No ar puro de bosta, gelado.

Várias vezes quando eu ando pela rua eu “capto” fragmentos de conversas alheias. Esses fragmentos, às vezes, dão margem à minha imaginação supor muitas coisas. São frases do tipo “…e aí eu disse ‘Não mesmo! Tá pensando que eu sou o quê?…” ou “…quatro vezes na mesma noite, incrível!…”. Claro que pode ser qualquer coisa, e eu elaboro umas conco versões para cada fragmento, quando eu estou com paciência para isso.



Mas hoje de manhã, indo para o trabalho, eu ouvi o fragmento mais interessante até agora: “No ar puro de bosta, gelado??”



Grande parte da graça está na maneira, na entonação que a mulher usou. Não sei se vou conseguir descrever, mas é aquele tipo de entonação de quando se responde na mesma hora, com indignação, com um bem-humorado sarcasmo apesar de todo o mau-humor. Ela estava falando isso para um homem ao lado dela.



Às sete da manhã, à caminho do trabalho, eu não tinha muito o que fazer nas próximas quadras, e fiquei imaginando do que se tratava.



A primeira coisa que pensei foi que tratava-se de um casal. Ele convidando ela,  talvez, para acampar na Serra, passar a noite sob as estrelas, tudo muito romântico, todo aquele ar puro e ela respondendo “No ar puro de bosta, gelado??”. Talvez até fosse em alguma fazenda o destino proposto, e ela estivesse pensando nas vaquinhas, ao pensar no ar puro com cheiro de bosta de vaquinha, de cavalo, de boi, de qualquer bicho fazendário. Além de fedorento, gelado.



Ou, então, poderia ser passar alguns dias na sogra dela, que mora na serra (talvez até em uma fazenda), e ela, para não complicar, não arranjar briga àquela hora da manhã, não disse que não queria ver aquela velha impertinente de bosta, e sim que não queria saber daquele ar puro de bosta, e gelado. A “bosta” no meio da frase foi um ato falho.



Talvez fossem irmãos, e não casados. E ele, espírito aventureiro, estivesse cantando a irmã para ir junto. Quem sabe ela tivesse carro, a única da galera a ter um. E ele tentando argumentar, tornar a aventura interessante, falando dos malefícios da cidade, da poluição, e ela replicando com “Naquele ar puro de bosta, gelado??”. Talvez ela – independente de ser irmã ou esposa – tenha vindo do nordeste, e não goste desse frio do sul, desse “ar puro de bosta, gelado” que é uma das grandes contribuições gaúchas ao Brasil – além das piadas sobre gays para o Casseta e Planeta.



Pode ser que fossem dois amigos combinando o fim de semana. Ela acorda sempre de mau-humor (e nesse caso me solidarizo com ela), ou estava com TPM – ou ambas as coisas – e, às sete da manhã, indo para o trabalho em uma segunda-feira, ao ouvir uma proposta de programa para domingo dessas, largou um “No ar puro de bosta, gelado??” para descrever a sensação mais imediata que lhe ocorria diante da proposta.



Eu não ouvi o que veio antes dessa conversa, nem o que veio depois – até porque fiquei rindo e me segurando para não rir alto. Mas deixo registrado meu agradecimento à dupla de pessoas desconhecidas, que divertiu um pouco meu começo de semana.





Powered by ScribeFire.