Há tempos atrás, meu sentimento de bem-estar somente acontecia quando reconhecia o teu bem-estar. Minha alegria era a tua alegria e o teu sorriso me deixava feliz não porque era belo, mas porque por ele eu supunha a tua felicidade. Aprendi mais tarde a ser feliz com outras coisas – inclusive minhas – além de ser feliz apenas com a tua felicidade.
Em todo esse tempo, todas as minhas idéias e todos os meus atos somente tinham sentido se fossem para o teu bem. Quando isso revelou-se uma prisão, decidi não deixar de procurar a tua felicidade, mas também a minha. Não deixar de me prender a ti, mas a me soltar em mim – e descobri assim que te sentia dentro de mim.
Descobrir que tua felicidade não dependia de mim não me machucou, pelo contrário, me libertou. Você há de concordar que é uma responsabilidade muito grande ser responsável pela felicidade de aguém. Seria arrogância se eu não aceitasse que tua felicidade não dependia de mim, mas quando descobri aceitei, e pude ser responsável apenas pela minha felicidade e pelo desejo de que fosses feliz. Pois onde eu não pudesse te fazer feliz, darias um jeito, e por isso eu fiquei duas vezes feliz (uma por mim, outra por ti).
Decidi apenas te acompanhar: se estivesses feliz, eu também estaria, se não estivesses, eu ficaria um pouco mais triste, mas sempre queria estar ao teu lado, para comemorar, para lamentar, ou apenas para ficar sem fazer nada.
Não esperava que a minha felicidade fosse para ti o mesmo que a tua felicidade era para mim. Eu já não era mais responsável pela tua felicidade – aliás nunca fui – e só podia desejar a tua e ser responsável pela minha. Nem mesmo esperava que a minha felicidade te deixasse feliz. Isso estaria muito bem assim.
Mas nunca pensei que a minha infelicidade fosse para ti tão pouca coisa. Quer dizer, a minha tristeza era melhor mesmo que não fosse também a tua – mesmo que a tua fosse também a minha. Mas pensei que fosse mais difícil para ti não causar minha tristeza. Não que eu imaginasse de ti que fosses fazer um grande sacrifício para que não causasses minha tristeza, mas não imaginava que causar minha tristeza fosse tão indiferente para ti quanto causar qualquer outra coisa que fosse. Entenda: não queria que desejasses minha felicidade, nem que trabalhasses por ela, nem que me salvasse da tristeza e nem que nunca a causasse; mas imaginei que evitar ser a causa da minha tristeza, mesmo que não fosse uma prioridade tua, merecesse alguma atenção da tua parte.
Essa indiferença a mim – e à minha felicidade – não é a causa de eu decidir deixar-te de lado. Essa indiferença apenas significa que não existo para ti, e que, portanto, tanto faz onde te deixo: de lado, à frente, ao meu lado, tanto faz. Se para ti não existo, não posso querer te converter à crença na minha existência, assim como não poderia te convencer que existem unicórnios, caso eu desejasse que acreditasses. Se para ti eu não existo, suponho que esteja feliz – e tua felicidade ainda me faz feliz – e se não estás feliz, só posso fazer, como fazia antes, desejar que sejas feliz, sem que eu possa fazer nada por isso.
Portanto, tudo o que posso te desejar é que seja feliz, que encontre a felicidade e todas estas coisas parecidas que suponho que procuras, e que nunca corras o risco de acreditar, tarde demais, que existia alguém do teu lado.