My Girl

De repente, não quero mais. Claro, não foi “de repente” que eu não quis mais. Foi aos poucos. A cada dia. Até que em algum dia, aquilo que se insinuava sem ainda ser acontecimento, aquilo que ensaiava sem ainda ter se apresentado, aquilo que calava sem, no entanto, silenciar, falou, aconteceu, apareceu.

Não se perde o que não se tem, mas o que será o amor para que se possa dizer que isso ou aquilo deva necessariamente ter acontecido para que também o amor aconteça?
É perigoso pensar assim, pois um estuprador também pode pensar assim: o que fiz foi por amor.
Mas não. Não é assim. Algo não precisa ter acontecido entre duas pessoas para que seja amor, mas sim tem que ter acontecido com uma das pessoas para que seja amor, e se o estuprador não foi capaz de amar sem cogitar a possibilidade – e aceitar caso fosse o fato – de ser correspondido não como queria, mas como quem amava desejava corresponder, então não amou. Se te amo, amo teus desejos como se fossem meus. Inclusive o desejo de não me amar (dito em outras palavras, pode-se chamar isso de respeito, mas a palavra parece estar um pouco gasta).

Agora que sei que não ofereço justificativas ao estuprador, posso voltar a defender o meu amor. Sim, eu te amo. “Senhora, eu te amo tanto, que até por seu marido eu sinto algum quebranto”. Eu desejo o que desejo, e desejo também o que desejas. Desejo também para ti, não somente para mim.

Pode-se desejar para o outro aquilo que se deseja para si. É o princípio da ditadura. Pode-se desejar para o outro aquilo que o outro deseja para si. É o princípio da amizade. Mas quando se deseja para o outro aquilo que se deseja para si, sendo ainda capaz de aceitar que o outro não compartilhe desse desejo; e quando se deseja para o outro aquilo que o outro deseja para si, sem esquecer-se de que é o desejo do outro, e isso porque se sabe o que se deseja para si é o desejo do outro, se ama. Amar é tanto desejar que tu me desejes quanto os desejos que tens para ti. É amar teu desejo – desejar teu desejo.

Desejo teu desejo, e desejo para ti o que desejas para ti – tenho também desejos meus para ti. Mas sei que não tenho o teu desejo. Apenas desejo para ti o que desejas para ti.

Me pergunto: “será que ainda vou amar (outro) alguém?”. Deixo prá lá. Por mais que a palavra “amor” seja a mesma que eu, você e todas as pessoas utilizam, o amor por cada pessoa sempre será um diferente e novo amor. Acho que não se deveria falar o amor. Deveria sim existir, para cada diferente pessoa amada, uma palavra exclusiva, que somente eu e ela saberíamos que significa o amor. Como se o mesmo amor fosse – e de fato me parece ser – diferente para cada pessoa amada. Único e incomparável.