A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica.
Ecclesia de Eucharistia, 12
O ponteiro de um relógio se movimenta sobre cada um dos segundos para indicar que um deles passou.
Se o sacrifício de Cristo na cruz fosse o ponteiro de um relógio e a história humana a partir da cruz fosse a superfície onde ficam escritas as horas, seria esta superfície que se movimentaria sob o ponteiro.
O sacrifício diário da missa não é, como explicou João Paulo II na citação acima, a multiplicação do sacrifício nem um outro sacrifício, mas o mesmo. Com o passar do tempo aquele mesmo sacrifício permanece o mesmo, e é o tempo que vai girando até que Cristo venha novamente.
Elias tomou então o seu manto, enrolou-o e bateu com ele nas águas, que se dividiram para os dois lados, de modo que ambos passaram a pé enxuto.
2Rs 2,8
Na primeira vez que a Bíblia mencionou alguém batendo com alguma coisa nas águas para dividi-las e dar passagem segura pelo leito, o evento foi solene e grandioso, repercutindo pelos séculos até hoje e, quem sabe, pela eternidade também.
Mas agora Elias, prestes a ser arrebatado aos céus, está conversando com Eliseu enquanto caminham, sem nenhuma pompa e circunstância, e por motivo nenhum, Elias divide as águas para eles continuarem o caminho conversando.
A salvação que Deus nos oferece é solene e grandiosa, como a versão mais dramática e solene das águas se dividindo ao toque de Moisés; mas esta salvação também é cotidiana e silenciosa, pois é no nosso cotidiano que Deus vai nos salvando por causa da morte e ressurreição de Cristo.
Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!
Mt 5,44
Deus nos criou para receber e retransmitir o seu amor, não para pôr mais ódio em circulação na praça. Por mais dolorido que seja manter amor entre os espinhos da inimizade, é a Deus que cabe podar estes espinhos e não a nós, a quem cabe amar em vez de odiar.
Não enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda! (Mt 5,39)
Nenhuma injustiça pode passar batida, como se ignorá-la fosse acabar com ela. Mas a justiça não vai ser feita reagindo individualmente, já que quase sempre a injustiça está amparada por um sistema injusto do qual alguns malvados se aproveitam, e a reação individual só vai alimentar esse ciclo violento, que sempre vai arrebentar no lado dos injustiçados.
E buscar a justiça também é um jeito de dar a cara a tapa.
“Sai e permanece sobre o monte diante do Senhor, porque o Senhor vai passar”. Antes do Senhor, porém, veio um vento impetuoso e forte, que desfazia as montanhas e quebrava os rochedos. Mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento houve um terremoto. Mas o Senhor não estava no terremoto. Passado o terremoto, veio um fogo. Mas o Senhor não estava no fogo. E depois do fogo ouviu-se um murmúrio de uma leve brisa. Ouvindo isto, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta. Ouviu, então, uma voz que dizia: “Que fazes aqui, Elias?” (1Rs 19,11-13)
Deus tem força e poder, apenas uma palavra da sua boca pode mover céus e terra. Mas nós só o encontramos na fragilidade do “murmúrio de uma leve brisa”, porque em toda a sua grandiosidade, o seu aspecto mais essencial é o amor.
Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno. (Mt 5,21-22)
A vida não se resume à sua manifestação externa. Atentar contra a existência alheia mesmo que apenas dentro de si é promover a morte, seguindo por um caminho contrário ao caminho da vida apontado por Deus, que não se contenta em nos dar apenas a vida, mas quer promover, através de nossas ações, a vida plena que ele nos oferece.
Ouve-me, Senhor, ouve-me, para que este povo reconheça que tu, Senhor, és Deus, e que és tu que convertes os seus corações!
1Rs 18,37
Por mais que alguém fale de Cristo, dê o exemplo, explique, desenhe, tente convencer, etc., precisa se lembrar que quem converte as pessoas é Deus, e mais ninguém. É necessário evangelizar, mas também é necessário reconhecer os limites daquilo que cabe a nós, humanos, e daquilo que cabe apenas a Deus.
Magda, já pensou alguma vez que talvez o mundo não esteja destinado a ser um lugar melhor? Talvez continue do jeito como é, a fim de que as pessoas possam escolher o que é realmente importante.
(Marion Zimmer Bradley, Cidade da Magia)
A Bíblia e a doutrina da Igreja são muito claras quando explicam que a origem dos males no mundo é o pecado. Mas isto é uma questão de fé e só pode, talvez, servir como argumento para quem já tem fé – pois nada garante que a fé do outro vá tornar o argumento aceitável.
Esse trecho da citação não me leva a concluir que o mundo não é melhor porque é um jeito engenhoso de Deus nos forçar a ponderar o que é mais importante, mas acredito que quaisquer que sejam os motivos que façam o mundo ser pior do que poderia ser, no fim das contas é como Jaelle (a personagem na boca de quem a autora botou a frase citada) disse: sendo como é, o mundo nos obriga a escolher o que é realmente importante.
Todos os habitantes do planeta podem possuir e usar igualmente seus recursos de acordo com o plano original de Deus
Esta é a segunda parte de uma análise das atitudes cristãs em relação à desigualdade. A primeira parte pode ser vista aqui (em inglês).
Autor: Jose Mario Bautista Maximiano é o autor de ‘Global Business Ethics for Filipinos of the New Millennium’ (Anvil, 2001) e ‘Corporate Social Responsibility: Basic Principles and Best Practices’ (De La Salle University Press, 2004). As opiniões expressas neste artigo são do autor e não refletem necessariamente a posição editorial oficial da UCA News.
Em várias reuniões de opinião sobre o tema da responsabilidade social, muitas vezes me perguntaram se sou contra a aquisição legal de riqueza ou propriedade privada. Claro que não, eu respondo de volta.
Que a propriedade privada é uma instituição necessária e que é básica para o estilo de vida humano normal são posições que sempre defendi – e há razões pessoais, morais, sociais e psicológicas que podem sustentar tais afirmações. Considero também que a promoção do bem comum exige o respeito pelo direito à propriedade privada e o seu exercício.
No entanto, do ponto de vista cristão, a propriedade privada não é um direito absoluto, pois é um meio e não um fim em si mesmo. A riqueza é um direito pessoal natural – sim, é – mas com obrigações sociais correspondentes.
Todo louco rico asiático é lembrado de que a riqueza privada tem uma dimensão social, um princípio que se baseia no destino universal dos bens da terra. É chamado de “intenção criativa original”, o que significa que Deus pretende dar os bens e recursos da terra a cada pessoa.
Foi o teólogo dominicano do século XIII Tomás de Aquino que formulou a lógica fundamental por trás da subserviência da propriedade privada ao bem comum.
As necessidades da comunidade condicionam o direito à propriedade privada, o que significa que o bem comum ou o bem público deve prevalecer sobre a propriedade privada
Santo Tomás de Aquino insistiu que “ninguém deve viver inconvenientemente”, o que pode se referir a um estado de pobreza que desumaniza. Mas quando a necessidade foi suprida e a posição de alguém razoavelmente considerada, é um dever dar àqueles que têm menos na vida do excedente de sua riqueza.
Em suma, ninguém tem justificativa para possuir ou manter para seu uso exclusivo o que não precisa. A doutrina social católica tem um princípio fundamental para isso, que é a dimensão social da propriedade privada que se fundamenta no destino universal dos bens da terra.
Do ponto de vista cristão, repito que Deus pretende dar os bens e recursos da terra a cada pessoa.
Portanto, a riqueza suada ou herdada é condicionada pelas necessidades da comunidade? É sim. As necessidades da comunidade condicionam o direito à propriedade privada, o que significa que o bem comum ou o bem público deve prevalecer sobre a propriedade privada.
Um exemplo é a decisão de 1997 tomada pela autoridade bancária em Zurique, onde a Comissão Bancária Suíça concordou em renunciar às leis de sigilo para permitir a investigação das relações da Suíça com os nazistas e os bens judeus desaparecidos da época do Holocausto.
Considerada um “avanço espetacular”, essa decisão histórica foi o cancelamento do direito de propriedade outrora inatacável em um esforço para recuperar a riqueza judaica roubada durante a Segunda Guerra Mundial que foi transferida pelos nazistas para suas contas bancárias na Suíça.
Uma verificação da realidade nos leva a uma triste conclusão de que uma porcentagem enorme dos bens da terra pertence a uma pequena porcentagem da população e a pequena porcentagem restante dos bens da terra é subdividida entre a população restante – os pobres – enquanto os mais pobres entre os pobres não possuem absolutamente nada.
“Você está entregando a ele o que é dele. Pois o que foi dado em comum para uso de todos, você arrogou a si mesmo. O mundo é dado a todos e não só aos ricos”
Lembre-se, o destino universal dos bens é um princípio cristão tão radical, pois significa que todos os bens materiais da terra não devem ser possuídos e usados por uns poucos ricos poderosos, mas, ao contrário, que todos os planeta pode igualmente possuir e usar esses bens de acordo com o plano original de Deus.
Tudo se resume a isso: o mundo e seus recursos são dados a todos, que o presente de um rico para o pobre, em primeiro lugar, não pertence ao rico, e o presente é, na verdade, propriedade do pobre. Isto é o que Santo Ambrósio de Milão sempre dizia, como citado por uma importante doutrina do Concílio Vaticano II.
O venerável líder eclesiástico do terceiro século emitiu um severo aviso para os poucos poderosos em sua acumulação de riqueza e em seu desrespeito pelas necessidades da maioria pobre, dizendo: “Vocês estão entregando a ele o que é dele. Pois o que foi dado em comum para uso de todos, você arrogou a si mesmo. O mundo é dado a todos e não apenas aos ricos.”
Uma solução cristã para a pobreza e a desigualdade está na práxis deste princípio fundamental, que pode nos levar a aceitar de todo coração a norma de que a riqueza e a propriedade privada têm um caráter social com correspondentes obrigações sociais.
Então, e só então, um cara super-rico com quatro carros de luxo, um iate, um helicóptero, vários apartamentos exclusivos em Nova York, Dubai, Tóquio e Hong Kong, e uma casa de férias particular na ilha de Nihi Sumba, na Indonésia , se sentiria tão envergonhado ao ver as notícias de que quase três bilhões de seres humanos vivem com menos de cinco dólares por dia.
Então, para simplificar demais um cenário futuro, os ricos param de ficar mais ricos e os pobres, mais pobres.