Clodovis Boff. Mariologia Social, p. 400-401
«… o “foco” da metáfora [o deserto para onde a Mulher foi levada depois do parto, em Ap 12] aponta para o lado do “refúgio” [mais que a outros dois sentidos da imagem do deserto: lugar de intimidade e lugar de tentação]. Efetivamente, diz o texto que se trata do lugar “preparado por Deus”, onde a Mulher será “sustentada” por Ele, como o foi Israel com o maná, as codornizes e a água do rochedo (Ex 16 e 17), e como foi também nutrido o profeta Elias (1Rs 17,4.6; 19,5).
A duração da proteção em relação à prova é de 1260 dias. Isso corresponde a três anos e meio, medida já evocada no mesmo capítulo (v.14). É a designação simbólica do tempo limitado, porque metade de sete, a medida plena. Trata-se, pois, de uma proteção limitada ao tempo da prova. Portanto, o Dragão “tem os dias contados”. Para os sofredores, importa muito saber quanto tempo resta ainda a sofrer. Eles não podem suportar a ideia de um sofrimento infinito ou indefinido. Daí, no Apocalipse, a preocupação pelos números. Aqui, só faltam “três anos e meio” para a prova chegar ao fim. Depois, vem a salvação definitiva, a vitória absoluta sobre todas as forças do mal.
O que seria, para nós, hoje, esse “deserto” onde a Mulher-Igreja é protegida? É o espaço espiritual da fé. Só enquanto se mantém dentro da esfera da fé, pode a Igreja subsistir. E é nesta esfera que Deus lhe fornece o alimento de que necessita, isto é, a Palavra e os sacramentos. Seria possível alargar o sentido do “deserto” e entendê-lo como sendo todos os sistemas que opõem um dique ao avanço do mal, tais como as grandes religiões e também as instituições e movimentos sociais que defendem os direitos humanos, especialmente dos mais fracos.
Agora, se ficarmos na interpretação especificamente mariológica, o deserto é o tempo da carreira humana de Maria, quando ela, com e como seu Filho, sofreu os assaltos do Dragão, na medida em que ele, usando dos poderes destem mundo, perseguiu efetivamente Cristo. Assim foi com a perseguição de Herodes quando Jesus era criança e também sua condenação à morte pelo Sinédrio e por Pilatos. Mas a provação da mãe do Messias e ao mesmo tempo sua proteção foram apenas por um tempo limitado. Com a Páscoa de seu Filho, terminou seu período de provação, e com sua própria Páscoa ─ a Assunção ─ ela foi definitivamente subtraída à perseguição do Maligno. E, ainda que sofra misteriosamente no Reino, mesmo aí será igualmente por um tempo limitado ─ o tempo da história. Já na parusia cessarão por completo suas dores, porque terá nascido o mundo novo e eterno (cf. Jo 16,21).»
Clodovis Boff. Mariologia Social, p. 400-401