Eu admito que gosto da solidão. Quer dizer: gosto de silêncio, gosto de não precisar dar muitas explicações, gosto de ser uma coisa meio misteriosa (mas é só mistério, não tem segredo), turista.
Porém, isto às vezes pesa. Não a solidão por si. Convivo com algumas pessoas com quem é possível, perfeitamente, “estar juntos a sós”, digamos assim. Não sou anti-social, veja bem. Mas é que adoro uma vida tranquila. Gosto de sair de uma festa e ter depois tranquilidade. Eu não poderia nunca ser o herói de nenhuma aventura: não há nada pior para mim do que viver 24 horas sob pressão.
O que pesa, mesmo, é a impossibilidade de fugir dessa solidão. Ser objeto de interesse de qualquer pessoa, nem se fala: nem isso me frustra mais. O que incomoda – e, admito, só às vezes, mas com certa frequencia – é não estar em lugar algum no mundo. Se digo que sou estudante, lembro que a faculdade está trancada. Se digo que trabalho, lembro que qualquer máquina bem projetada, ou mesmo um macaquinho bem inteligente, poderia fazê-lo tão bem quanto eu. Se digo que sou homem, lembro que virilidade e masculinidade são coisas até um pouco abjetas para mim. Se digo que sou heterossexual, lembro que existem homens interessantes; se digo que sou gay, lembro que existem, mais ainda, mulheres interessantes; se digo que sou bissexual, lembro que meus gostos não são tão equilibrados assim; e que, de qualquer maneira, somente simpáticos cachorrinhos e preguiçosos gatinhos têm maior interesse por mim. Se eu digo que sou brasileiro, lembro que não possuo um pingo de orgulho nacionalista. Se eu digo que sou humano, lembro que este é o conceito mais vago e mal-estruturado, ou pelo menos que é um dos mais vagos e mal-estruturados que existem. Se eu trabalho com informática, lembro que informática é a coisa mais chata do mundo (a única ciência exata onde não se sabe com exatidão onde está o problema que não se resolveu reiniciando o computador – aliás, a única ciência exata que tem uma solução mágica: reiniciar o computador). Se eu estudo, lembro que não consigo ler mais do que uma hora corrida. Dançar talvez seja a única coisa que faço sem objeções pessoais, mas dançar é algo corpóreo, e meu corpo redondo e peludo está longe de ser algo interessante.
E se eu reclamo de tudo, eu lembro que é possível ir levando, consertando as coisas aqui e ali.
Mas é muito difícil para mim, de maneira geral, essa singularidade excessiva.