Movimento

Quem é você, que não suportaria-se caso fosse outra pessoa e se conhecesse? Quem é você que não suporta quem se parece com você? Quem é você que não suporta reconhecer em outra pessoa seus próprios defeitos e qualidades?
Você não suporta identificar-se. Somente deseja o diferente, o desnível, o terreno acidentado, os caminhos que não sejam em linha reta.
Você, como qualquer amante do igual, também não consegue sair do lugar, deste lugar alternativo, você somente consegue viver nas correntezas incapaz de terra firme – você que critica quem é incapaz das correntezas, tambèm se limita a permanecer no território que (não) conhece, mas que é o território que sabe ser seu.
Você sabe que o movimento ininterrupto também é estaticidade. Que o movimento somente é movimento quando também sabe parar. O movimento não faz parte do imóvel, mas o imóvel também é parte do movimento – quando não é parte, não há movimento.
Você sabe no que está pensando: você lembra daquela escultura, não lembra quem a fez (Leonardo? Michelângelo? Rafael? Você só lembra o nome das Tartarugas Ninjas), mas lembra que trata-se de um lançador de disco, retratado, ou esculturado, no exato momento em que seu braço troca o sentido do movimento, em que pára de tomar impulso, para iniciar o movimento do arremesso. Você sabe que o problema não é estancar o movimento: pelo contrário, o problema é tanto estancar-se no estancamento quanto estancar-se no movimento. O problema é o sempre infinito eterno ininterrupto sem fim.
Mas você trancou-se e fechou-se na diferença, no movimento. A mesma aversão que pessoas conservadoras têm pela mudança, você tem pela “conservança”. A mesma incapacidade de mudança. Sim, é paradoxal. Você, no movimento, “estaticizou-se” nele. Parou se movendo.
Você, tão anti-fascista, transformou-se em fascista da liberdade.
“É proibida a obrigação”; “é proibido o dever”, “morte ao dever-ser”, esta é sua natureza. Contra a ditadura do “não”, você apresenta a ditadura do “sim”. Contra a imposição do confinamento, você impõe a queda das paredes. E sua fúria contra uma parede erguida é tão grande e doentia quanto a fúria conservadora por uma mudança efetuada.
Ces’t la vie – e você nem sabe se escreveu em francês corretamente. Ces… fazer o quê?