Acho que homossexualidade e heterossexualidade são as duas manifestações empíricas da relação sexual, que, por sua vez, é uma das maneiras de vivenciar a sexualidade.
Se o que eu acho estiver correto, então as relações sexuais (heterossexuais e homossexuais) são, em princípio, pecados.
O pecado da manifestação empírica da sexualidade consiste em reduzir a vivência da sexualidade às suas manifestações empíricas, porque uma vivência é muito mais ampla do que suas manifestações empíricas. Seria mais ou menos como reduzir a caridade a dar esmolas (que, segundo a Didaquê, devem suar nas mãos antes de serem dadas).
Não que a relação sexual seja uma esmola, mas ela está para a sexualidade como a esmola está para a caridade (razão e proporção entre conceitos).
Dar esmolas é uma prática frequentemente acusada se ser um desencargo de consciência: quase sempre significa não se importar habitualmente com os outros mas dar umas esmolas para se sentir bom mesmo assim. É possível dar esmola para manifestar a caridade – para manifestar, de forma empírica e tangível – a misericórdia de Deus; e é possível fazer da esmola um modo de reprimir esta misericórdia, ou pelo menos de tentar reprimí-la.
A complexa rede multidimensional de sentimentos, desejos, ideias, conceitos e necessidades que compõe a sexualidade pode ser facilmente ignorada transando, como um analgésico que neutraliza dores, mas neutraliza necessariamente também a sensibilidade.
O Analista de Bagé, um personagem do Luiz Fernando Veríssimo, inventou a Terapia do Joelhaço, que consiste em provocar dores físicas (o joelhaço) até que elas doam mais do que as existenciais. A relação sexual segue a mesma lógica, mas troca a dor pelo pelo gozo físico e tem o mesmo resultado: suspende temporariamente alguma coisa (a complexidade da rede multidimensional da sexualidade, no caso da relação sexual) que volta renovada, a ponto de parecer que é uma (dolorida) novidade.
Segundo a minha opinião disfarçada de teoria profunda, portanto, defender a heterossexualidade ou a homossexualidade é, além de pecado, uma insensatez.
Por mais que eu acredite na doutrina católica de que a relação homossexual é um pecado, eu vejo mais pecados (e na minha opinião mais graves) sendo cometidos em relações heterossexuais. E por mais que eu defenda a mesma liberdade sobre o uso do corpo que os advogados da promiscuidade defendem, eu vejo esta liberdade sendo usada do mesmo jeito por todo mundo a ponto de se assemelhar a uma imposição.
Por isto que defender a homossexualidade ou a heterossexualidade é insensato: enquanto tudo gira em torno de transar, a sexualidade vai se apagando aos poucos, endurecendo cada vez mais as relações – inclusive as sexuais – entre as pessoas.