À primeira vista, Jesus Cristo pode parecer um líder ciumento cuja insegurança o leva a exigir que lhe amem acima de tudo e de todos. Líderes interesseiros também fazem este tipo de coisa (quem nunca ouviu de algum chefe que era necessário o empregado decidir se sua prioridade era alguma pessoa próxima ou o emprego? Mas até quem responda “eu” pode ver o quanto as pessoas que cuidam de crianças ou de algum parente adoentado, na sua maioria mulheres, são preteridas por estas condições); e quantos líderes religiosos não cobram dos seus liderados que lhe deem prioridade frente a quaisquer outros que não sejam eles?
É claro que deixar quem amamos de lado em prol de um emprego não garante permanecer empregado, e que líderes religiosos exigindo atenção quase sempre o fazem apenas pelo seu próprio benefício, e não em benefício de quem estão cobrando a atenção. Mas porque Cristo fala como uma estrelinha em decadência quando se espera mais dele do que dos outros?
Embora o verdadeiro Cristo seja apenas um, independente de como o vejamos, até quem tem a perspectiva correta dele tem apenas perspectiva e não o que se poderia chamar de uma visão clara e objetiva dele. O mesmo Cristo que aparece como rei também aparece como mendigo na escultura que o retrata deitado em um banco de praça enrolado em cobertas que ainda assim deixam os pés de fora, e nenhuma das duas representações é falsa, mas também não é absoluta. Até podemos pensar que, assim como quando Pedro me fala de Paulo eu sei mais sobre Pedro que sobre Paulo, quando uma ou outra representação de Cristo é renegada por alguém é possível pressupor o caráter desta pessoa baseando-se em suas preferências – mas ao fazermos esta avaliação, sempre seremos Pedro falando sobre Paulo.
É que no caso de Cristo entra em cena o que foi objeto de disputas teológicas no passado e, apesar de já bem definido, muitas vezes é deixado de lado ao ler certas passagens da Bíblia: o caráter divino de Cristo. Pois se, por um lado, Cristo não é Deus disfarçado de gente como a gente e sim genuinamente gente como a gente, por outro lado, ele nasceu humano só porque antes disto já existia sendo Deus.
Gente como a gente às vezes precisa de atenção e pede, mas às vezes pede fingindo que não é um pedido e sim uma oferta imperdível (“me dê atenção e seja feliz por isto”), quando não a exige como se fosse um dever alheio. É aí que Cristo parece ser mais um necessitado pedindo atenção, entre outras pessoas carentes, banners em sites, carros de som na rua e avisos de todos os tipos.
Mas sendo plenamente humano, Cristo também é, antes de ter se tornado humano, Deus. E se só é possível amar por graça de Deus, muitas vezes o amor que se percebe não transparece a graça, que não é óbvia, pois, se fosse, não teria sido necessária a revelação de Cristo e o Evangelho não serviria para nada.
Amar implica em escolher prioridades, o que não significa escolher o que vai ser desprezado, mas sim que mesmo quando o sentimento contempla todo mundo, na prática não dá para dar atenção a tudo o tempo inteiro.
Só que Deus é mais amplo do que o tempo, a atenção e o sentimento: por isto que ter mais amor a Cristo do que a qualquer outra pessoa é a melhor maneira de amá-las, o que se estende à vida – não porque seja necessário escolher entre Cristo ou a vida, mas porque a vida (e o amor, a justiça, etc.) vem de Cristo, e preferir Cristo, no fim das contas, é como um combo completo de amor-vida-justiça-e-tudo-o-mais que não torna as coisas necessariamente mais fáceis, mas abrange tudo o que deixamos de lado quando dependemos de ter que escolher apenas com base no ou-isto-ou-aquilo.