Dois trechos de História da Igreja no Brasil – período colonial

A terceirização da evangelização no Brasil colonial

«Por concessão da Santa Sé, os reis de Portugal gozavam do direito de padroado sobre as novas colônias portuguesas. Deste modo os monarcas se constituíram como verdadeiros chefes espirituais das novas terras, por delegação do Papa. (…) Na realidade, tais privilégios levavam normalmente a uma identificação entre colonização e cristianização. (…) Assim os monarcas portugueses pensavam em criar no Brasil um Estado cristão, tendo como religião oficial o catolicismo. A missão deste Estado cristão era subjugar e incorporar os indígenas à cultura portuguesa e à religião cristã.
O espírito de cruzada domina a colonização portuguesa. (…)
Ser cristão, em última análise, é adotar a cultura portuguesa. (…)
Outra consequência lógica dessa mentalidade é que a religião é reconhecida mais por limites territoriais do que por marcos espirituais.» (pgs. 156-158)

O estado de guerra permanente sob o disfarce da paz no Brasil colonial

«Em resumo, a política do Brasil era essencialmente uma política local. A coroa sempre manteve uma duvidosa ambiguidade em assuntos políticos, de um lado ouvindo com paternal solicitude as queixas dos que apelavam para ela, como por exemplo os jesuítas, em numerosa correspondênca, do outro lado nunca enfrentando os senhores locais (o famoso princípio do “poder moderador” de Pedro II), pois estes eram na realidade seus melhores colaboradores. Por isso a coroa nunca permitiu nem podia permitir tratados de paz entre africanos e colonizadores, indígenas e colonizadores. Há dois casos interessantes neste particular: um, por ocasião da guerra contra os potiguares no Rio Grande do Norte, quando ambas as partes começaram a se mandar embaixadas como se faz numa guerra “regular”. A coroa, consultada, reagiu de maneira taxativa (1692): não se fazem embaixadas de paz com os índios pois estes não são cristãos mas gentios. O outro caso se deu com os africanos aquilombados em Palmares. Começaram a ser enviadas embaixadas de paz de ambos os lados, houve trocas de presentes, a coroa foi consultada. Em 7 de fevereiro de 1686 veio a resposta por carta régia: os africanos foragidos vivem em pecado mortal, são revoltosos contra a vontade de Deus, e não se faz paz com os inimigos de Deus. Aliás, esta foi igualmente a opinião de Antônio Vieira, consultado por um colega seu que quis evangelizar os quilombolas de Palmares.
Estes episódios demonstram o medo que reinava no centro do império português, Lsboa, no fnal do século XVII, e que exprimia a insegurançada administração central. Muto mais seguros estavam os senhores locais que, numa sociedade de extrema oposição social como é a sociedade escravocrata, mantiveram a única política segura e eficiente: a de manter o estado de guerra permanente sob o disfarce da paz. (…) Na realidade, a paz dos engenhos era fruto da “entrega da personalidade do escravo nas mãos do senhor”, conforme comentou Joaquim Nabuco. Este estado de guerra permanente era exercido de três modos, basicamente: pelos castigos, pela espionagem, pela religião.» (pgs. 256-257)

Eduardo Hornaert et al. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo: primeira época, período colonial.

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