Sábado da 25ª semana do Tempo Comum

Na primeira leitura, o segundo anjo diz, da parte de Deus, que a população precisa ficar sem muralha, e que Ele próprio será uma muralha de fogo em torno dela; e mais para o fim da leitura, afirma que habitará no meio dela.
No salmo se repete esta promessa de habitar no meio da população, quando diz que quem dispersou Israel vai congregá-lo, e o guardará qual pastor ao seu rebanho.
No Evangelho, Cristo anuncia que será entregue nas mãos dos homens, logo depois de lermos que todos estavam admirados com o que Jesus fazia.
A admiração do povo poderia levar os apóstolos a um triunfalismo, uma possibilidade que Jesus golpeia com o anúncio de sua morte. Anunciando previamente que iria morrer, Cristo fica sem muralha: ele deixa que o Senhor seja a sua muralha, como diz o segundo anjo na primeira leitura.
O possível triunfalismo é, se efetivado, uma tal muralha.
Talvez seja entregando-se assim a Deus, ao abrir mão das próprias muralhas e deixando que Deus seja a nossa proteção, que possamos nos abrir para que Deus nos guarde qual um pastor ao seu rebanho.

Imanência e transcendência

     Quando o Papa Fransciso escreveu, antes do pontificado, que “… na base de toda atitude corrupta há um cansaço de transcendência … Esse seria um primeiro traço característico de toda corrupção: a imanência.” (Bergoglio, 2013, p. 18) fui pego de surpresa.

     Uma surpresa menor do que teria sido há cinco ou dez anos atrás, é verdade; porque faz algum tempo que venho desconfiando da imanência – se bem que, há cinco ou dez anos atrás, esta surpresa se manifestaria como revolta contra o impedimento à “chafurda na imanência” (Beauvoir, 1967, p. 363) que, de qualquer modo, é tão nefasta quanto a chafurdagem na transcendência (como a dos Essênios, conforme o já mencionado texto do então cardeal Bergoglio: “Para eles, os pecadores e o povo estão longe desse plano [a salvação e a pertença ao grupo escolhido], são ineptos para engrossar esse grupo”, p. 37).
     Eu, que já fui um “essênio” e corro o risco constante de voltar a sê-lo, aprendi a desconfiar da transcendência ao me ver, ainda que inconscientemente, refletido em personagens sectários ou segregadores de qualquer natureza.
Como bem descreve o Papa, embora ele se refira ao deslocamento da corrupção a um plano diferente (do plano) do pudor e não ao fechar-se na transcendência, esta “segregação essenista”, ao “ situar-se aquém da transcendência, necessariamente vai além em sua pretensão e em sua complacência” (Bergoglio, 2013, p. 30).
     A desconfiança da transcendência me levou à investigação da imanência, mesmo sem saber seu nome e também sem um método constante ou definido, até porque a imanência não carece de método para ser investigada, basta observar o mundo ao redor. Ao se acrescentar a auto-observação, temos todas as ferramentas necessárias para investigar bem a imanência.
Se o encarceramento na transcendência me levou a um perigoso dogmatismo inquisitorial (sim, eu já cacei bruxas e só não as queimei por uma invisível intervenção divina), o (imperceptível) encarceramento na imanência me levou à beira da autodestruição – e aqui se repete o enredo da citação do parágrafo anterior, agora no mesmo sentido que o então cardeal Bergoglio escreveu.
Foi em Deleuze e, por ele, em Espinosa, que eu aprendi a manter constantemente bem fechada a imanência, embora um dia eu não tenha conseguido “retornar do horizonte” (cf. Deleuze e Guatarri, 2000, p. 58), não que eu estivesse preso a ele, mas sim no traçado do plano de imanência e, mais especificamente, nos “meios pouco confessáveis, pouco racionais e razoáveis … da ordem do sonho, dos processos patológicos, das experiências esotéricas, da embriaguez ou do excesso.” (idem).
 
     Uma amiga um dia defendeu Foucault dos estruturalistas resumindo que, neste campo, ele queria dizer que é impossível fugir da estrutura, explicando que, segundo o filósofo, ao libertar-se de uma estrutura necessariamente vai-se para outra (que, em comparação à anterior, pode não parecer uma estrutura, porém de fato o é). Os santos talvez – talvez! – digam que, perigo por perigo, é melhor prender-se e perder-se na transcendência (como um Santo Agostinho alienando seu filho da mãe pagã) do que na imanência (como um Deleuze se suicidando, ao meu ver, qual uma eutanásia). Mas além de Santo Agostinho e Deleuze, acho que há quem consiga manter a sanidade dentro de um ou de outro sistema.
     Eu, porém, corro riscos em ambos os casos: seja caindo em buracos de imanência (como Tales de Mileto, mesmo sem a sua genialidade) ao me fixar na transcendência, seja me acomodando à imanência, uma vez dentro do buraco.
Acredito que Cristo, que afinal criou a imanência, quer elevá-la, devidamente purificada, ao transcendental (muito além de Kant e independente de qualquer gnosticismo, pois esta elevação acontece na Cruz). É isso que eu posso entender de passagens como as descrições da Jerusalém Celeste no Apocalipse ou da criação gemendo como que em dores de parto em Rm 8, 22.
     O alerta do Papa aos perigos da imanência já havia sido dado por Deleuze (na página 58 de O que é a Filosofia), só que sem o resultado (a corrupção) e sem o anúncio da libertação de Cristo, mas o Papa, melhor que Deleuze, alerta também para os perigos de imanentizar a transcendência (que foi o que Espinosa fez, não alertar o perigo, mas fazer da imanência uma Ética) e talvez seja neste devir que eu me situe agora.

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– Bergoglio, 2013: Bergoglio, J.M. Corrupção e Pecado. Editora Ave-Maria, 2013
– Beauvoir, 1967: Beuavoir, S. de. O Segundo Sexo (A Experiência Vivida). Gallimard, 1967.
– Deleuze e Guatarri, 2000: Deleuze, G. e Guatarri, F. O que é a Filosofia. Editora 34, 2000.

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Fase minguante

Eu sempre achei que um dia daria certo na vida. Bem, nem sempre. Houve um tempo que isto não importava, em que eu apenas vivia, fazia o que tinha para fazer e deixava pra lá o que não dava. Simples assim.

Depois, sabe-se lá porque, eu comecei a querer. E a não conseguir. E desde então, agora sim, eu achei que um dia daria certo na vida. E nunca deu.

Na maior parte das vezes tudo dava errado antes de começar, era frustrante e dolorido e a vida seguia. Noutras vezes, a menor parte delas, as coisas começavam dando certo mas tudo dava errado no final. E era talvez até pior a frustração e a dor nesses casos.

Depois começou a piorar, e foi ficando cada vez pior. Até eu chegar no fundo do poço. Um poço bem fundo.

Deus foi quem se apresentou para me resgatar, e eu pensei que, desta vez daria certo enfim.

Mas parece que, afinal, Deus não me resgatou para que as coisas dessem certo, e sim somente para que eu não morra no processo.

Há um mérito gigantesco em quem, tendo sucesso na vida, escolhe Cristo em detrimento do sucesso que tem. Isso serve como testemunho. No meu caso, porém, o melhor que eu faço é me apagar.

Isto seria grave e perigoso em outra época, porque este apagamento seria literal. Mas não é o que acontece agora.

Eu apenas não pretendo mais ir além do que a vida pede: trabalhar, mandar dinheiro para as crianças, manter um contato, receber quem tem que receber, e não esperar quem não veio ainda. E não esperar o que não veio ainda.

Eu não sou grandes coisas. Sigo Cristo não como algum dos apóstolos, mas sim como um anônimo. Alguém sem nome que está lá.

Não é que eu esteja me retirando para o anonimato: eu nunca saí dele e sobrevalorizo as migalhas de sucessos medíocres que já tive. Sempre fui o personagem do Poema em Linha Reta do Fernando Pessoa, mas não tanto pela vileza, que vilões também são sucesso hoje em dia, mas pela mesquinharia da vileza. Não vil por ser mau, mas por ser pequeno, pouco, apagado.

Salmo 7, 11-16

Se o cristianismo avançasse sobre a política as coisas não iriam melhorar como que num passe de mágica.

Mas seria um lastro melhor do que o atual, a cobiça. Principalmente a financeira, mas a política tem sido movida pela cobiça em geral.

Esta cobiça que agora se volta para o cristianismo e faz a política avançar sobre ele como uma fera pronta para dilacerar sua presa.

Esta fera, a política, não sabe distinguir uma coisa da outra, porém, e é por isto que não vê que o cristianismo é outra coisa, e não isto sobre o qual avança, dilacera e consome.

Neste furor ensandecido, sem querer, a fera consome aquilo que, de outro modo, permaneceria colado ao cristianismo tentando sempre se identificar com ele. Não que a fera – nem a cobiça que a atiça – mereça os parabéns, mas talvez seja Deus tirando algo bom de algo mau (o que, não custa repetir, não legitima o que é mau).

Acho que esta fera está comendo o messianismo, a teologia da prosperidade, a teologia da libertação, o personalismo, e sei lá o que mais grudou no cristianismo como sacolas plásticas grudam em um animal marinho.

Não acho que já seja a separação do joio e do trigo, que afinal de contas será feita por só no final. Mas acho que seja uma limpeza superficial – e imprescindível, apesar de superficial.

Quanto aos servos da cobiça, talvez sirvam os versículos 15 e 16 do salmo 7:

“Eis que o ímpio concebeu a iniqüidade, engravidou e deu à luz a falsidade. Um buraco ele cavou e aprofundou, mas ele mesmo nessa cova foi cair.”

Os versículos imediatamente anteriores (13 e 14) deste mesmo salmo se aplicam, eu acho, a estes servos da cobiça: “Se para ele o coração não converterem, preparará a sua espada e o seu arco, e contra eles voltará as suas armas. Setas mortais ele prepara e os alveja, e dispara suas flechas como raios.”

Acho que estas setas mortais e as armas que Deus volta contra os ímpios são aquilo descrito no versículo 16, a queda na cova cavada por eles mesmos. Quem não converte seu coração a Deus cai no buraco que cavou e esta conseqüência automática são as tais armas. “O Deus vivo é um escudo protetor, e salva os que tem reto coração” (Sl 7, 11) é o que Deus – o escudo protetor – faz deixando a fera consumir o que não é cristão no cristianismo, e a salvação dos que tem reto coração é o que acontece aos caídos na cova que eles mesmos cavaram, desde que a queda os leve a converterem o coração.

Talvez eu esteja só projetando o que mais ou menos foi até aqui a minha vida (concebi a iniqüidade, engravidei e dei uma à luz a falsidade, cavei e aprofundei um buraco no qual eu mesmo fui cair, etc.); talvez eu esteja projetando minha história pessoal na política nacional.

Mas quem garante que não é a política nacional reproduzindo minhas burrices pessoais?

Uma “Navalha de Occam” cristã

Pelo que eu entendi (com ajuda deste texto) dos sacrifícios que o povo de Israel oferecia conforme as indicações de Moisés, a carne dos animais oferecidos em sacrifícios de ação de graças deveria ser, pelo menos em parte, comido.

Quando Cristo informa que para ter para ter a vida é necessário comer a sua carne e beber o seu sangue, acho que é um dos pontos em que ele está “não abolindo a lei, mas levando-a à perfeição”.

Se antes era a carne dos animais que deveria ser consumida, agora é a carne de Cristo, oferecido de uma vez por todas, que deve ser consumida.

Aparentemente, o sangue dos animais era aspergido sobre o altar e, fora isto, era jogado fora, porque se considerava algo parecido com a vida estar no sangue e ninguém iria beber a vida dos animais (é nisto que as Testemunhas de Jeová ainda se apegam para proibirem doação e transfusão de sangue). Mas o sangue de Cristo é, segundo ele, para ser bebido, e acho que é neste mesmo sentido.

A Igreja Católica fez destes mandatos de Jesus o sacramento da eucaristia, que são, ao mesmo tempo, símbolos e realidades de fé – ou seja, não são carne e sangue materiais, mas sim materializadas, pela fé, no pão e no vinho (não pela fé no pão e no vinho, e sim em Cristo). Pois se fosse de outro jeito, o que conhecemos como Sagrada Comunhão seria apenas uma refeição macabra.

Aqueles sacrifícios de animais, complexos e caríssimos (imagine sacrificar diariamente um bicho, num tempo em que não havia o abate em massa industrializado que há hoje) foram elevados à perfeição por Cristo justamente porque eram representações antecipadas do sacrifício único de Cristo. Se não fosse assim, Deus seria um Deus indeciso e confuso, ora ordenando sacrifícios cheios de regras, ora dizendo que não precisa nada disso. E, além de tudo, não deixa de ser mais elegante uma hóstia do que um boi ensanguentado.

Sem esvaziar o que há de doutrinário e de conteúdo de fé nesta transformação dos sacrifícios em eucaristia, esta passagem de sacrifícios complexos e caros para algo simples e cotidiano (pois é mais comum encontrar alguém que comeu um pão do que alguém matou um boi) serve como metáfora para simplificar as coisas na vida. Não uma simplificação redutora, que é a que ocorre quando se tenta tirar Deus da jogada, mas uma simplificação libertadora, estilo uma Navalha de Occam, que só funciona adequadamente com a necessária participação de Deus.

Paz de Cristo

“Senhor Jesus Cristo, que dissestes aos vossos apóstolos: eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz; não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a vossa Igreja. Dai-lhes, segundo o vosso desejo, a paz e a unidade, vós que sois Deus com o Pai e o Espírito Santo. Amém.

Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz.”

Há anos atrás, neste trecho da missa o meu choro era líquido e certo.
Passava a parte do “confesso a Deus todo-poderoso…” e eu seguia firme. Passavam as leituras, às vezes emocionantes, e eu seguia firme. Passava a consagração do pão e do vinho (“na véspera de Sua Paixão ele tomou o cálice…” também é propício a lágrimas e choradeiras para um coração angustiado) mas eu ainda assim seguia firme. Seguia o restante da oração eucarística, pela Igreja, pelos nossos irmãos, pelos mortos (outra oportunidade de choro), e eu nada.

Mas bastava chegar no “Senhor Jesus Cristo, que dissestes…” eu já pensava “não eu não vou chorar” para chegar no “dai-nos a paz” chorando.

Nesta época eu não tinha o que comer nem onde morar (e só fazia essas coisas graças ao favor alheio), não tinha dinheiro para mandar para a minha filha (depois veio o bolsa-família, até me arranjarem um emprego), e nem sabia se eu iria vê-la, pois não sabia o que seria dali em diante.

Embora eu passasse desapercebido pela vida, eu estava em um reequilíbrio contínuo, num desespero constante diante do qual eu só podia tentar buscar um mínimo de auto-controle para não deixar tudo (eu, no caso) ir pelos ares. Todos os dias eu comia “o pão das lágrimas” e bebia “um pranto copioso”.

A paz que Cristo oferece, pelo que posso perceber, não é aquela “Pax Romana”, semelhante à dos cemitérios, mas é uma paz interna. Não depende de se estar em um terreno em paz, mas a própria pessoa se torna um território de paz enquanto transita em diferentes terrenos.

De vez em quando esta paz se abala. Não é que a minha paz fique abalada mas é a Paz de Cristo em mim que eu começo a retirar do meu território – sem querer, quase que imperceptivelmente. E na missa, nesta parte do Cordeiro de Deus, as lágrimas vem mais ou menos como o arco-íris, para recordar: recordar, neste caso, o passado (cujas cicatrizes ainda eu sinto) e o pedido atendido, qual seja, a paz.

Notas #1

#1 Os padres do deserto, que são a origem do monaquismo, foram uma conseqüência do fim da era dos martírios encerrada por causa da legalização do cristianismo, transformado em religião do Império.

#2 O martírio era uma demonstração de fé em Deus que a Igreja aprovava, embora proibisse que fosse provocada intencionalmente.

#3 Com a incorporação do cristianismo ao “sistema”, acabaram as perseguições e o monaquismo foi a maneira que as pessoas encontraram para demonstrar o desapego ao mundo.

#4 O que não é uma “crítica” ao mundo (que, afinal, foi criado por Deus) mas sim ao apego exagerado ao mundo. Com a vantagem de dispensar a crueldade dos martírios (e suponho que Deus, embora valorize aqueles martírios, desaprove qualquer crueldade).

#5 Esta crítica ao apego exagerado ao mundo pode ser vivida, hoje em dia (estamos em 2019) inserida na sociedade, vivendo nas periferias sociais (tanto literal quanto metaforicamente).

#6 A falta de estrutura e o descaso administrativo e político para com as periferias é muito ruim e não merece nenhum elogio, mas sim o combate. Esta vivência religiosa nas periferias é outra coisa: a renúncia ao conformismo com o pecado.

#7 Mais precisamente: não se conformar (ao e) com o pecado, o que não implica em viver aprontando o dedo ao pecado alheio, e sim em viver e buscar viver fora das estruturas, esquemas e sistemas de pecado. Ou seja, corrigir o pecado em si e não nos outros, porque esta correção fraterna cabe à Igreja.

#8 Senão continuamos vivendo apontando os ciscos no olho alheio e cegos à trave que está no nosso olho.

#9 E, além disto, a denúncia silenciosa e inconsciente que emerge do exemplo é quase sempre mais impactante do que falar, falar e falar (porque falar, qualquer um fala).

#10 Enfim, não se trata de querer dar um exemplo, mas de agir em silêncio, e deixar que Deus fale o que, a quem, e como quiser porque nós não estamos em condições superiores uns aos outros para nós arrogarmos ser sua voz – e, sim, somos suas criaturas para ouvi-la quando ele fala.

Espiritualidade

“Espiritualidade” sempre foi, para mim, uma palavra tão cheia de sentidos que acabou se tornando sem nenhum conteúdo, como uma nuvem carregada que se evaporava antes de poder chover.

É uma palavra parecida com “política”, “filosofia”, “arte”, etc., cuja semelhança é ter muitos sentidos ao mesmo tempo que não tem sentido nenhum.

São palavras que se prestam a preencher discursos que geralmente se prestam a tentar manipular ideias e quem as ouve, exceto, talvez, quando quem faz o discurso deixa claro as premissas do seu pensamento.

Para este tipo de palavras vale o que a introdução do curso de Doutrinas Políticas: Novas Esquerdas diz sobre as grandes correntes de pensamento político, afirmando que estas “não são objetos que possam ser estudados a partir de uma definição clara, unívoca, aceita por todos. Adversários e partidários têm interpretações diferentes de cada corrente, e mesmo no interior de cada uma delas encontramos divisões importantes.”

Ou seja, quero dizer que “espiritualidade” (assim como “arte”, “política”, etc.) não são palavras que tenham “uma definição clara, unívoca, aceita por todos” e, por isto, é necessário partir sempre de uma perspectiva parcial, e é nesta parcialidade que mora o perigo de manipulação: mais precisamente, na omissão desta parcialidade.

Eu apenas estudo teologia e, portanto, sou ainda mais parcial do que a maioria, porque estou partindo da perspectiva da faculdade que estou cursando (quer dizer: eu não posso nem dizer que falo a partir de uma perspectiva católica, mas sim de uma perspectiva que pretende estar compreendida dentro daquilo aceito pela doutrina católica, sem no entanto representar a doutrina e também sem ser a única perspectiva possível dentro das perspectivas possíveis no interior da doutrina).

Filtrando ainda mais um pouco esta parcialidade, isto é o que eu entendi daquilo que li e ouvi nesta disciplina do curso, e que para mim pareceu maravilhoso.

A espiritualidade cristã se compõe de ideias e práticas nascidas do encontro com Cristo, e é a partir de Cristo que esta espiritualidade pode ser vivida. Embora ela tenha, necessariamente, um aspecto interior, a espiritualidade não existe se não manifestar-se em uma prática na qual se inclui a oração mas que não se detém nela.

Esta prática foi muitas vezes omitida, mas hoje se entende que a espiritualidade exige que a relação com Deus interfira também na relação com o outro (ou com o próximo): o encontro com Cristo permite que Cristo nos revele Deus e nesta revelação também se revela a condição de criaturas de Deus que todas as coisas possuem; as outras pessoas, principalmente, foram criadas por Deus, e portanto a mesma dignidade e valor que uma pessoa descobre em si a partir do encontro com Cristo também está nas outras pessoas, igualmente criadas por Deus com o mesmo valor e dignidade.

Assim como as pessoas, todo o resto foi criado por Deus e merece o cuidado necessário com algo criado por Deus, seja o planeta, o meio ambiente, os animais e também aquilo produzido pela humanidade (pois o que uma pessoa, criatura de Deus, produz, ela produz a partir de outras coisas criadas por Deus, incluindo aí sua inteligência, mas também os materiais que usa).

A espiritualidade cristã, portanto, incide também sobre corpos: o próprio corpo e o corpo alheio, e toda a matéria com a qual temos contato. Houveram correntes de pensamento (maniqueísmo, gnosticismo, etc.) que tentaram “criminalizar” a matéria, mas a espiritualidade cristã se estende a ela.

Quando Cristo prioriza a alma em detrimento da carne, ele não está condenando-a: se estivesse, não teria assumido um corpo e nem, ainda por cima, ressuscitado com o próprio corpo. Mesmo corrompida pelo pecado (exceto no caso de Cristo e, por graça de Deus, da Virgem Maria), a carne é uma criação divina a ser restaurada na vinda definitiva de Cristo. Por isto que, se por um lado, não vale a pena ganhar o corpo e com isto perder a alma, por outro lado, este predomínio da alma sobre o corpo é apenas na medida em que o corpo-corrompido não leve a perder a alma cuja fidelidade a Deus permitirá que o próprio corpo seja restaurado na ressurreição. A alma não conduz o corpo como quem carrega um fardo inútil e descartável, mas o ser humano, dualizado pelo pecado, precisa priorizar a alma para que ambos, corpo e alma, tenham a sua unidade restaurada no futuro. Portanto a inferioridade da carne é temporária porque será restaurada (não exatamente como a carne de Cristo mas à semelhança do que se lê nos evangelhos sobre seu corpo glorificado na ressurreição), bem como a unidade entre o corpo e a alma que também será restaurada.

Assim, tão importante como deixar a alma prevalecer sobre o corpo, é importante que a espiritualidade se estenda ao corpo, pois se queremos que Cristo salve o mundo, precisamos preservar este mundo para que Deus tenha o que salvar. O mundo – a carne – não leva à salvação, mas a espiritualidade precisa levá-los à salvação junto com a alma.

Sobre Jo 3, 1-8

Santa Catarina de Sena, a julgar pelo artigo da Wikipédia em português sobre ela, foi uma santa que passou a vida sempre atribulada. Por isto me identifico com ela.

Isto começa com o evangelho de hoje, que é o diálogo de Jesus com Nicodemos sobre renascer do alto etc. No fim, Cristo diz que o Espírito sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai.

A minha vida parece ser marcada não tanto por eu não saber de onde venho (embora às vezes eu esqueça isto de onde vim) mas sim por eu não saber para onde vai. Esta indeterminação quase absoluta não é um tipo de “selo de santidade” que me qualifique como santo, nem serve como sinal de Deus. Talvez possa ser estas duas coisas, mas o que eu vejo nisto é apenas uma condição pessoal que às vezes eu gosto, às vezes eu odeio, mas que está sempre presente independente de eu gostar ou não.

Tal indeterminação geralmente me dá medo, principalmente nas minhas crises pessoais. Aliás, uma das passagens da Bíblia que sempre me amedrontou foi esse diálogo com Nicodemos justamente por conta desse assunto do Espírito que sopra onde quer etc. A minha busca intensa na astrologia sempre foi uma tentativa de fuga desta indeterminação: conhecer o meu mapa astral a fundo e acompanhar o movimento astrológico diário para ter uma base sobre a qual calcular meus passos e saber exatamente para onde estou indo (imagine querer resolver algum problema importante numa terça-feira regida por Marte sabendo que no meu mapa Marte é retrógrado e, ainda por cima, está em detrimento em Touro… melhor nem sair de casa!). Rompi com a astrologia, no fim das contas, não por não acreditar nela, mas sim num gesto simbólico, significativo para mim, de confiança em Deus. Guardadas as devidas proporções, rompi com a astrologia como Cristo aceitou ser crucificado. Apesar de que saber de antemão dos problemas nunca me impediu de evitá-los (porque aquela constante da literatura fantástica, a inevitabilidade dos percalços mesmo diante da presciência do futuro, vale para a vida real na medida em que a arte imita a vida). A astrologia funciona sim, mas não resolve e por isto acaba sendo uma perda de tempo.

Aí eu leio o artigo da Wikipédia sobre a santa e eu vejo que ela brigou com a família para não casar com o viúvo da irmã, depois cortou os cabelos por não se sentir obrigada a ficar bonita pra homem nenhum e, além disto, porque não queria casar de qualquer jeito, então levaram ela numa fonte de águas termais para ver se ela se curava de não sei qual doença (cujos sintomas eu acho que eram essa rebeldia contra os desígnios familiares), aí ela ficou doente de verdade e só melhorou quando deixaram ela virar freira como ela queria, mas até nisto ela não teve paz porque queria ser freira em um convento onde só se aceitavam viúvas e comprou outra briga para ser aceita lá. Depois de aceita, em vez de ficar quietinha no canto dela o resto da vida (apesar de ter ficado quietinha por algum tempo), ela voltou pra casa para ajudar os pobres, para o incômodo da família, e, além disto, se meteu na política que, no seu tempo, era muito misturada com a religião, pregando a reforma do clero e, ainda por cima, insistindo com o Papa que ele deveria voltar para o Vaticano (pois a Santa Sé tinha sido transferida para Avignon). Tudo isto só para explicar a minha admiração por ela: nestes tempos de defesa da família e dos bons costumes, é importante lembrar que rebeldia não significa jogar a família no lixo e que defender a família não significa defender “as pessoas na sala de jantar … ocupadas em nascer e morrer”. Santa Catarina rogai por nós.

Acho que não sou o tipo de pessoa talhada para viver sem medo, mas sim para conviver com ele e agir apesar dele. O medo me paralisou inúmeras vezes ao longo da vida (quando não me fez correr, mas fugindo e ainda por cima como quem corresse em cima de uma esteira). E não foram poucas as vezes em que me aconselharam a deixar de ter medo para fazer tal ou qual coisa. Eu tenho medo, medo de não ter dinheiro para mandar pra minha filha e pagar as minhas contas, medo que meus pais morram, medo que eu também morra, medo da dor, da doença, do desemprego e de ficar sem cigarro, sem internet e sem alternativas, eu sou um catálogo de medos.

Mas preferi o tortuoso caminho de não abandonar o medo e também não abandonar o movimento. Todas as minhas tentativas de abandonar o medo resultaram em abandonar meu coração, e (infelizmente) para mim é muito fácil ter um coração de pedra. Fácil demais.

Por isto toda esta importância que eu dou à história de Sta. Catarina de Sena, e a este evangelho de hoje, especialmente a passagem do Espírito que sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai.

Eu não vou dizer “agora tenho coragem de seguir o Espírito para onde quer que ele vá”, ou de seguir Cristo sem reservas. Prefiro algo mais parecido com a resignação de Tomé quando ele diz “vamos, para morrermos junto com ele”.

Talvez um dia eu entenda esta alegria no sofrimento, pois sempre que eu leio sobre a graça de sofrer por Cristo, eu peço a graça de ficar junto de Cristo apesar do sofrimento, porque não consigo ver alegria nenhuma em sofrer (com todo respeito aos santos que se alegraram no sofrimento, eu espero poder passar pelo sofrimento sem desistir e depois eu me alegro).

E espero, enfim, aprender a conviver com esse futuro indeterminado e que eu não perca a cabeça e o coração, mas possa caminhar, ainda que seja mancando, junto com Cristo.

Buscai primeiro

Quando Jesus menciona o fim dos tempos, o faz por motivos pedagógicos, transmitindo a nós aquilo que o Pai lhe revelou. Ele não usa o fim dos tempos como uma ameaça, e sim como uma advertência integrada ao resto da revelação que nos faz.

Embora nós possamos ouvir ou repetir esta advertência como uma ameaça, este sentido ameaçador deveria ser secundário e passageiro.

Quem é que deseja ir para o céu às custas de uma ameaça? Converter-se para poder entrar no Reino de Deus pode se tornar um utilitarismo ineficaz, um reforço positivo para o bom comportamento, como “ganhar um fuscão no Juízo Final e diploma de bem comportado”, nas palavras de Gonzaguinha em Comportamento Geral.

A conversão do coração é uma condição para entrar no Reino, mas é necessário converter-se como quem aceita os valores do Reino por eles mesmos, e não tendo em vista o Reino: ao mesmo tempo mantendo a esperança de alcançá-lo e vivendo estes valores por eles mesmos, não como moeda de troca (como quem pudesse dizer “fiz tudo o que o Senhor mandou, agora exijo entrar”).

Idéias como a reencarnação ou o materialismo histórico (por mais bem intencionadas que sejam) são dois entre muitos protótipos da tentativa de auto-redenção que se amparam, eu acho, no utilitarismo cuja raiz é focar no medo da perdição em lugar de focar em Deus. Este foco no medo da perdição eterna pode ser, também, foco no desejo de ganhar, ou de ter vantagem, ou no orgulho, etc. Viver os valores do Reino é uma condição para adentrá-lo, mas é a redenção de Cristo que tanto nos franquia a entrada no Reino, quanto (inclusive) gera em nós estes valores.

Não podemos deixar de agir como se tudo dependesse de nós (como diz o adágio “devemos agir como se tudo dependesse de nós, e rezar como se tudo dependesse de Deus”), mas precisamos, primeiramente, aceitar que tudo depende de Deus.

A Liberdade e o mal

Os planos de Deus são insondáveis, incompreensíveis e santos. Eles às vezes nos alegram, noutras vezes nos decepcionam; às vezes nos confortam, mas também podem nos rasgar por dentro.

O mal não é parte dos planos de Deus, e segundo o magistério da Igreja, é um mistério. Além disto, confiar em Deus, uma obrigação nossa, inclui confiar que Deus transforma o mal em bem mesmo que não se perceba isto, etc.

E isto é muito difícil.

Com frequência eu me irrito com os planos de Deus. Ao mesmo tempo em que eu agradeço ter sido poupado dos piores males (pelo menos até agora), passo os dias passando raiva pelos pequenos revezes cotidianos que vêm com uma certeza quase matemática e com uma frequência ininterrupta. E, claro, cabe a mim aceitar os males com a mesma gratidão com que aceito os bens (os quais, ainda por cima, são quase sempre aquém do que eu esperava…).

Mas tenho uma teoria (pois eu tenho teorias mais ou menos como MacGyver tinha um clips e um esparadrapo para montar uma bomba só com isto, ou então como o Batman sempre tem alguma utilidade no seu cinturão). Eu sempre tenho uma teoria.

A minha teoria é que Deus tem apreço pela liberdade, um apreço que vai a níveis (para nós) assombrosos. O maior exemplo: quando quiseram matar Jesus, Deus não impediu ninguém. Ele deu oportunidades para todos voltarem atrás: Pilatos estava decidido a soltá-lo, o povo poderia ter matado Barrabás, poderiam nem ter começado todo o processo. Deus deu várias oportunidades de voltarem atrás, mas ninguém quis aproveitá-las. E Deus não impediu ninguém. Alguém duvida que Cristo poderia ter impedido tudo com um estalar de dedos?

Mas as pessoas são livres. Se Sartre errou ao afirmar que Deus não existe, acertou em afirmar a liberdade aterradora que nos condiciona. Deus existe sim, mas nossa liberdade de decisão também. O porquê de Deus impedir certas ações e outras não (porque de qualquer modo só vemos a maldade que Deus permitiu passar, certamente contrariado, mas não fazemos ideia do que Deus impede, também, o que deve ser em número muito maior do que o que passa).

Eu li um livro, de um padre chamado Fortes, que é um romanceamento da guerra espiritual que culminou na queda dos anjos liderados por Lúcifer (um texto sem pretensões de veracidade). No fim, o diabo levou às piores consequências a estupefação diante do plano divino de deixar-se matar pelos seres humanos que criaria (quase como se tivesse rompido com Deus por excesso de zelo para com Deus). Mesmo que não tenha sido assim a história, eu sempre lembro dela quando me questiono se tamanha liberdade é uma boa ideia de Deus. Logo eu, um intransigente defensor da liberdade, me pego às vezes neste questionamento diabólico da liberdade (o mundo dá voltas, Marcelo).

O que estou querendo dizer, enfim, é que talvez o plano divino seja a liberdade e não o mal, mas o mal (sem pretender ter “resolvido” o Mistério do mesmo) é resultado de ações contra-libertárias humanas – de maldades humanas.

A liberdade inclui a possibilidade de impedir a liberdade, e aí entra a ética e a moral: Deus permite, contrariado, ações contra a liberdade, mas não as quer e por isto não devemos fazê-las. O mal que Deus permite, devemos (mesmo com o coração destruído, e como isto é indizivelmente dilacerados) aceitar – mas sem esquecer o seguinte: aceitar o desígnio de Deus.

Porque não é porque Deus permite, contrariado, a violência (por exemplo) que ela deve ser aceita. Aceitar a vontade de Deus é não se revoltar contra ele, mas não deixar o mal passar, e não estou me referindo aqui aos meus pequenos contratempos irritantes diários (seria muito melhor não tê-los, mas, enfim).

Aceitar a vontade de Deus é lutar contra o mal nos termos de Deus. Isto implica em se abster de combater o mal com o mal. A homossexualidade, por exemplo, é um pecado, mas a homofobia também é e o é muito mais claramente do que a homossexualidade. O aborto é um pecado mas a falta de assistência às grávidas, às mães, às crianças que nasceram e às mulheres em geral também é – e não adianta fazer um super-trunfo dos pecados e ficar calculando qual é o pecado mais pesado (pois não deveria ser mais fácil defender os fetos que ninguém vê do que as pessoas que nasceram e vivem em condições deploráveis, o que só não vê quem não quer). Aceitar a vontade de Deus não é fazer uma apologia à permissividade. Cristo censurou Pedro quando ele quis usar a espada e curou a orelha de um dos seus captores.

Então, por fim, espero que eu me lembre de não me revoltar com Deus, e de trabalhar em prol da liberdade.

Escatologia

O cristianismo gira em torno de Cristo, para começar pelo óbvio. Logo em seguida, a experiência concreta (e real) de encontro com Cristo é o que sustenta o cristianismo. A teologia é secundária para viver este encontro – mas secundária não significa dispensável.

No meu caso, eu estudo teologia como um recurso de aprofundamento da fé: quando eu repito o pedido aprendido na Bíblia “eu creio, Senhor, mas aumenta a minha fé”, eu sei que cabe a Deus aumentá-la, mas a mim cabe “preparar o solo” porque Deus age habitualmente em conjunto com as nossas ações. E espero aumentar a fé para que este aumento se reflita em um acréscimo na caridade.

Isto me faz sentir um tanto quanto deficiente em relação a tantas pessoas que julgo não precisarem de tanta coisa para se abrirem à graça de Deus e serem caridosas, mas eu procuro fazer o que posso com o pouco que eu tenho.

O que eu estou estudando neste momento é a escatologia. O que eu pude perceber, em um primeiro relance sobre o assunto, foi que a escatologia, que trata sobre o fim dos tempos, tanto o pessoal (a morte) quanto o geral (a segunda vinda de Cristo).

Eu fiquei surpreso em perceber como um tema que eu sempre julguei ser uma mera curiosidade tem, na verdade, uma importância central: vivemos para morrer.

O medo da morte hoje em dia leva a respostas como a negação, desde não se preocupar com isto até a sistematizar esta despreocupação em algum tipo de agnosticismo, passando por procurar alguma fuga na ciência (como a esperança de que a clonagem possa preservar o indivíduo replicando-o, a preservação do cérebro, o congelamento do corpo na expectativa de que seja descongelado quando a ciência possa mantê-lo vivo indefinidamente, o mero rejuvenescimento, que é uma mistura de agnosticismo com fuga na ciência, pois as pessoas tentam, diante da perspectiva da morte, pelo menos chegarem nela parecendo jovens, etc.); sem contar o apoio em diversos tipos de pensamento, espiritualidades e religiões que sugerem perenizar o ser humano na terra (como xamanismo e afins – pelo menos foi o que me pareceu no contato com essas espiritualidades), ou no cosmos (como nestas espiritualidades “quânticas” e todas as que inserem o ser humano em um organismo cósmico), etc., etc., etc.

O cristianismo lida muito com a morte, e isto começa com o fundamento da fé cristã que, segundo são Paulo, é a ressurreição de Cristo – uma Ressurreição precedida pela morte inevitável a todos nós.

A ressurreição de Cristo é o ponto de partida de todo o trabalho que o cristianismo dá (a relação com Deus e o amor ao próximo dão trabalho, pelo menos para mim que não sou santo).

Essa promessa de ressurreição (pois Deus não se comprometeu a evitar que morrêssemos, mas sim em vencer a morte, o que faz na ressurreição) não é um mero reforço positivo (como um preciosíssimo biscoito premiando um comportamento exemplar), mas é o objetivo pelo qual existimos, ou melhor, é aquilo que Deus deseja para nós: viver para sempre na plenitude divina. Já podemos, é claro, viver esta plenitude agora, mas ainda assim, aos trancos e barrancos – que não estarão presentes, tais trancos e barrancos, na plenitude definitiva.

O estudo da escatologia, enfim, é (ele sim) o reforço para ter sempre na lembrança que, se a bagunça que é esta vida é inevitável (” no mundo tereis tribulações…”), atravessar essa bagunça junto com Cristo resultará naquilo que desejamos e que somente em Cristo está(rá) se realizando.

Primeiro post do blog

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A chave da arte

A minha frustração artística é consequência imediata da minha falta de habilidade.
Eu sou (no sentido de “me considero”) um … magistral.
As reticências estão ali porque eu não sei o nome do que eu sou:
Público: eu sou o público das artes, um integrante das massas anônimas que vêem, assistem, prestigiam, ouvem, etc as obras de arte alheias. Mas público é público: o público usa metrô, e eu não sou um passageiro de destaque; o público opina, e eu não me destaco nas minhas opiniões; o público, aliás, é público e eu, apesar de ser tão público, sou muito privado  (mezzo timidez, mezzo orgulho).
Consumidor: eu poderia me considerar um grande consumidor da arte, mas aí pareceria que eu compro. O problema é que dificilmente eu gasto um centavo com arte. Não me orgulho disto, mas todo o meu dinheiro vai para filhos, aluguel, cigarro, transportes e comida  (e até a comida eu compro com va e vr, então nem gasto diretamente dinheiro em comida). Eu consumo vorazmente a arte com os sentidos e a mente, o que é virtuoso mas não movimenta o mercado.
Espectador: seria o termo mais exato, mas me parece muito restritivo a espetáculos como circo e teatro. Soa como platéia, e para mim significa gente sentada nas cadeiras vendo e ouvindo os artistas.
Leitor, ouvinte, fã: se restringem muito a determinadas áreas da arte.

Como se chama este ser passivo a quem a arte se dirige e em quem não produz arte depois que ela chega?

Além de não saber o que eu sou, eu não sei criar, e nem mesmo reproduzir externamente a arte. Ainda não encontrei a chave que abre a cela em que ela está presa dentro de mim. E talvez nunca a encontre.