de longe mal escrito, mas não chama a atenção (pelo menos não a mim) pela escrita, e sim pelo conteúdo. Mais especificamente, eu acho, pela lucidez argumentativa. Lucidez argumentativa significa, no meu mundinho, saber o que se está falando. Não no sentido de um especialista saber do que está falando, mas no sentido de ter consciência das implicações do que se disse, tanto dos efeitos quanto das causas do que se disse. Eu geralmente não concordo com o que a autora escreve, mas ela argumenta bem, e muito bem mesmo.
Daí o que tem a ver esses dois blogs com a retomada deste meu bloguinho? Primeiro que são dois blogs, aliás duas autoras, que tem habilidades literárias que eu queria muito ter mas não tenho: clareza e leveza nos textos. Mas, em segundo lugar, porque a maioria dos blogs que leio por aí são tão ou menos habilidosos do que eu (na minha opinião) e as pessoas não tem vergonha disso: escrevem mal e seguem escrevendo felizes. Normalmente são blogs que eu entro uma vez e depois nunca mais. Mas agora eu resolvi dar uma blogadinha porque eu sou uma rapaz latinoamericano que também sabe escrever mal.
Claro que eu acompanho outros blogs além destes dois e por outros motivos além da maneira como são escritos.
Mas foram estes dois blogs, aliás, essas duas autoras, que, por mais indiferentes que sejam a isto, me mostraram como se escreve direito, ou pelo menos como se escreve do jeito que eu gostaria de escrever (e não quis dizer com isso que de fato eu aprendi – pois saber como fazer não significa ter capacidade de fazer, necessariamente).

Um blog desinteressante

Eu tinha, quando fiz esse blog, uma preocupação em fazer uma “geografia” de mim, ao invés de contar algo como uma história, ou um histórico de mim – por isso o endereço é minhageografia, e não minhahistoria, que devo ter cogitado em princípio (e além disso ia ficar com cara de título de música). Embora eu ainda tenha a mesma idéia, a de não estabelecer uma coerência entre os meus posts (é um blog sobre coisa alguma, qualquer coisa; antes de ser sobre mim, é a partir de mim), não quero mais brincar de geografia: se antes ele era um “front anti-historicizante” (ainda que muito discretamente), hoje tanto faz: eu não tenho mais nada contra a historicização, e apenas uma tênue preferência pela geografia, mas isso – repito – não faz mais diferença.

Dentre as minhas muitas opiniões anteriores: algumas continuam as mesmas, outras mudaram, outras mudaram em parte, outras mudaram tanto que até parecem outra opinião, outras são sobre assuntos aos quais não dou mais importância, outras são sobre assuntos aos quais ainda dou importância, a questão é: não me comprometo com elas. Pode ser que hoje eu dê uma opinião diferente da opinião de dois anos atrás sobre o mesmo assunto, pode ser que seja a mesma, etc. Talvez eu leia o que eu escrevi, talvez não.

É que naquela época ter um blog não era como me parece que é agora: mas tanto hoje como ontem eu não espero ter relevância, e nem escrever com maior clareza. A única diferença é que agora eu tenho um twitter e talvez eu faça propaganda deste blog lá.

Ontem

Eu comecei este blog há duzentos anos (desde 2006, mais precisamente) sabe Deus por que motivo. Tem um post, de 4 ou 5 anos atrás, que explica/define/posiciona o blog e o seu autor (eu).

Mas me interessa mais explicar o que, hoje, eu acho que era e o que ele é ou vai ser ser hoje e adiante – eu poderia simplesmente copiar e colar, ou então linkar aquele post, mas preferi nem ler ele, porque eu sou simultaneamente a mesma e outra pessoa em relação àquele tempo.

Minha idéia, naquela época, era fazer um registro dos meus pensamentos, idéias, reflexões, vida, etc. Tinha a intenção de fazer algo semelhante a quebrar um paradigma “historiográfico” e organiza-lo de um modo “geográfico”, porque na época eu andava lendo Mil Platôs e coisas assim. Por “geográfico” eu entendia registrar algo sobre diferentes “setores” da minha vida, pressupondo não seria uma exposição exaustiva de nenhum deles, e tendo por critério principal (mas não único) o fato de tal ou qual assunto estar em evidência na minha vida ou nos meus pensamentos. Ou seja, nada de regularidades (não era um blog sobre alguma coisa, nem sobre mim), a não ser aquilo que estivesse em destaque no momento. A idéia de uma geografia (considere que não sou um geógrafo nem tenho qualquer tipo de formação neste assunto) era esta: uma “vista” parcial sobre uma determinada “região” (= minha vida, ou meus estudos, ou uma notícia qualquer, etc) minha, sem necessariamente condicionar as postagens posteriores às anteriores, a não ser eventualmente; era para ser diferente de uma história porque não estava preso (o blog) a nenhum tipo de coerência temporal, pois eu poderia falar sobre algo antigo, atual ou divagar sobre o futuro sem pautar o texto por isto.

E no próximo post eu falo sobre o que é para ser o blog a partir de agora.

Relação

Relacionar-se, por si só, é uma tarefa monumentalmente difícil. Ou talvez eu apenas precise desenvolver mais minhas habilidades de relacionamento, mas mesmo assim, culpa minha ou não, é difícil.
É bom. É bom você conhecer uma pessoa, dedicar-se a ela, ver o seu rosto e achá-lo encantador (e mal reconhecê-lo quando ele assume expressões menos amigáveis), e até mesmo os momentos difíceis, de discussões, incompreensões, acusações e naqueles em que você percebe que as críticas são justificas – até esses momentos são bons.
 
Mas, seja por ser algo difícil de fato, seja por algum tipo de deficiência minha, é necessária muuuita habilidade, muuuito sangue-frio, muuuita capacidade de ignorar muuuitas coisas e talvez nisso eu seja cabeça-dura, ou talvez orgulhoso, talvez temperamental, talvez mesmo frio, como disseram, talvez tudo isso ou um pouco de tudo isso, mas algo em mim dificulta um pouco.
 
Eu apenas gostaria que não fosse necessário você ter que escolher entre um turbilhão tempestuoso sem critérios e nem sentido, ou entre a vida “à granel”.
 
E eu pensava que era apenas gostar, amar, respeitar (e pode ser que seja isso mesmo e nisso eu tenha falhado…)
 
__________
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Tesão pelo amor e amor pelo tesão

Existe o amor e existe o tesão, que são duas coisas diferentes.

Mas você pode ter amor pelo tesão. Pode-se amar de tudo (se aquilo que você ama vai lhe fazer bem, depende daquilo que você ama e da maneira como se relaciona com esse amor), inclusive o tesão. Esse é o caso daquelas pessoas que conseguem fazer sexo com tudo o que lhes dá tesão. Não é necessariamente o caso de uma pessoa bissexual. Mas é o caso de uma pessoa que tenha necessidade, quase descontrolada, de fazer sexo com aquilo – qualquer coisa, toda coisa – que lhe dê tesão, que lhe excite.

E você também pode ter tesão pelo amor. Assim como pode-se amar de tudo, pode-se sentir tesão por tudo, também (e, novamente, aquilo que lhe causa tesão pode lhe fazer bem ou mal dependendo do que lhe dá tesão e da maneira como você se relaciona com seu tesão), inclusive pelo amor. Esse é o caso das pessoas que não conseguem diferenciar sexo de amor. Transar somente com a pessoa que se ama, ficar anos sem transar com ninguém são coisas normais para pessoas assim.

Mas as pessoas não se dividem entre esses dois grupos, o grupo do amor pelo tesão e o grupo do tesão pelo amor – nada mais brochante do que ouvir a clássica (machista, antiquada e sem-graça) estereotipação “mulheres fazem sexo por amor, e o homens amam para fazer sexo”, ou “homens diferenciam sexo de amor, e mulheres não”, essas classificações preguiçosas, enfadonhas, malvadas e nocivas.

Uma pessoa pode sentir tesão pelo amor e, também, amar o tesão; pode ser que essa pessoa dê maior proeminência ao tesão ou ao amor, mas que considere ambas as coisas indispensáveis; ou pode ser também que considere ambas dispensáveis. Uma pessoa pode amar mais seu conforto, status ou segurança financeira do que a uma pessoa, ou sentir mais tesão por essas coisas do que por uma pessoa, e pode ser que esse “uma pessoa” seja “qualquer pessoa”. Ou pode amar as pessoas e sentir tesão por outras coisas – e tanto pode sentir tesão pelo amor quanto pode sentir amor pelo tesão; sem contar que pode sentir tesão pelas pessoas (por todas, por algumas, por algum tipo de pessoas, por uma característica determinada) e amar outras coisas (como status, segurança financeira ou carros). Uma pessoa pode amar um tipo de pessoas (seus filhos, as pessoas de um determinado gênero) e sentir tesão por outras (amantes, pessoas loiras), e pode ou não sentir mais amor pelo tesão, ou mais tesão pelo amor.

Por isso, graças a essas inúmeras configurações humanas, que simplesmente classificar as pessoas entre o grupo que ama o tesão e o que tem tesão pelo amor é, no mínimo, um pouco de preguiça de pensar.

Holocausto

Por um lado, um bispo católico dá uma entrevista em que nega que tenha havido o holocausto judeu – no máximo, um 200 ou 300 mil mortos*, segundo o bispo; de outro lado, uma reação internacional contra as declarações. Ótimo que tenha havido uma reação internacional contra um absurdo destes. Existem três motivos para você negar o holocausto: ou você é nazista, ou apenas não gosta de judeus, ou é uma pessoa um tanto burra. Duvido que existam outros motivos – portanto, duvido que qualquer negação do holocausto seja justificada.

A reação internacional contra a posição do bispo se baseia em uma aversão generalizada ao nazismo (aversão esta muito bem-vinda). O problema desta aversão é que ela é limitada, acontece praticamente apenas na esfera do uso dos símbolos e das palavras.

Ninguém pode dizer “viva o nazismo!” ou “heill Hitler!” impunemente hoje em dia, e muito menos ostentar uma suástica na sua pele. Mas qualquer um pode decidir expulsar imigrantes do seu país, e ainda por cima sob argumentos como o desemprego (os imigrantes “roubam” os empregos dos cidadãos – um argumento muito parecido com um dos que o regime nazista usava para justificar-se), pode tratar estrangeiros como frutas podres, deportar em massa, praticar a xenofobia sem reservas, que é o que acontece na Europa hoje em dia; assim como qualquer um pode atacar um árabe, alguns árabes ou mesmo uma região habitada na maioria por árabes porque eles são terroristas, malvados, etc, qualquer um pode, inclusive, negar a um estado muçulmano o direito de manipular energia atômica, porque (supostamente) um estado muçulmano não é tão confiável, e porquê não é confiável?, porque é muçulmano.

Ninguém pode dizer “viva o nazismo!” ou “heill Hitler!” impunemente hoje em dia, e muito menos ostentar uma suástica na sua pele. Mas pode adotar práticas semelhantes, sob outras justificativas, sob outros nomes e sem as mesmas palavras de ordem do nazismo, sem maiores preocupações. Talvez falte expandir a aversão ao nazismo à esfera da prática, ou talvez a prática seja um indício de que a aversão não existe na esfera dos valores.

Mas é interessante observar como o aprendizado que o erro nazista trouxe (porque toda a Europa diz que aprendeu com este erro) não foi a necessidade da criação de meios de evitar o preconceito, no caso um preconceito xenófobo, mas sim a importância de camuflar práticas condenáveis sob termos inofensivos. Ou seja, a principallição do nazismo parece ter sido a importância e a necessidade da dissimulação.

*como se 200 ou 300 mil pessoas mortas não fosse um holocausto.

Sonho

Eu sou um sonho que não aconteceu. Sonhos não são reconhecidos. Ninguém dá importância aos sonhos – talvez apenas quem os sonhe; mas ninguém quer saber dos sonhos alheios. Especialmente dos que não aconteceram.

Como um sonho transforma-se em matéria? Como um sonho vira realidade? Se bem que sonhos são realidades, mas como este ser abstrato vira um ser concreto?
Do vapor à nuvem, da nuvem à chuva: como um líquido vira algo mais pesado que o ar?
O vapor precisa esfriar, e esfriar é diminuir o movimento. É necessária mais lentidão. Bem mais devagar.
É preciso cuidado para não parar demais: o gelo não é mais concreto do que o líquido, mas é duro e frio.
Que movimento o sonho faz rápido demais que possa ser deminuído? A rapidez do pensamento não pode cristalizar-se na imutabilitade do que está pronto, mas pode diminuir a ponto de ser perceptível aos nossos sentidos – os cinco sentidos não captam os sonhos, afinal de contas.
Mas não sei se consigo ir mais devagar, deixar de ser sonho, um sonho oculto, cuja beleza e fealdade não podem ser descobertas por mais ninguém. 
Apenas ir mais devagar, será uma boa resolução de fim de ano?

A hora e a vez da lixeira

Existem muitos motivos pelos quais alguém não goste – ou deixe de gostar – de você: incompatibilidade de gênios, incompatibilidade de valores, incompatibilidade de tempo, pode ter perdido a graça, você pode magoar muito a pessoa, fazer algo de que ela não tenha gostado, pode ser que alguém tenha inventado coisas sobre você e a outra pessoa acreditou, enfim, motivos não faltam.

Sempre é algo que tem a ver com você. Mesmo quando a outra pessoa diz “não é você, sou eu”, você se insere no problema: se a pessoa tem um problema com você, significa que, apesar de não ser sua responsabilidade o fato de ela ter um problema com você, ela tem e assume a responsabilidade por isso. Não importa de quem seja a responsabilidade, o problema é da pessoa com você – quer dizer, você precisa pelo menos existir e ser perceptível para que alguém tenha algum problema com você.
Agora, pode ser que a outra pessoa não tenha um problema com você (o problema não está em você, está nela), e esse problema seja que ela projeta as outras pessoas com as quais ela teve algum problema em você. Quer dizer, dessa vez não é você, mas não é você de maneira absoluta. Não é que ela tenha algum problema com você, mas ela tem um problema com outros e você não pode se aproximar apenas porque os outros foram projetados sobre você. A questão deixa de ser um “não é você, sou eu”, e passa a ser “você não é: o problema é meu com os outros mas prefiro atribuir a você tudo o que os outros fizeram para poder me relacionar com eles”. A única coisa que você se torna, nessa equação, é um banco, uma conta-refugo: tudo o que a outra pessoa não gosta nos outros ela projeta em cima de você, e você passa a ser como os outros. Para uma pessoa assim, você não é você: você é os outros e os outros, pelos menos, eram alguma coisa além daquilo que têm de desagradável. Você apenas consegue ser, para essa pessoa, um nada passível de receber as projeções de tudo de ruim que essa pessoa vê nos outros.
Esse sistema é a base dos preconceitos, eu acho: projeta-se nos negros uma inferioridade que eles não possuem, mas que é projetada neles; projeta-se nos homossexuais uma anti-nauturalidade que não existe em nada, mas as pessoas preferem ver apenas a projeção; projeta-se nas mulheres uma deficiência que elas não possuem, mas é mais fácil julgar-se um ser ilimitado e projetar as limitações humanas em um dos sexos, deixando ao outro a capacidade exclusiva de superar os limites – afinal homens são potencialmente ilimitados, e as mulheres sempre estarão sujeitas aos ciclos menstruais, gravidez e apego aos filhos (pergunte a qualquer machista se a idéia geral não é esta).
No meu caso em particular, minha querida, isso assume um formato ao mesmo tempo novo como o futuro e antigo como o céu: já é velha a história de se proojetar sobre uma pessoa valores e atitudes consideradas típicas de um ou outro sexo – afinal, homens são de marte, e mulheres, de vênus. O que não deixa de ser verdade, mas somente no sentido de que são hábitos aprendidos e muito bem condicionados, e não que seja da natureza – mas enfim, quem sou eu para vociferar contra séculos e séculos de tradição segregacionista? Uma pessoa em particular pode ter tido experiências desagradáveis com pessoas de um determinado sexo, e projetar sobre uma destas pessoas tudo de ruim que passou com as outras. Essa, aliás, é uma capacidade comum a ambos os sexos, assim como a capacidade de não assumir que fazem isso, e atribuir isso ao outro sexo sempre. Você, particularmente, teve experiências desagradáveis com muitos homens (deve ter tido algumas agradáveis, também, senão não seria predominantemente heterossexual). Tudo o que eu tenho inegaelmente em comum com eles é um pênis dependurado no meio das pernas e pelos saindo pelos buracos mais inimagináveis que há. De resto, você não me conhece. Pensa que me conhece ao atribuir tudo o que eu faço àquilo que tenho no meio das pernas, e, por causa disso, atribuir meus motivos, minhas palavras, tudo o que eu sou, aos outros, à semelhança eterna, ao “você é como fulano”, “igualzinho ao beltrano”, etc. 
Mas você realmente não me conhece. Por incapacidade ou pura falta de interesse? Eu não sei. Mas tudo o que você sabe de mim é aquilo que você projetou em mim baseada somente em algo que eu tenho dependurado no meio das pernas (de tamanho variável, mas que com certeza nunca chega a 0,5% do resto do meu corpo), e sem considerar coisas que não são corpóreas mas que também fazem parte de mim. Nada disso chegou até você. Tudo o que você vê em mim que não tenha sido inventado por você é 0,5% do que eu sou (0,25% ou menos, aliás, considerando que as pessoas não são feitas somente de matéria), mas sobre esses 0,0…01% você conseguiu criar algo inteiramente novo, feito com pedaços de outras pessoas, colados em mim por você, criando um frankstein de refugos emocionais visível – e existente – somente para você. Tudo o que você sabe sobre mim é o que você decidiu que, para você, eu seria…
Eu não sei se, com isto, eu posso mesmo sentir raiva de você.
Estive propenso a pensar que, sendo um problema exclusivamente seu, não haveria porque eu deixar de gostar de você, e respeitar todo o tempo do mundo solicitado. Mas de repente me dei conta disso e quis ficar, finalmente com raiva. Mas raiva de quê??? Das suas ilusões? Mas você nem sabe que é uma ilusão sua! Não posso nem responsabilizar você por isso! Poderia ter raiva da limitação do seu olhar, mas se eu tivesse que ter raiva das limitações de todas as pessoas, teria que odiar toda a humanidade, inclusive a mim. Poderia ter raiva da sua obstinação em apegar-se às suas ilusões – essa responsabilidade, sim, você tem.
Mas eu também me apeguei obstinadamente às minhas ilusões, eu também projetei sobre você um “você” que não existia. Eu também projetei em você tudo de bom que eu espero das pessoas. Diga-se a meu favor que, pouco a pouco, fui desmistificando as ilusões que eu tinha criado sobre você, menos uma, pelo menos: a de que você não tinha a mentalidadezinha provinciana típica “desta terra que eu amei desde guri” (como diz o clássico gaúcho que toca nesse momento lá na rua). É deste apego que eu quero, que eu preciso me desfazer. Se eu consigo, eu já não sei, não posso afirmar.
Mas, de qualquer modo, o que mais me magoa, se eu acertei nas considerações que eu fiz, é que nem posso dizer que nossa amizade terminou porque eu fiz alguma coisa: o que mais me magoa é que meu único papel era o de ser, para você, uma estrutura vazia e sem vida sobre a qual você pudesse depositar tudo o que não pode aceitar nos outros – e por mais que eu goste de você (não está ao meu alcance não gostar de você), não gosto o suficiente para aceitar ser a lixeira da sua vida.