O moralismo que aponta os erros alheios nas atitudes individuais pode às vezes até estar apontando corretamente o que de fato é um erro, quando não um pecado, e se apegam ao fato de terem razão no que apontam (mesmo quando não têm) para legitimar a “denúncia”. Mesmo quando apontam para problemas coletivos (o aborto, por exemplo), ainda assim o foco é culpar o indivíduo (mesmo que sejam muitos indivíduos – como nas orações do terço em frente a hospitais como o Pérola Byington, para ficar no exemplo da questão do aborto).
De outro lado, existe o foco nos pecados estruturais, ou nas estruturas de pecado, que é o que afinal eu acho ser possível atacar no que diz respeito à política, mesmo correndo o perigo de invalidar o sacrifício redentor de Cristo – afinal, se considerar-se o pecado exclusivamente como o resultado de estruturas opressoras, Cristo não morreu para redimir os pecadores, mas para sanar as estruturas sociais.
Este foi um dos erros da Teologia da Libertação (que entretanto mais acertou do que errou), ou, no mínimo, esta transferência total da culpa para as estruturas pesou demasiadamente no seu discurso. Ao mesmo tempo em que isto não invalida a TL, legitima a preocupação da Igreja em corrigi-la, embora isto não valha para os excessos que houveram nesta correção (mais políticos do que pastorais, aparentemente).
Mas não há um equilíbrio possível entre ponderar culpas pessoais e estruturas de pecado. O que é possível é denunciar e combater estas estruturas sabendo que sua origem é o pecado; há com certeza pecados pessoas nas bases destas estruturas, mas também estes pecados pessoais são posteriores ao pecado que Cristo veio destruir.
É necessária a fé em Cristo no que diz respeito aos pecados pessoais, que em menores ou maiores medidas, sustentam estas estruturas de pecado. Mas é necessaria – repetindo – a fé em Cristo, e não os dedos apontados contra os pecadores. Salvo excessões em que a relação entre duas pessoas permita ou exija isto, jogar na cara do pecador os seus pecados, por si só, não vai servir para que ele pare de pecar; fazê-lo sentir-se culpado, muito menos. Quase sempre o dedo apontado e a culpabilização servem a fins diferentes da conversão dos pecados, por isto que levar Cristo, que é quem salva, é muito diferente de soterrar alguém sob quaisquer culpas.
Combater o pecado na esfera pessoal é imprescindível, mas é uma tarefa que só o próprio pecador e Cristo podem “atacar” diretamente. Enquanto este combate é necessário, também não é possível esperar tornar-se santo para combater as estruturas de pecado (tão facilmente ignoradas pelo moralismo, por sinal), sem no entanto desprezar a santidade neste combate, ou seja, combater com a fé e não com o pecado.
As estruturas de pecado não são exclusivamente as condições econômicas e políticas degradantes (e degradadas) como as que vivemos agora, mas esta degradação também reforça as estruturas de pecado, e mesmo que só Cristo possa (e vá) erradicá-las de fato e para sempre, cabe a nós, os “degredados filhos de Eva”, combatermos cada qual em si próprio o pecado, e combater juntos estas estruturas tais como se apresentam em cada momento.