Espiritualidade e teologia

«Recentemente muitos teologos voltaram a acentuar a dimensão espiritual da teologia. H. Urs von Balthasar (1964, p. 270) buscou manter uma estreita relação entre teologia e espiritualidade, definida por ele como o aspecto subjetivo da dogmática. Para Ratzinger (2008, p. 48), a teologia “vive do paradoxo de que existe uma ligação entre fé e ciência”. Enquanto supõe a fé, o ponto de partida da pesquisa teológica se encontra na experiência do próprio mistério que ela busca compreender e comunicar. Ratzinger (2008, p. 49) afirma uma ligação estreita entre teologia e santidade, não por pietismo barato ou palavrório sentimental, mas por causa da lógica inerente à própria teologia que nasce da experiência de fé. Como dizia Lutero, sola experientia facit theologum. Outros corroboram a opinião de Ratzinger, apontando a fé como o início da teologia, uma vez que a teologia constrói seu discurso crítico e sistemático guiada pela fé. Para fazer teologia cristã, o teólogo precisa ser fiel e racional ao mesmo tempo, ou seja, antes de ensinar sobre Deus, ele próprio deve ser ensinado por ele (O’ COLLINS, 1991, p. 15).
(…)

Hoje em dia se faz urgente, para a teologia, a tarefa de evidenciar a ligação estreita entre fé e razão, fé e ciência. Os riscos de uma interpretação meramente subjetiva do mistério cristão são enormes. A experiência cristã conta sempre com critérios objetivos de discernimento. Se por um lado o mais importante é o encontro amoroso com o Senhor, por outro a revelação, enquanto Palavra de Deus a nós dirigida, conta com inegável objetividade que a experiência não negligencia. Santa Teresa de Ávila (2010, p. 201), que experimentou o mistério cristão num nível muito profundo, afirmou: “O que tenho visto e sabido por experiência é que, nestas coisas, só fica a certeza de que procedem de Deus, na medida em que são conformes à Sagrada Escritura”. A doutora busca na objetividade da Sagrada Escritura confirmação de sua rica experiência. Sua subjetividade não inventa Deus, mas o reconhece e a ele se submete no conhecimento da revelação. Por outro lado, a beleza e grandeza do mistério ultrapassa tudo o que se diz sobre ele: “se o Senhor não me houvesse instruído, pouco teria aprendido com os livros. Nada entendia até que Sua Majestade me fez compreender por experiência” (SANTA TERESA DE JESUS, 2010, p. 171). Não se trata de um conhecimento recebido por via de informação, mas de vivência profunda. Em Santa Teresa encontramos um raro equilíbrio entre fé – experiência e razão – conhecimento. Aqui há dois extremos graves a evitar: um racionalismo que queira dispensar os cristãos de ter que crer e um experimentalismo que desobrigue a fé de mostrar a razoabilidade do conteúdo da revelação. Por outro lado, quem crê não precisa temer a ciência, afinal, como afirma o Papa Francisco na Lumen Fidei,

o olhar da ciência tira benefício da fé: esta convida o cientista a permanecer aberto à realidade, em toda a sua riqueza inesgotável. A fé desperta o sentido crítico, enquanto impede a pesquisa de se deter, satisfeita, nas suas fórmulas e ajuda-a a compreender que a natureza sempre a ultrapassa. Convidando-o a maravilhar-se diante do mistério da criação, a fé alarga og horizontes da razão para iluminar melhor o mundo que se abre aos estudos da ciência (LF 34).

O perigo maior em nossos dias parece ser o do experimentalismo, uma vez que o homem pós-moderno valoriza sobretudo o conhecimento estético, feito de sensações e sentimentos. Nesse caso a fé se distancia da razão. Ele corre, portanto, o sério risco de definir Deus a partir de sua subjetividade, criando para si um ídolo muito diferente do Deus de Jesus Cristo, que exige conversão e compromisso com o Reino.»

CARRARA, P. S.; CARMO, S. M. DO. A teologia como sapientia fidei: interfaces entre teologia e espiritualidade. HORIZONTE – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v. 12, n. 34, p. 510-533, 29 jun. 2014.

Imagem: Ryoji Iwata on Unsplash