As políticas assistenciais que foram tão demonizadas durante as eleições de 2018 (e reabilitadas à força para compensar os efeitos da pandemia) não deveriam ser chamadas de “assistenciais”, e sim de “essenciais”, porque a assistência que prestam é aproveitada por todo mundo, desde os que são contemplados por ela até os que passam longe de um dia precisarem delas.
Não é novidade, porém não custa repetir que elas não existem apenas para as pessoas fisícas, mas também para as empresas e, embora até sofram críticas (especialmente quando houve aquele socorro aos bancos não lembro quando), não sofrem um décimo da oposição que aquelas voltadas às pessoas sofrem, e isso é ótimo: ruim é o combate contra as políticas assistenciais voltadas para as pessoas e os desvios que os operadores destes recursos eventualmente fazem – o que o próximo governo pode muito bem mitigar revogando a falta de transparência e a fragilização na fiscalização promovidas pelo governo bolsonaro.
Além das pessoas, que são (e se não são, deveriam ser) prioridade, e das empresas, as políticas assistenciais para as igrejas e templos religiosos também são muito combatidas, em grande parte porque não estão tendo caráter assistencial, e sim o de legalização de sonegações e artimanhas fiscais (incluindo a velha artimanha do “devo, não nego, e nem vou pagar”) de alguns grandes grupos religiosos (incluindo, infelizmente, alguns católicos: eu não sei como isto está agora, mas há alguns anos haviam algumas congregações católicas entre os grandes grupos religiosos devedores, e sua única expectativa era não pagar nada). Mas, exceto o apoio à legalização de calotes, também não deveria haver motivos para combater estas políticas assistencias para as religiões; deveria haver motivos, aliás, para aumentá-las, como a repressão às perseguições contra as religiões de matriz africana, por exemplo, que eu nunca vi terem sido resolvidas (e nem parecem ser tratadas como perseguição religiosa, e sim como mais um caso de polícia corriqueiro).
Quase sempre o combate a uma política assistencial é motivado apenas por ranço: anticapitalistas que são contra ajuda aos bancos, anticomunistas que são contra ajuda a qualquer coisa que não seja uma empresa, antirreligiosos que se divertem com a ideia de enforcar o último rei nas tripas do último padre (uma ideia que eu jurava ter lido em algum livro de Nietzsche, mas na verdade é de um padre chamado Jean Meslier, apesar de ser incorretamente atribuida a Voltaire – parece que eu não li direito alguma coisa há alguns anos atrás); é mais ou menos como o ranço contra os privilégios aos juízes e políticos: ninguém deveria ser contra os dois meses de férias e as toneladas de auxílio deles, deveria sim era lutar para que isto se extendesse (ou seria estendesse?) para toda a população!
A onda anticomunista, que deveria se chamar “delirar contra um delírio”, pois é parecida com o Dom Quixote lutando contra os moinhos de vento, mas sem a nobreza e a dignidade do Cavaleiro da Triste Figura, afinal, entre erros e perigos, o comunismo tem ideias muito mais simpáticas do que as do seu antagonista, que só tem erros e perigos; esta onda anticomunista é o principal entrave ao fortalecimento de políticas públicas assistenciais. É claro que ela esconde gente que tem medo de ver seus lucros mesquinhos “desviados” em prol das pessoas que mais necessitam, das empresas menores que, no entanto, em conjunto trazem mais benefícios do que os gigantescos CNPJs, e no caso das religiões, acho que é só ranço mesmo (exceto pelas referidas legalizações das maldades já praticadas).
O caráter delirante do anticomunismo vê uma espécie de Selo de Marx em qualquer tipo de ajuda assistencial (quase que exclusivamente quando é dirigda às pessoas, é bom lembrar), mas também eles vêem (ou veêm? enfim, enxergam) o Selo de Marx em quase tudo, estão mais embriagados de Marx que toda a China, parece. Mas se for para aprovar medidas assistenciais que beneficiem a população, melhor aprová-las sob o nome de socialismo (mesmo não sendo “propriedades” socialistas) do que negá-las em nome de um anticomunismo que fica até mesmo aquém de um delírio quixotesco. Não se trata de redimir o comunismo, mas de (que me perdoe o venerável Pio XII) preferir o ônus de ter que explicar depois que estes direitos não são comunistas, ao ônus de negar estes direitos por causa de ranço, delírio e confusão.