Fútil

Acho que descobri que sou uma pessoa fútil.
Tudo começou com meu travesseiro. Fazem anos que eu tenho esse travesseiro. Já viajei com ele para muitos lugares, já esqueci, encontrei, carreguei, babei e dormi muito nele. Ele já estava fino como papel de jornal. Aí eu comprei um traveseiro novo. Fiquei muito feliz com esse travesseiro novo. Ele é de tecido, azul com umas traços brancos na horizontal e na vertical, é bem gordinho e não esquenta muito. É ótimo!!
Depois veio a toalha. Onde esteve meu travesseiro, esteve minha toalha. Anos de uso, ela deve conhecer meu corpo como ninguém. Ultimamente ela tinha mais buracos do que pano, mas ainda secava muito bem. Além de células mortas do meu corpo, ela tinha também restos de tintura de cabelo, um pedaço chamuscado, uma parte encardida e não tinha mais etiqueta. Por isso, comprei uma nova, amarela-mingau, toda felpuda com muitas bolinhas em relevo, maior do que eu – acho que consigo me tapar com ela.
Por último, a maior compra que devo ter feito na minha vida (com excessão do meu certificado de filosofia, se bem que este é parcelado, enquanto que minha última compra foi à vista): um DVD. Um aparelho de DVD, e não uma fita, claro. O outro antigo, fazia “rrrrrrrr” meia hora antes de começar a tocar o DVD, trancava a fita quando bem entendia (acho que depois de tantos filmes que reproduziu, o aparelho adqiriu senso crítico e, quando não gostava de uma cena, trancava o filme em protesto), não abria a bandejinha, e nem o controle funcionava mais. Era um daqueles grandes, todo quadradão, cinza, com números digitais e cheio de coisas em inglês. Esse de agora é bem pequeno – já vi livros maiores que ele -, quase todo branco mas cheio de detalhes em diferentes tons de cinza, um monte de luzinhas (uma de minhas disfunções da infância: aparelhos eletrônicos, para mim, têm que ter luzinhas que piscam para tudo), a fita entra por cima, tipo aqueles CDs portáteis, o controle é do tamanho de uma carteira de cigarro, e ele não é todo reto, e sim cheio de voltinhas, meio arredondado, e os botões ficam na parte de cima, e não na frente. E as coisas vêm em português!! Nada mais de “loading”, “search”, “resume” e “no disc – insert a disc”: agora é só “lendo”, “abrir”, “selecione a opção…” O português não é “A” língua. Gosto muito de espanhol e de francês. E inglês eu sei que preciso aprender um dia. Mas não há nada como saber o que um aparelho está fazendo, e entender o que ele diz.

Por isso eu descobri que eu sou uma pessoa fútil, futilíssima!! Na Espanha, mais uma esposa foi morta pelo marido, e os latinoamericanos que moram lá estão em conflito com alguns xenófobos. Está acontecendo um FSM na África. O Irã está endurecendo contra a ONU, e a Europa, endurecendo contra o Irã. A América Latina está pegando fogo. A China começou a brincar de lançar mísseis espaciais. E a minha maior preocpação é se eu devo colocar meus CD-Rs do Manu Chao e da Fernanda Abreu para tocar no meu DVD.

E acho que não, pode estragar.