Compasso

É o que pulsa o meu sangue quente
É o que faz meu animal ser gente
É o meu compasso mais civilizado e controlado

Estou deixando o ar me respirar
Bebendo água pra lubrificar
Mirando a mente em algo producente
Meu alvo é a paz!

Vou carregar de tudo vida afora
Marcas de amor, de luto e espora
Deixo alegria e dor ao ir embora

Amo a vida a cada segundo
Pois para viver eu transformei meu mundo
Abro feliz o peito, é meu direito!

Essa letra é de uma música da Ângela Ro Ro. Me espantei de vê-la no programa do Raul Gil (que, espanto número 2, está na Band), magra que nem um pau. Ela era bonita gordinha. Não ficou mais bonita, mas continuou bonita. Nem sempre acontece isso: uma pessoa pode engordar ou emagrecer e ficar mais ou menos bonita do que era antes, com a mudança. Ela continuou bonita. De uma beleza diferente, eu acho – não uma beleza “magra”, em contraposição a uma beleza “gorda”; mas sim, outra coisa, e uma outra coisa bonita.

Imagino que a letra dessa música, que deve ser, conforme eu ouço artistas falarem na TV, sua música de trabalho (tipo o hit do CD), faça alguma referência à vida dela. Sou tiete, às vezes, e por isso sinto curiosidade em saber mais, gostaria de ouvir de que aspectos da vida dela ela fala na letra da música; mas não sei, não tenho como saber.

Adorei a letra da música porque sua letra me toca. A canção, em si, me toca muito. Mas falo da letra, apenas. Sempre imagino essas coisas, esse tipo de letra (no estilo “volta por cima”), referindo-se a pessoas que apanharam na vida, deixaram as drogas fuderem sua vida, foram “underground”, gente maluca que por pouco não morreu, mas chegou até aqui e resolveu encontrar um pouco de paz.

Mas, para meu (terceiro) espanto, sinto que é uma letra que fala de mim também. Nunca tomei porres de cair habitualmente na rua. Nunca roubei nada. Nunca tive desafetos raivosos, só pessoa cuja cara eu não vou. Nunca vivi em nenhum submundo urbano. As pessoas nos bares não me conhecem, nem lembram de mim, nem me conheceriam se os frequentassem quando eu era mais jovem. Nunca me acabei com drogas ou brigas. Só minto um pouquinho, diria Tim Maia – mas eu não sou o pai do soul brasileiro.
Apesar da minha entediante vida – minha biografia deve dar um parágrafo, dois se eu fizer um poema nela – me identifico com a letra da música. Talvez seja um caso de identificação medíocre, pois minha loucura nunca foi grandiosa.

De qualquer maneira, muitos “vivas” e “aêêês” a essa volta da Ângela Ro Ro, pelo menos da minha parte.