“O trabalho é a vocação do homem”

«E Deus criou» (Gn 1, 27). Um Criador. Criou o mundo, criou o homem, e deu ao homem uma missão: administrar, trabalhar, continuar a criação. A Bíblia usa trabalho para descrever esta atividade de Deus: «Tendo Deus acabado no sétimo dia a obra que fizera, descansou de todo o seu trabalho» (Gn 2, 2). E confia esta atividade ao homem: “Tendes de fazer isto, conservar aquilo, trabalhar para criar comigo – como se tivesse dito assim – este mundo, para que continue» (cf. Gn 2, 15.19-20). A tal ponto que o trabalho é apenas a continuação da obra de Deus: o trabalho humano é a vocação do homem recebida de Deus no fim da criação do universo.

É o trabalho que torna o homem semelhante a Deus, pois com o trabalho o homem é criador, é capaz de criar, de criar muitas coisas; até mesmo de criar uma família para seguir em frente. O homem é criador e cria com o trabalho. Esta é a vocação. E a Bíblia diz: «Viu Deus que tudo quanto tinha feito era muito bom» (Gn 1, 31). Ou seja, o trabalho tem em si uma bondade e cria a harmonia das coisas – beleza, bondade – e envolve o homem em tudo: no seu pensamento, na sua atuação, em tudo. O homem participa no trabalho. É a primeira vocação do homem: trabalhar. E isto dá dignidade ao homem. É a dignidade que o faz assemelhar-se a Deus. A dignidade do trabalho.

Certa vez, numa Cáritas, a um homem que não tinha trabalho e fora à procura de algo para a família, um empregado dessa entidade [deu-lhe algo para comer e] disse: “Pelo menos podes levar o pão para casa” – “Mas isto não me basta, não me é suficiente”, foi a resposta: “Quero ganhar o pão a fim de o levar para casa”. Faltava-lhe a dignidade, a dignidade de “fazer” o próprio pão, com o seu trabalho, e de o levar para casa. A dignidade do trabalho, que infelizmente é tão espezinhada.

Na história, lemos a brutalidade que fizeram com os escravos: foram levados da África para a América – penso nesta história, que diz respeito à minha terra – e nós dizemos: “Quanta barbárie!”. Mas ainda hoje há muitos escravos, muitos homens e mulheres que não são livres para trabalhar: são obrigados a trabalhar para sobreviver, nada mais. São escravos: o trabalho forçado… Existe o trabalho forçado, injusto, mal pago e que leva o homem a viver com a dignidade espezinhada. Há muitos, muitos no mundo. Muitos! Nos jornais, há alguns meses, lemos que num país da Ásia, um homem espancou até à morte um dos seus empregados que ganhava menos de meio dólar por dia, porque tinha feito algo de errado. A escravatura de hoje é a nossa “indignidade”, porque tira a dignidade dos homens, das mulheres, de todos nós. “Não, eu trabalho, tenho a minha dignidade”. Sim, mas os teus irmãos, não. “Sim, padre, é verdade, mas isto está tão longe, para mim é difícil compreendê-lo. Mas aqui onde estamos…”. Também aqui, no nosso lugar. Aqui, entre nós. Pensa nos trabalhadores, nos diaristas, que tu fazes trabalhar por um salário mínimo e não oito, mas 12, 14 horas por dia: isto acontece hoje, aqui. Em todo o mundo, mas também aqui. Pensa na empregada doméstica que não recebe um salário justo, não tem assistência da segurança social e nem sequer a possibilidade de se aposentar: isto não acontece apenas na Ásia. Também aqui.

Toda a injustiça que se faz a uma pessoa que trabalha, espezinha a dignidade humana; inclusive a dignidade daquele que comete a injustiça: abaixa-se o nível e acaba-se naquela tensão de ditador-escravo. Ao contrário, a vocação que Deus nos dá é tão bonita: criar, recriar, trabalhar. Mas isto pode ser feito quando as condições são adequadas e a dignidade da pessoa é respeitada.

Homilia do Papa Francisco em 1 de maio de 2020.

Imagem de Edu Lauton no Unsplash

São João Bosco


Sempre trabalhei com amor

“Antes de mais nada, se queremos ser amigos do verdadeiro bem de nossos alunos e levá-los ao cumprimento de seus deveres, é indispensável jamais vos esquecerdes de que representais os pais desta querida juventude. Ela foi sempre o terno objeto dos meus trabalhos, dos meus estudos e do meu ministério sacerdotal; não apenas meu, mas da cara congregação salesiana.

 Quantas vezes, meus filhinhos, no decurso de toda a minha vida, tive de me convencer desta grande verdade! É mais fácil encolerizar-se do que ter paciência, ameaçar uma criança do que persuadi-la. Direi mesmo que é mais cômodo, para nossa impaciência e nossa soberba, castigar os que resistem do que corrigi-los, suportando-os com firmeza e suavidade.

Tomai cuidado para que ninguém vos julgue dominados por um ímpeto de violenta indignação. É muito difícil, quando se castiga, conservar aquela calma tão necessária para afastar qualquer dúvida de que agimos para demonstrar a nossa autoridade ou descarregar o próprio mau humor.

Consideremos como nossos filhos aqueles sobre os quais exercemos certo poder. Ponhamo-nos a seu serviço, assim como Jesus, que veio para obedecer e não para dar ordens; envergonhemo-nos de tudo o que nos possa dar aparência de dominadores; e se algum domínio exercemos sobre eles, é para melhor servirmos.

Assim procedia Jesus com seus apóstolos; tolerava-os na sua ignorância e rudeza, e até mesmo na sua pouca fidelidade. A afeição e a familiaridade com que tratava os pecadores eram tais que em alguns causava espanto, em outros escândalo, mas em muitos infundia a esperança de receber o perdão de Deus. Por isso nos ordenou que aprendêssemos dele a ser mansos e humildes de coração.

Uma vez que são nossos filhos, afastemos toda cólera quando devemos corrigir-lhes as faltas ou, pelo menos, a moderemos de tal modo que pareça totalmente dominada.  Nada de agitação de ânimo, nada de desprezo no olhar, nada de injúrias nos lábios; então sereis verdadeiros pais e conseguireis uma verdadeira correção.

Em determinados momentos muito graves, vale mais uma recomendação a Deus, um ato de humildade perante ele, do que uma tempestade de palavras que só fazem mal a quem as ouve e não têm proveito algum para quem as merece.”






(Séc. XIX. Dom Bosco. Epistolário, Torino, 1959, 4, 201-203)

Te Deum

(A Vós, ó Deus, louvamos)

A vós, ó Deus, louvamos,
a vós, Senhor, cantamos.
A vós, Eterno Pai,
adora toda a terra.

A vós cantam os anjos,
os céus e seus poderes:
Sois Santo, Santo, Santo,
Senhor, Deus do universo!

Proclamam céus e terra
a vossa imensa glória.
A vós celebra o coro
glorioso dos Apóstolos,

Vos louva dos Profetas
a nobre multidão
e o luminoso exército
dos vossos santos Mártires.

A vós por toda a terra
proclama a Santa Igreja,
ó Pai onipotente,
de imensa majestade,

e adora juntamente
o vosso Filho único,
Deus vivo e verdadeiro,
e ao vosso Santo Espírito.

Ó Cristo, Rei da glória,
do Pai eterno Filho,
nascestes duma Virgem,
a fim de nos salvar.

Sofrendo vós a morte,
da morte triunfastes,
abrindo aos que têm fé
dos céus o reino eterno.

Sentastes à direita
de Deus, do Pai na glória.
Nós cremos que de novo
vireis como juiz.

Portanto, vos pedimos:
salvai os vossos servos,
que vós, Senhor, remistes
com sangue precioso.

Fazei-nos ser contados,
Senhor, vos suplicamos,
em meio a vossos santos
na vossa eterna glória.

Salvai o vosso povo.
Senhor, abençoai-o.
Regei-nos e guardai-nos
até a vida eterna.

Senhor, em cada dia,
fiéis, vos bendizemos,
louvamos vosso nome
agora e pelos séculos.

Dignai-vos, neste dia,
guardar-nos do pecado.
Senhor, tende piedade
de nós, que a vós clamamos.

Que desça sobre nós,
Senhor, a vossa graça,
porque em vós pusemos
a nossa confiança.

Fazei que eu, para sempre,
não seja envergonhado:
Em vós, Senhor, confio,
sois vós minha esperança.

Interdependência e comunidade

Índole comunitária da vocação humana

Deus, que por todos cuida com solicitude paternal, quis que os homens formassem uma só família, e se tratassem uns aos outros como irmãos. Criados todos à imagem e semelhança daquele Deus que «fez habitar sobre toda a face da terra o inteiro género humano, saído dum princípio único» (Act. 17,26), todos são chamados a um só e mesmo fim, que é o próprio Deus.

E por isso, o amor de Deus e do próximo é o primeiro e maior de todos os mandamentos. Mas a Sagrada Escritura ensina-nos que o amor de Deus não se pode separar do amor do próximo, «…todos os outros mandamentos se resumem neste: amarás o próximo como a ti mesmo… A caridade é, pois, a lei na sua plenitude» (Rom. 13, 9-10; cfr. 1 Jo. 4,20). Isto revela-se como sendo da maior importância, hoje que os homens se tornam cada dia mais dependentes uns dos outros e o mundo se unifica cada vez mais.

Mais ainda: quando o Senhor Jesus pede ao Pai «que todos sejam um…, como nós somos um» (Jo. 17, 21-22), sugere – abrindo perspectivas inacessíveis à razão humana – que dá uma certa analogia entre a união das pessoas divinas entre si e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança torna manifesto que o homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo.

Interdependência da pessoa humana e da sociedade humana

A natureza social do homem torna claro que o progresso da pessoa humana e o desenvolvimento da própria sociedade estão em mútua dependência. Com efeito, a pessoa humana, uma vez que, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social (3), é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais. Não sendo, portanto, a vida social algo de adventício ao homem, este cresce segundo todas as suas qualidades e torna-se capaz de responder à própria vocação, graças ao contacto com os demais, ao mútuo serviço e ao diálogo com seus irmãos.

Entre os laços sociais, necessários para o desenvolvimento do homem, alguns, como a família e a sociedade política, correspondem mais imediatamente à sua natureza íntima; outros são antes fruto da sua livre vontade. No nosso tempo, devido a várias causas, as relações e interdependências mútuas multiplicam-se cada vez mais; o que dá origem a diversas associações e instituições, quer públicas quer privadas. Este facto, denominado socialização, embora não esteja isento de perigos, traz, todavia, consigo muitas vantagens, em ordem a confirmar e desenvolver as qualidades da pessoa humana e a proteger os seus direitos.

Porém, se é verdade que as pessoas humanas recebem muito desta vida social, em ordem a realizar a própria vocação, mesmo a religiosa, também não se pode negar que os homens são muitas vezes afastados do bem ou impelidos ao mal pelas condições em que vivem e estão mergulhados desde a infância. É certo que as perturbações tão frequentes da ordem social vêm, em grande parte, das tensões existentes no seio das formas económicas, políticas e sociais. Mas, mais profundamente, nascem do egoísmo e do orgulho dos homens, os quais também pervertem o ambiente social. Onde a ordem das coisas se encontra viciada pelas consequências do pecado, o homem, nascido com uma inclinação para o mal, encontra novos incitamentos para o pecado, que não pode superar sem grandes esforços e ajudado pela graça.

(Gaudium et Spes, 24-25)

As perseguições de S. Paulo

O centro de São Paulo (visto de dentro do metrô Brás)

Desde que eu mudei de casa, o semi-confinamento se tornou um pouco mais leve, graças à facilidade do acesso para comprar comida e à redução do foco em me descontaminar com álcool, pois onde eu alugo agora os comércios mais próximos não exigem que eu saia com o verdadeiro cantil inflamável que eu tinha que levar onde eu morava, e como são menores (onde os balcões e prateleiras ocupam mais ou menos um terço do espaço, dividindo o espaço dos clientes e o dos funcionários), não acumulam tanta gente como é onde eu alugava – sem contar a vizinhança mais afeita às máscaras, o que diminui a sensação de ser visto como o louco paranóico da pandemia (o que devo ser mesmo, a julgar pela quantidade de álcool que eu vinha gastando, mas ser visto como o louco paranóico da pandemia é pior do que ser ele). Mesmo assim nada disso me encorajou a ir para o centro por causa da comemoração do aniversário da cidade.

É difícil aceitar que o assunto da comemoração tenham sido nem sei quais eventos em vez do cuidado e a proteção contra as aglomerações. Mesmo que se argumente que só se entra em algum lugar com o passaporte da vacina (e não sei se isso está sendo assim ou não), é uma forma sutil de negacionismo tratar o passaporte como um passe-ivre para aglomerações.

Mas o pior desde aniversário da cidade foram as notícias nas redes sociais do pe. Júlio Lancelotti sobre a remoção dos moradores de rua, junto com os seus pertences, de lugares como a Praça da Sé ou do Pátio do Colégio. Além de serem cotidianamente desumanizados pela ausência de políticas públicas decentes que resgatem a sua dignidade, esta desumanização se torna a única política pública que o governo oferece a eles de fato: sumam! – se bem que apenas mandar sumirem ainda seria menos pior do que o que foi feito: retirá-los à força de onde estão todos os dias sem se incomodarem com a sorte deles nos outros dias.

A dignidade que políticas públicas decentes resgatariam não seria apenas a dos moradores de rua, que afinal não tem a sua dignidade perdida e sim negada, mas resgataria a dignidade de um governo que, este sim, perde-a cada vez mais com este tipo de ação, e no caso do governo não é nem o resgate de uma dignidade negada, mas sim perdida justamente por negá-la a quem tem direito a ela.

A maioria dos santos é comemorada no dia em que morreu, e só de outros dois se comemora também o nascimento, além de Cristo: Nossa Senhora e João Batista. Apesar de Paulo também estar presente em uma outra comemoração em novembro, é uma comemoração dividida com Pedro e, de qualquer forma, meio indireta, já que o assunto dela é a dedicação de basílicas com os nomes deles. Esta do dia 25 de janeiro, no entanto, não é nem pelo nascimento nem pela morte de Paulo, mas pela sua conversão.

Com tantos significados religiosos e teológicos que esta conversão possui, talvez passe desapercebido que no fim das contas ele tenha virado o padroeiro desta cidade não por serem nomes capitais, seja na geografia ou no cristianismo, e sim pela questão da conversão – que no caso de uma cidade, não implica necessariamente uma conversão religiosa a Jesus, mas à simples humanidade que há em não perseguir Cristo, outrora perseguido nos cristãos por Saulo, e ainda hoje perseguido nos moradores de rua por São Paulo.

Conversão de São Paulo

Concelebre a Igreja, cantando,
de São Paulo a grandeza e esplendor.
De inimigo se fez um apóstolo
pelo grande poder do Senhor.

Contra o nome de Cristo lutara,
inflamado de grande furor,
mas ardeu maior chama em seu peito
anunciando de Cristo o amor.

Grande dom mereceu do Senhor
no mais alto dos céus escutar
as palavras do grande mistério
que a ninguém é devido falar

Espalhando as sementes do Verbo,
surgem messes com tais florações,
que o celeiro dos céus é repleto
com os frutos das boas ações.

Refulgindo, qual luz, ilumina
todo o orbe com tal claridade
que, dos erros a treva expulsando,
faz reinar, soberana, a verdade.

Glória ao Cristo, a Deus Pai e ao Espírito,
que governam a toda nação,
e doaram aos povos da terra
um tal vaso de sua eleição

Hino do dia da conversão de São Paulo

Doador da luz esplêndida

Doador da luz esplêndida,
pelo vosso resplendor,
ao passar da noite o tempo,
surge o dia em seu fulgor.

Verdadeira Estrela d’alva,
não aquela que anuncia
de outro astro a luz chegando
e a seu brilho se anuvia,

mas aquela luminosa,
mais que o sol em seu clarão,
mais que a luz e mais que o dia,
aclarando o coração.

Casta, a mente vença tudo,
que os sentidos pedem tanto;
vosso Espírito guarde puro
nosso corpo, templo santo.

A vós, Cristo, Rei clemente,
e a Deus Pai, Eterno Bem,
com o Espírito Paráclito,
honra e glória eterna. Amém.

Ninguém é excluído da bênção do Senhor, nem sequer os monstros do mar

João Paulo II

Todas as criaturas louvem o Senhor

1. No capítulo 3 do Livro de Daniel encontra-se inserida uma luminosa oração litânica, um verdadeiro e peculiar Cântico das criaturas, que a Liturgia das Laudes nos propõe várias vezes, em diversos fragmentos.

Ouvimos agora a parte fundamental, um grandioso coro cósmico, emoldurado por duas antífonas que o resumem:  “Bendito sois no firmamento dos céus, digno de louvor e glória eternos! Obras do Senhor, bendizei todas o Senhor, a ele glória e louvor eterno!” (vv. 56-57).

Entre estas duas aclamações desenvolve-se um solene hino de louvor, que se exprime com o convite repetido “bendizei”:  formalmente, trata-se apenas de um convite a bendizer a Deus dirigido a toda a criação; na realidade, trata-se de um cântico de agradecimento que os fiéis elevam ao Senhor por todas as maravilhas do universo. O homem faz-se voz da criação inteira para louvar e agradecer a Deus.

2. Este hino, cantado por três jovens hebreus que convidam todas as criaturas a louvar a Deus, nasce numa situação dramática. Os três jovens, perseguidos pelo soberano da Babilónia, encontram-se imersos na fornalha ardente devido à sua fé. E contudo, mesmo se estavam prestes a sofrer o martírio, eles não hesitam em cantar, em rejubilar, em louvar. O sofrimento áspero e violento da prova desaparece, parece que se dissolve na presença da oração e da contemplação.

É precisamente esta atitude de abandono confiante que suscita a intervenção divina.

De facto, como afirma a sugestiva narração de Daniel, “O anjo do Senhor, porém, tinha descido até Azarias e seus companheiros, na fornalha, e afastava o fogo. Mudou o lugar da fornalha em lugar onde soprava como que uma brisa matinal:  o fogo nem sequer os tocou e nem lhes causou qualquer mal nem a menor dor” (vv. 49-50). Os pesadelos desaparecem como o nevoeiro ao sol, os receios dissipam-se, o sofrimento é eliminado quando todo o ser humano se torna louvor e confiança, expectativa e esperança. Eis a força da oração quando é pura, intensa, abandono total a Deus, providencial e redentor.

3. O cântico dos três jovens faz desfilar diante dos nossos olhos uma espécie de procissão cósmica, que parte do céu povoado de anjos, onde também brilham o sol, a lua e as estrelas. Lá de cima Deus derrama sobre a terra o dom das águas que estão acima dos céus (cf. v. 60), isto é, as chuvas e a brisa matinal (cf. v. 64).

Contudo, eis que começam também a soprar os ventos, a explodir os relâmpagos e a irromper as estações com o calor e com o gelo, com o fervor do verão, mas também com a geada, o gelo, a neve (cf. vv. 65-70.73). O poeta insere no cântico de louvor ao Criador também o ritmo do tempo, o dia e a noite, a luz e as trevas (cf. vv. 71-72). No final o olhar poisa também sobre a terra, partindo dos cumes dos montes, realidades que parecem unir terra e céu (cf. vv. 74-75).

Eis que então se unem no louvor a Deus as criaturas vegetais que germinam na terra (cf. v. 76), as nascentes que trazem vida e frescor, os mares e os rios com as suas águas abundantes e misteriosas (cf. vv. 77-78). De facto, o cantor evoca também “os monstros marinhos” ao lado dos peixes (cf. v. 79), como sinal do caos aquático primordial ao qual Deus impôs regras para serem observadas (cf. Sl 3-4; Job 38, 8-11; 40, 15; 41, 26).

Depois  é  a  vez  do  grande  e  variado  reino  animal,  que  vive  e  se  move nas águas, na terra e nos céus (cf. Dn 3, 80-81).

4. O último actor da criação que entra na cena é o homem. Primeiro, o olhar alarga-se a todos os “filhos do homem” (cf. v. 82); depois, a atenção concentra-se em Israel, o povo de Deus (cf. v. 83); a seguir, é a vez de quantos se consagraram totalmente a Deus não só como sacerdotes (cf. v. 84), mas também como testemunhas de fé, de justiça e de verdade. São os “servos do Senhor”, os “espíritos e as almas dos justos”, os “mansos e humildes de coração” e, entre eles, sobressaem os três jovens, Ananias, Azarias e Misael, que deram voz a todas as criaturas num louvor universal e perene (cf. vv. 85-88).

Ressoaram constantemente os três verbos da glorificação divina, como numa ladainha:  “bendizei, louvai, exaltai” o Senhor. Esta é a alma autêntica da oração e do cântico:  celebrar o Senhor sem parar, na alegria de pertencer a um coro que engloba todas as criaturas.

5. Gostaríamos de concluir a nossa meditação dando voz aos Padres da Igreja,  como  Orígenes,  Hipólito,  Basílio de Cesareia e Ambrósio de Milão, que comentaram a narração dos seis dias da criação (cf. Gn 1, 1-2, 4a) precisamente em conexão com o Cântico dos três jovens.

Limitamo-nos a citar o comentário de Santo Ambrósio, o qual, ao referir-se ao quarto dia da criação (cf. Gn 1, 14-19), imagina que a terra fala e, ao falar sobre o sol, encontra todas as criaturas unidas no louvor a Deus:  “Bom é deveras o sol, porque serve, ajuda a minha fecundidade, alimenta os meus frutos. Ele foi-me dado para o meu bem, está submetido comigo às canseiras. Geme comigo, para que chegue a adopção dos filhos e a redenção do género humano, para que possamos ser, também nós, libertados da escravidão. Ao meu lado, juntamente comigo louva o Criador, juntamente comigo eleva um hino ao Senhor nosso Deus. Onde o sol bendiz, ali bendiz a terra, bendizem as árvores de fruto, bendizem os animais, bendizem comigo as aves” (Os seis dias da criação, SAEMO, I, Milão-Roma 1977-1994, págs. 192-193).

Ninguém é excluído da bênção do Senhor, nem sequer os monstros do mar (cf. Dn 3, 79). Com efeito, Santo Ambrósio prossegue:  “Até as serpentes louvam o Senhor, porque a sua natureza e o seu aspecto revelam aos nossos olhos alguma beleza e mostram ter a sua justificação” (Ibid., págs. 103-104).

Com mais razão nós, seres humanos, devemos acrescentar a este concerto de louvor a nossa voz feliz e confiante, acompanhada por uma vida coerente e fiel.

Ave Maria, Mãe da Esperança

Ave, Maria,
Mãe da Esperança,
Cheia de graça!
Avé Maria!

Ditosa Virgem sois Vós, Maria,
De cujo seio Cristo nasceu:
Sois a nascente da eterna graça,
Sois a formosa porta do Céu!

Eternamente por Deus pensada,
Sois maravilha do seu amor;
Em vós, Senhora, Deus Se contempla,
Mãe gloriosa do Redentor!

Imaculada, cheia de graça,
Sois a alegria da santa Igreja;
Todas as gentes hão-de aclamar-vos:
Salve, Rainha! Bendita seja!

Sois a mais bela das criaturas,
De Deus Esposa, Mãe de Jesus:
Sois Mãe dos homens, por vós gerados
Do mesmo sangue dado na Cruz.

Salve, Mãe santa, por quem o mundo
A paz divina dos Céus alcança;
Do Céu à terra sois o caminho
Donde vem Cristo, Rei da Esperança.

Santa Inês de Roma

Tinha 13 anos quando foi cobiçada, por sua extraordinária beleza, riqueza e virtude, pelo jovem Fúlvio, filho do Prefeito de Roma, Semprônio.

Como o rejeitou, Inês foi levada a julgamento e obrigada a manter aceso o fogo sagrado de um templo dedicado a Vesta, deusa romana do lar e do fogo, o que recusou-se a fazer, dizendo: “Se recusei seu filho, que é um homem vivo, como pode pensar que eu aceite prestar honras a uma estátua que nada significa para mim? Meu esposo não é desta terra”, se referindo a Jesus.

“Sou jovem, é verdade, mas a fé não se mede pelos anos e sim pelos sentimentos. Deus mede a alma, não a idade. Quanto aos deuses, podem até ficar furiosos, que eu não os temo. Meu Deus é amor.”

Por isso foi condenada a ser exposta nua num prostíbulo no Circo Agnolo.

Via Wikipedia

Ó Deus, autor da luz

Ó Deus, autor da luz
da aurora matutina,
mostrai-nos vossa glória,
que o dia já declina.

A tarde traz o ocaso,
o sol já vai morrendo,
e deixa o mundo às trevas,
às leis obedecendo.

Aos servos que vos louvam,
cansados do labor,
as trevas não envolvam,
pedimos, ó Senhor.

Assim, durante a noite,
guardados pela graça,
na luz da vossa luz,
a treva se desfaça.

Ouvi-nos, Pai bondoso,
e vós, Jesus, também.
A vós e ao Santo Espírito
louvor eterno. Amém.

Oração das vésperas de quinta-feira

Devagar o sol vai se escondendo

Devagar, vai o sol se escondendo,
deixa os montes, o campo e o mar,
mas renova o presságio da luz,
que amanhã vai de novo brilhar.

Os mortais se admiram do modo
pelo qual, generoso Senhor,
destes leis ao transcurso do tempo,
alternância de sombra e fulgor.

Quando reina nos céus o silêncio
e declina o vigor para a lida,
sob o peso das trevas a noite
nosso corpo ao descanso convida.

De esperança e de fé penetrados,
saciar-nos possamos, Senhor,
de alegria na glória do Verbo
que é do Pai o eterno esplendor.

Este é o sol que jamais tem ocaso
e também o nascer desconhece.
Canta a terra, em seu brilho envolvida,
nele o céu em fulgor resplandece.

Dai-nos, Pai, gozar sempre da luz
que este mundo ilumina e mantém,
e cantar-vos, e ao Filho, e ao Espírito,
canto novo nos séculos. Amém.

(hino na oração das vésperas)

A insustentável leveza da Ômicron

Mesmo que seja uma variante menos grave, a “leveza” da Ômicron aparentemente vale apenas de uma perspectiva individual. Relevar o seu perigo por causa de uma menor gravidade é como não desviar de uma bicicleta que vai lhe atropelar, “afinal é mais leve”.

E é esta leveza que está lotando os hospitais: um terço dos motoristas de ônibus do município de São Paulo, 2900 servidores públicos na Grande SP e 87000 novos casos no país (só de casos conhecidos) não significa que esta gente esteja toda ao mesmo tempo nos hospitais, é claro, mas já é o suficiente para superlotá-los a ponto de levar os profissionais de saúde paulistanos a cogitar uma greve (embora a notícia não tenha deixado muito claro se são só os da capital ou os de todo o estado) pelo esgotamento e a falta de estrutura dos hospitais. Toda esta leveza vai se tornando pesada à medida em que muitos “pesos pena” vão se acumulando, um acúmulo de levezas que pressiona os hospitais fragilizados pelo poder público e os profissionais fragilizados por dois anos ininterruptos de heroísmo combatendo a COVID na linha de frente.

A postura explicitamente negacionista de pessoas como o presidente, e o negacionismo velado de outros agentes, como o secretário de saúde do estado de São Paulo, reforçam a ilusão desta leveza, mas não é sobre eles que o peso insustentável dela vai recair.


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