Na manchete de um jornal católico diocesano eu li alguma coisa sobre o compromisso cristão contra o aborto. Eu não li a matéria, porque o título é autoexplicativo, e o conteúdo deve ser a mesma pregação a convertidos de sempre. Eu sei que é importante marcar a posição da doutrina da Igreja, mas este item, em particular, todos já conhecem. E não é que um jornal diocesano católico não deva insistir nisto, mas eu me pergunto porque só nisto?
Ser contra o aborto é um compromisso cristão. Ser contra o assédio às pacientes de um Pérola Byington da vida, também. Assim como ser contra a homofobia, contra a violência machista, contra a exploração do trabalhador promovida pelas últimas reformas trabalhistas, contra o racismo, contra o descaso e os ataques à educação, à cultura; contra o desmonte das políticas de segurança alimentar e do serviço social, contra a priorização do rendimento das grandes companhias em detrimento do rendimento das massa de cidadãos; há uma lista enorme de posicionamentos que são compromissos cristãos, todos presentes no catecismo, no magistério dos papas e na doutrina social da Igreja.
Este jornal diocesano, em particular, não é parecida com um esgoto como algumas publicações e periódicos cristãos que se vê por aí. Mas a disseminação da defesa explícita de um determinado ponto da doutrina, e só deste ponto, como se ele fosse um mal isolado, e não causado por outros que, igualmente, são contrários à doutrina e que, no fim das contas, levam a qualquer um concluir que, do jeito que as coisas estão, um aborto é uma solução aceitável, é tão abortista quanto as ativistas argentinas de lenços verdes.
O recorte de apenas um ponto da doutrina em detrimento de todo o resto serve apenas para reforçar o discurso de ódio do conservadorismo que dissocia o ataque à vida que ocorre no aborto dos outros ataques à vida que os mesmos conservadores patrocinam (ou, no mínimo, ignoram solenemente) quando o povo é oprimido pelas políticas econômicas e sociais que tanto o governo quanto o congresso aprovam semana após semana, numa espécie de jansenismo onde os eleitos não são determinados por alguma graça divina, mas apenas financeira.