deusas

Eu procurei, mas não encontrei nem lembrei de nenhuma música da MPB que endeuse as mulheres (daquelas tipo “mulher é um ser divino”, por exemplo), para deixar este post mais chique. Por favor lembre-se, portanto, de alguma música desse tipo, só para não perder o efeito.

Assim como muitos compositores brasileiros, o Nepal também tem divindades femininas vivas, e uma delas foi “demitida” porque visitou os EUA, o que tornou-a impura. Aí meu cérebro localizou uma idéia encontrada no Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir.

A idéia: você pode oprimir e prender mulheres por meio da violência, da privação, das leis, enfim, a criatividade é o limite. Um modo muito original de fazer isso é endeusar as mulheres.

Esta pode parecer uma afirmação muito antipática, mas nem sempre as coisas bonitinhas são as que mais fazem bem.

Não recordo com muita clareza as palavras do livro – que, aliás, preciso reler ocm urgência – mas a idéia, em termos gerais, é que quando você confere esses atributos divinos a uma pessoa, torna-se fácil controlá-la. Até aqui é o que eu me lembro que ela escreveu.

A partir daqui, é minha compreensão do texto e meus argumentos. Isso me lembra, primeiro, Freud, de quem eu não gosto muito. Mas uma idéia muito boa de Freud é que uma das piores armas que existem é o elogio. Claro que é uma arma que depende muito da vaidade da “vítima” para que funcione.

Mas funciona mais ou menos assim: quando você dá o título de divindade a uma pessoa, ela precisa agir segundo esse título. É diferente de quando uma pessoa declara-se, por si mesma, uma divindade: nesse caso, não importa quem reconheça essa divindade, desde que a proópria pessoa reconheça-se uma divindade. Mas quando alguém lhe diz “você é uma divindade”, você será uma divindade para esta pessoa (ou grupo), e dependerá da aceitação e reconhecimento do grupo para prosseguir sendo uma divindade. Pode acontecer, claro, do grupo aceitar qualquer coisa de sua divindade e nunca questioná-la. Sorte da divindade, que será muito mais poderosa, então. Mas, em geral, e no que diz respeito à divindade feminina, ou à divinização do feminino, são homens ou outras mulheres conferindo essa divindade a uma mulher.

Alguém pode dizer que, pelo menos, que sejam outras mulheres a conferir divindade a uma, a algumas ou a todas as mulheres. Mas a) nem todas as mulheres querem ser divinas, b) nem todas as mulheres reconhecem qualquer divindade, c) a concepção de “divindade” pode variar muito de mulher para mulher, e de grupo de mulheres para grupos de mulheres, e d) nada impede que mulheres oprimam a outras mulheres, seja em seu próprio nome, seja em nome de algum homem.

E um grande exemplo disso – do que Simone de Beauvoir disse, e do motivo pelo qual eu me recuso a tratar uma mulher como um ser especial, “apartado” do mundo – é o que saiu na notícia do link ali de cima: uma menina, cultuada como deusa no Nepal, agiu contra a vontade dos anciãos do templo deles, e estes retiraram dela a divindade. Esse link também serve como um bom exemplo disso.

Por isso, me irrita, mas fico de mãos atadas quando, por exemplo, chega o dia 8 de março, e tudo o que se vê – pelo menos aqui pelas bandas de onde moro – são flores sendo distribuídas, homenagens à força e à garra feminina das mulheres que trabalham fora, cuidam de pais, filhos, maridos, da casa, etc, e isso é tratado com orgulho.

Cansei de escrever agora.