Nós dependemos uns dos outros para sobreviver. A coletividade humana que assume um rosto nas pessoas com quem cruzamos no dia a dia é interdependente, por isto até mesmo quem recebe ajuda está contribuindo tanto quanto quem dá esta ajuda.
Esta união coletiva não substitui Deus, e sim depende dele para que possa existir – inclusive por ser desejada por ele. Mas se a tentação de substituir Deus pela união entre as pessoas é proporcionalmente mais nefasta, o perigo de se aproveitar desta interdependência é mais iminente.
Isto porque o capitalismo é regido pelo acúmulo de bens e quem possui este acúmulo faz dos outros reféns na maioria das vezes. Os donos do dinheiro, os donos do poder, os donos dos meios de produção, os donos do conhecimento, todos eles acumulam alguma coisa e quase sempre exploram os que não possuem estas coisas ao invés de compartilhá-las com justiça.
Eles se aproveitam assim da interdependência coletiva para impor aos outros as condições de acesso ao que possuem, negando por princípio este acesso a quem não lhes satisfazer – exigindo quase sempre dinheiro, sexo ou humilhação para se sentirem satisfeitos.
É verdade que os explorados podem ser também exploradores dos outros, reafirmando assim esta estrutura injusta. Mas eles apenas reafirmam a ação dos grandes exploradores que não dependem destas reafirmações para explorarem os outros – estas são uma ajuda valiosa, mas dispensável.
Os bens acumulados, que de outra forma seriam apenas coisas necessárias a serem usadas, são trabalhados por estes exploradores para se tornarem objetos de desejo e é principalmente pelo estímulo à satisfação destes desejos artificiais que eles exploram a maioria que tem pouco ou nada. E estes desejos artificiais são como as cisternas que não podem reter água, mencionadas pelo profeta Jeremias.
Aproximar-se de Deus, que é a fonte de água viva, compensa e recompensa a falta dos bens negados por quem os acumulou, mas não apaga a injustiça deste acúmulo e o preço da exploração que cobram pelo que possuem.
O distanciamento de Deus nos expõe ao risco de enxergar nestas cisternas uma água viva que não está lá, mas também nos expõe ao risco de acreditar que o acúmulo reterá esta água viva, ou pior, acreditar que este acúmulo é a própria água viva (e a maioria destes grandes exploradores talvez acredite nisto mesmo).
Não é só por isto, mas é também por isto que Deus nos chama de volta a ele: para não perdermos a vida buscando a morte disfarçada de água viva nas cisternas dos exploradores, deixando assim de beber desta água diretamente da única fonte dela que é Deus.