Talvez seja mais fácil compreender a parábola em Lc 16,1-8 depois de ler o versículo seguinte, 9: “fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos.”
O administrador desonesto achou melhor garantir seu futuro fraudando as dívidas que os outros tinham com o seu patrão para que eles pagassem menos, esperando que, com este favor (ainda que tenha sido um favor desonesto), eles o ajudassem depois do fim do “aviso prévio” que recebera do patrão.
Se Cristo estava relativizando a desonestidade, ou então achou tão óbvio que o foco da parábola era a troca de favores e não a relativização da desonestidade, eu não sei, assim como eu não sei se o foco da parábola é mesmo a troca de favores, porque é uma parábola bem confusa e os comentários sobre ela por aí não (me) ajudam muito.
Uma interpretação rápida e simplista poderia ser alguma coisa como “sejam legais com os outros nesta vida para que eles sejam legais com vocês na vida eterna”; e assim como há a observação de que os “filhos da luz” tem uma tendência à serem grosseiros com os outros, também está implícita a recomendação para que não o sejam.
Os “filhos do mundo” não tem, afinal de contas, a perspectiva do respaldo de Deus, o que os obriga a serem muito mais prudentes do que os “filhos da luz”, mais ou menos como Hermione observou sobre os bruxo que, confiando nos seus poderes, teriam dificuldade em usar a lógica para encontrar a garrafa correta no final de Harry Potter e a Pedra Filosofal: é mais ou menos como se os “filhos da luz” tivessem uma tendência a tocar um “foda-se” para o mundo que vai passar tendo em vista o que há de vir – e pelo que se pode deduzir do versículo seguinte, o 10, o modo como lidamos com as coisas temporais também interfere nas coisas eternas.
Daria para dizer que entre ver a luz e ser grosseiro, e não ver a luz e ser amável, seria melhor então ser um filho da luz que é cavalo com os outros do que um filho do mundo amável? Eu não sei, mas acho que não. Entre as primeiras coisas que a luz de Deus ilumina não está a amabilidade para com os outros, mas se não é possível que Deus ilumine isto também, como esperar que, parafraseando o versículo 10, quem não se deixa iluminar nas coisas pequenas se deixe iluminar nas coisas grandes? Afinal, ainda no versículo 10, “quem é injusto nas coisas pequenas o será também nas grandes”, o que talvez explique porque religiosos tão iluminados sejam inesperadamente vis em escândalos financeiros ou sexuais.
É possível que eu esteja distorcendo um pouco os versículos de 8 a 10 em favor do que eu penso, mas acho que só estou defendendo um detalhe relevante desta passagem: ainda que não se justifique “desviar-se” do que Deus quer para tratar bem os outros, o que Deus quer também não justifica tratar mal as pessoas.