Existem coisas que se faz de um modo que não se deveria fazer e, se algo sai errado por causa dos outros, ainda assim irão culpar quem estava fazendo as coisas de modo errado, e não os outros que botaram tudo a perder. Atravessar fora da faixa de segurança, por exemplo, está errado, mas mesmo assim milhares de pessoas fazem isso todo o dia, e se alguém é atropelado fora da faixa, alguém vai aparecer para dizer “é, mas tava fora da faixa”, apesar de a prudência na direção ser necessária independente de haver uma faixa ou não.
O exemplo pode ser ruim, mas de qualquer forma não se aplica ao atropelamento criminoso dos ciclistas do Massa Crítica em Porto Alegre.
Mesmo que eles não tivessem avisado a EPTC (mas avisaram), mesmo que houvesse espaço para deixar o carro passar (mas não tinha), mesmo que eles tivessem xingado o motorista, sido chatos, implicantes ou gritado “Sai daqui mané, tu não vai passar!” (mas duvido que tenha acontecido qualquer dessas coisas) – o que quer que tenha havido, nada justifica passar por cima, absolutamente nada. E nada justifica a EPTC tentar colocar a culpa nos próprios ciclistas.
Nessas áreas médicas existe uma situação chamada de comorbidade, que é quando uma pessoa tem duas (ou mais) doenças ao mesmo tempo, sem que uma seja causa de outra.
Esses dois espisódios, o atropelamento e a reação abissalmente incompetente e tola da EPTC, são uma espécie de comorbidade também: duas atitudes doentias, um atropelamento e uma tentativa (pífia) de jogar a culpa na vítima, que aconteceram ao mesmo tempo e incidiram sobre as mesmas pessoas (os ciclistas), sem que uma atitude doentia seja a causa da outra.
A menos, é claro, que a EPTC tivesse alguma intenção de proteger o motorista das consequências do que fez, e eu não conheço o termo para uma doença que causa a outra. Mas torçamos, pelo menos eu torço, para que seja mera comorbidade.